A comissão europeia propôs – Abril 2023 – uma revisão da legislação do negócio farmacêutico no seu mercado interno. Sendo a mais holística reforma dos últimos 20 anos, apontou claramente ao que vinha: garantir mais inovação e melhor disponibilidade, acessibilidade e sustentabilidade dos medicamentos !
São ideias-força que respondem a pressupostos já anteriormente enunciados: os medicamentos com autorização de comercialização europeia não estão a chegar aos cidadãos com a rapidez que as suas necessidades exigem nem com a equidade prometida. Complementarmente são ainda identificados três outros tipos de objetivos:
(1) Adaptar a regulamentação às novas tecnologias e à digitalização em curso
(2) Apostar na inovação como forma de incrementar atratividade e
competitividade à indústria farmacêutica europeia
(3) Acelerar a luta contra a Resistência Antimicrobiana (AMR)
Digamos que até aqui nada de novo. Dito de outro modo: para todos aqueles responsáveis que gerem o negócio farmacêutico sem perder de vista as características específicas das populações-alvo a quem devem proporcionar satisfação de necessidades e expetativas, nada disto é (devia ser) novidade. Sim, é uma questão de maior ou menor sensibilidade. Sim, também é uma questão de mais ou menos conhecimento. E se dúvidas existirem quanto ao propósito e oportunidade da iniciativa, bastará revisitar algumas das conclusões da mediática reunião de Davos (Janeiro 2023) e que eu arrisco aqui sumarizar:
- Como as pessoas estão a viver mais tempo, regista-se uma relação desproporcional e insustentável entre trabalhadores no ativo e reformados
- Prevenir é melhor que remediar, mas os serviços de saúde estão mais focados na cura do que na prevenção das doenças
- A IF deve colaborar melhor com os sistemas de saúde para maximizar o acesso dos doentes à prevenção e ao tratamento
Sabemos bem da complexidade dos processos regulatórios e por isso a ideia da avaliação clínica passar a ser centralizada (180 dias?) só pode trazer ganhos ao processo. Claro que sim. Mas se a avaliação económica continua a ser competência das autoridades locais, o que nos garante que deixaremos de ter em Portugal prazos de aprovação pornográficos? E não menos desafiante serão as questões do acesso às tecnologias de saúde (medicamentos). Com as conhecidas disparidades entre países ou regiões da europa, como garantir uma política atenta às inúmeras barreiras culturais e financeiras,elas próprias geradoras das maiores desigualdades?
É óbvio que Sistemas de Saúde com recursos limitados continuarão sempre a claudicar, na hora de proporcionar (ou anunciar…) maior disponibilidade, melhores acessos e suficiente sustentabilidade. Isto não é ser pessimista. É conhecer o histórico. É conhecer os Processos. É conhecer a cultura instalada. Ou será que é desta vez que vamos mudar de paradigma? Quem o poderá garantir? Quem?
Os Sistemas de Saúde sem dinheiro ficam progressivamente com menos recursos (especialmente médicos e enfermeiros). Por isso falta tempo para os doentes. Doentes que carecem (e merecem) de melhor conhecimento e de melhores incentivos para prevenir as doenças. E convenhamos… pensar que a aposta em consultas virtuais de MGF – não sendo em si mesmo uma coisa errada – pode ser “a solução” para a tão falada falta de médicos, é não conhecer a realidade do mercado português. Poderá até ser uma medida politicamente interessante e útil em alguns segmentos, sim, mas será sempre um fraco contributo para solucionar “aquele” problema crónico. Acontece que o modelo português (ainda) é na sua essência Provider-Centric e muito pouco ou nada Patient-Centric, o que de algum modo ajuda a explicar a situação de caos a que chegámos. Sim, eu disse caos… (1)
Mas na reunião de Davos 2023 também ouvimos o apelo a um esforço coletivo e abrangente para redesenhar os Sistemas de Saúde, orientando-os para a prevenção de doenças e melhoria da saúde da população mas de forma “mensurável”. Este é um processo que começa com a IF e com o próprio Sistema de Saúde.
Ora, o meu ponto de vista explica-se muito facilmente: Se a IF e o Ministério da Saúde estivessem realmente “engajados” como parceiros, deveriam estar a ensaiar novos processos colaborativos de modo a maximizar o acesso dos doentes a modelos mais focados na Prevenção (com sensibilização e educação) e no Tratamento (com acessibilidade e disponibilidade). E não é isso que se vê !
Não acontecendo assim e mantendo-se alguma falta de transparência de processos – que me desculpem os bem intencionados assim como todos os que evitam expressar em público a sua opinião – receio bem que a nossa ambição seja apenas o podermos ser reconhecidos como “bons” protagonistas de processos B2B… E ficarmos felizes (embora mais doentes) para todo o sempre!
- Chaos and Organization in Health Care , Thomas H. Lee and James J. Mongan (MIT Press 2009)
Luís Vasconcelos Dias, Pharma & Healthcare Consultant
Texto de opinião publicado originalmente na edição 126 da revista Marketing Farmacêutico.