O sarampo foi eliminado em Portugal em 2015, facto reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que entregou à Direção Geral da Saúde (DGS) o diploma que confirma a sua eliminação no nosso país. Uma doença infeciosa como o sarampo considera-se eliminada de uma dada região quando não existem casos locais da doença durante três anos consecutivos.
De acordo com o boletim epidemiológico de 2 de abril da DGS, existem 86 casos confirmados no mais recente surto de sarampo em Portugal, sendo que 77 já se encontram curados. Do total de casos confirmados, 14% não estavam vacinados e 8% tinham o esquema vacinal incompleto.
Ou seja, 22% dos casos registados não se encontravam em linha com o Programa Nacional de Vacinação (PNV) de 2017, que recomenda que a primeira dose da vacina combinada contra o sarampo, parotidite epidémica e rubéola seja administrada aos 12 meses de idade e a segunda dose aos 5 anos. Adicionalmente, o PNV sublinha que, entre os profissionais de saúde, a vacinação contra o sarampo é essencial para assegurar a proteção adequada dos mesmos e «evitar a existência de cadeias de transmissão em serviços de saúde e o contágio subsequente de pessoas com maior risco de complicações».
O mais recente surto de sarampo em Portugal levanta importantes questões, nomeadamente a de saber se determinadas vacinas devem ser obrigatórias para os profissionais de saúde e/ou para a população em geral. Esta é uma interrogação que gera muita controvérsia, como aliás foi notório no programa “Prós e Contras” da “RTP1”, no passado dia 26 de março. Em termos económicos, as vacinas são um exemplo clássico de um bem que gera externalidades positivas. De facto, quando uma vacina é administrada a um indivíduo, o benefício não se restringe à imunização dessa pessoa, mas engloba também um benefício para a população em geral, já que se diminui a probabilidade de outras pessoas serem contagiadas. No entanto, quando as pessoas decidem se se devem vacinar (a si ou aos seus filhos), por norma apenas têm em consideração o benefício individual, o que faz com que o número de pessoas vacinadas tenda a ser inferior ao número ótimo do ponto de vista social. É por este motivo que os governos intervêm no mercado, nomeadamente através do fornecimento gratuito de algumas vacinas e do desenvolvimento de campanhas de sensibilização.
De acordo com Inquérito Serológico Nacional (ISN) de 2015/2016 existe imunidade elevada na população portuguesa relativamente às doenças abarcadas no PNV. No entanto, é de ressalvar que o ISN identificou que em alguns grupos etários a percentagem de indivíduos com anticorpos para o sarampo foi inferior à registada no ISN anterior, que decorreu entre 2001 e 2002. Embora não tenham sido apontadas causas para essa diminuição, torna-se premente compreendê-las para corrigir a situação de forma adequada. Será que a diminuição da imunidade da população relativamente a algumas doenças se deve simplesmente a algum desleixo na toma das vacinas? Se sim, então nesse caso um controlo mais rigoroso dos boletins de vacinas e um investimento maior em campanhas de informação poderá ser suficiente para restaurar os níveis de imunidade anteriores. Ou será que os níveis de imunidade na população estão a diminuir devido ao crescente ceticismo não fundamentado relativo à eficácia das vacinas? Mais uma vez, aqui as campanhas de informação são essenciais. É imperativo que as pessoas estejam cientes dos riscos da não-vacinação e que não caiam naquilo a que chamo de “falácia da doença eliminada”. Apesar de Portugal ter eliminado o sarampo em 2015, esta condição não é imutável e depende da taxa de cobertura vacinal da população, já que o sarampo ainda não é uma doença erradicada. Por exemplo, se um caso de sarampo é importado para Portugal, por alguém que esteve no estrangeiro e lá contraiu o vírus, então o que impede a transmissão endémica do vírus em Portugal é a vacinação da população. Sempre que alguém opta por não se vacinar está não só a aumentar a probabilidade de contrair o vírus, mas também a dar aso à criação de uma cadeia de transmissão do vírus em Portugal. É neste sentido que a vacinação deve ser vista não só como um direito, mas também como um dever social.
Até à data, o Programa Nacional de Vacinação tem sido considerado um caso de sucesso internacional, uma vez que Portugal eliminou varíola, a poliomielite, a difteria, o sarampo, a rubéola e o tétano neonatal, sem nunca impor a obrigatoriedade das vacinas. Neste sentido, creio que o mecanismo para assegurar uma elevada cobertura vacinal deve continuar a passar por uma forte aposta em campanhas de sensibilização e pela garantia de uma rede alargada e acessível de enfermeiros que administrem as vacinas. Não obstante, a possibilidade de no futuro tornar algumas vacinas do PNV obrigatórias não deverá ser descartada, sobretudo se os movimentos antivacinas começarem a causar uma ameaça séria à saúde pública. Em França, por exemplo, como forma de combater taxas de cobertura vacinal abaixo do desejado, o número de vacinas obrigatórias para crianças nascidas a partir de 1 de janeiro de 2018 passou para 11, em oposição às 3 que eram anteriormente obrigatórias (Artigo 49 da lei n° 2017-1836 de 30 de dezembro de 2017 da República Francesa ).
Carolina Santos,
(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores)