A epilepsia é uma das doenças neurológicas crónicas mais comuns e incapacitantes, afetando cerca de 1% da população mundial1, tendo risco maior nos países pobres e em desenvolvimento2.
Esta doença caracteriza-se por uma predisposição duradoura para gerar crises epiléticas espontâneas(3), que resultam de um excesso de atividade elétrica no cérebro. Este processo denomina-se epileptogénese (5).O diagnóstico de epilepsia pode ser feito quando existem: duas convulsões espontâneas com mais de 24 horas de intervalo ou uma única convulsão espontânea se o risco de recorrência for elevado (>60%); ou ainda um diagnóstico de síndrome epilético(4).
Apesar de atualmente não existir cura, a epilepsia é tratável, com taxas de resposta de 70% e 30% de doentes refratários. O tratamento sintomático através do uso de fármacos antiepiléticos continua a ser a 1ª linha de tratamento para as pessoas com epilepsia. Estes medicamentos têm como objetivo evitar as crises epiléticas com o mínimo de efeitos adversos.1,2,3.
A monoterapia é geralmente a melhor opção, já que a politerapia pode aumentar o risco de má adesão e interações medicamentosas3. Durante os últimos 30 anos registou-se um enorme avanço com a introdução de mais de 20 medicamentos antiepiléticos. Embora os fármacos de 1ª geração, como a carbamazepina e o ácido valpróico, continuem a ser terapêuticas de 1ª linha, os novos antiepiléticos permitem otimizar o tratamento, uma vez que apesar de não serem mais eficazes apresentam menos interações medicamentosas e melhor tolerabilidade3.
A classificação de antiepiléticos inclui os fármacos da 1ª geração, desenvolvidos há mais de quatro décadas, como o fenobarbital, a fenitoína, a primidona, a etossuximida, o valproato de sódio e a carbamazepina entre outros. Os de 2ª geração, que começaram a ser aprovados no fim dos anos 80, incluem vigabatrina, oxcarbazepina, lamotrigina, gabapentina, felbamato, topiramato, tiagabina, levetiracetam e zonisamida. Os antiepiléticos de 3ª geração incluem a pregabalina, a fosfenitoína, a lacosamida, a rufinamida, a eslicarbazepina, a retigabina, o perampanel, o brivaracetam, o cenobamato e o canabidiol4.
A epilepsia refratária a fármacos é definida como a incapacidade de conseguir uma ausência sustentada de crises após terapêutica efetuada com dois esquemas de fármacos antiepiléticos adequadamente escolhidos, quer em monoterapia quer em combinação3. Este tipo de epilepsia acarreta prejuízos para a saúde, para a qualidade de vida e para as relações sociais do indivíduo assim como aumenta o encargo financeiro associado, obrigando em alguns casos à existência de um cuidador5.
Os doentes com epilepsia refratária a fármacos são frequentemente tratados em politerapia. Apesar de não existirem guidelines para a combinação dos diferentes fármacos, a prática atual é principalmente empírica. Uma estratégia muito usada para a politerapia é uma abordagem sinergética dos mecanismos de ação dos antiepiléticos. A combinação de fármacos com diferentes mecanismos de ação parece conferir maior eficácia e menor probabilidade de efeitos adversos comparando com fármacos com mecanismos de ação semelhantes. Medicamentos que combinam vários mecanismos de ação podem ser opções interessantes na epilepsia refratária, como é o caso do cenobamato1 ou do canabidiol6.
O canabidiol foi recentemente aprovado pela FDA para o controlo de crises epiléticas associadas aos síndromes de Dravet e de Lennox-Gastaut. Estudos sugerem que o canabidiol tem vários mecanismos de ação e que é bem tolerado, com poucos efeitos adversos6. Outro dos mais recentes antiepiléticos é o cenobamato, para o tratamento de crises epiléticas focais e estudos recentes sugerem que pode superar as opções existentes em termos de eficácia1.
O seu lugar exato na abordagem terapêutica ainda não foi determinado de forma conclusiva, mas é já claro que estes novos fármacos são uma adição valiosa ao arsenal terapêutico atual7. No entanto, são necessários mais estudos para determinar o seu real valor clínico1.
Estão a ser estudadas várias abordagens para controlar a epilepsia refratária aos fármacos8 como terapias de precisão que visam os mecanismos moleculares subjacentes3.
Nuno Vicente (ULS Viseu Dão/Lafões)
Secção de Doenças Crónicas da Sociedade Portuguesa de Farmacêuticos dos Cuidados de Saúde (SPFCS)
Bibliografia
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