ERS: Posição dominante da saúde privada no interior do país, riscos para utentes e SNS 694

A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) identificou níveis de concentração de oferta hospitalar privada, com potencial posição dominante e até monopólio, em quase metade dos concelhos do território continental, sobretudo no interior, apontando riscos para utentes e SNS.

O estudo da ERS, divulgado esta quarta-feira, sobre a concorrência no setor hospitalar não público, incide sobre “os 57 operadores dos 94 hospitais e dos 124 estabelecimentos de ambulatório que se consideraram atuar de forma integrada com os hospitais”.

“É possível verificar que 20% da população de Portugal continental, residente em 133 concelhos, tem acesso a cuidados de saúde hospitalares em mercados substancialmente concentrados, portanto, mais suscetíveis de gerar situações indesejáveis para o utente, tais como preços excessivamente altos, prestação de cuidados de saúde com menor qualidade, menor variedade de serviços e restrições à liberdade de escolha”, lê-se no relatório.

Os 133 concelhos – dos 278 que compõem Portugal continental – concentram-se na faixa interior do continente e na região sul, sendo que a sul a faixa de concelhos abrangidos se estende também ao litoral.

Pelos níveis de concentração identificados, 88 destes 133 concelhos apresentam níveis de posição potencialmente dominante, abrangendo 11% da população residente no continente, e em cinco concelhos – Freixo de Espada à Cinta, Vila Nova de Foz Coa, Idanha-a-Nova, Penamacor e Barrancos – foi identificada posição de monopólio.

Ainda sobre os 133 concelhos com elevados níveis de concentração, o estudo da ERS aponta que “será nesses concelhos que potenciais novos operadores poderão enfrentar restrições de acesso ao mercado, nomeadamente a recursos ou infraestruturas essenciais, e será também mais provável nesses mercados a prática de preços predatórios”.

“Por outro lado, elevados níveis de concentração poderão também impactar negativamente nas contratações a realizar no âmbito do SNS [Serviço Nacional de Saúde] (designadamente ao abrigo de contratos de convenção). Com efeito, em regiões com elevados níveis de concentração, os prestadores privados podem exigir condições contratuais mais favoráveis, designadamente preço mais elevado a pagar pelo SNS, sob pena da não adesão à convenção e da não prestação de cuidados de saúde aos utentes do SNS nessas regiões”, acrescenta a ERS.

Segundo a análise da ERS, a “Área Metropolitana de Lisboa é a única que não tem nível de concentração alto, em nenhum dos seus concelhos”, com “13 operadores que concorrem entre si”. Já no Algarve, o “nível de concentração alto ocorre em todos os concelhos”.

“Do estudo realizado, conclui-se, globalmente, que os mercados regionais são muito concentrados, considerando os níveis dos índices de concentração, calculados com base nas quotas de mercado. Com efeito, não se identificou qualquer resultado de baixa concentração de mercado e nalguns mercados foram identificados operadores com posição potencialmente dominante, bem como situação de monopólio”, resume a ERS, nas suas conclusões.

O estudo da ERS debruçou-se ainda sobre o crescimento do peso do sistema de saúde privado no contexto global do setor em Portugal, “com a despesa corrente em saúde a aumentar rapidamente nos hospitais privados: 70% entre 2011 e 2021”.

“A despesa corrente em saúde nos hospitais privados é crescentemente suportada pelos pagamentos diretos das famílias, identificando-se um crescimento médio de 7,9% destes pagamentos entre 2011 e 2021, mantendo-se, contudo, predominante o financiamento através de terceiro pagador (mormente SNS, subsistemas públicos, subsistemas privados e seguros)”, precisa a ERS.

O regulador destaca a importância do estudo para “uma melhor perceção da situação concorrencial e da concentração no mercado dos cuidados de saúde hospitalares não públicos”, afirmando que “continuará a monitorizar este mercado, com o intuito de identificar a ocorrência de eventuais efeitos negativos que possam advir dos elevados níveis de concentração e de eventual abuso de posição dominante, designadamente ao nível do acesso e da qualidade dos cuidados prestados”.