Esmiuçando o Orçamento da Saúde para 2020 2089

Os últimos anos têm sido particularmente turbulentos no Serviço Nacional de Saúde (SNS). De Norte a Sul do país, multiplicam-se relatos de falhas no sistema, a par de revindicações por mais recursos. O estado do SNS foi também peça central nas discussões que antecederam as recentes eleições legislativas e, a sua recuperação foi eleita como uma das maiores prioridades do novo executivo. Aliás, a mensagem de Natal do primeiro-ministro na unidade de saúde familiar do Areeiro deixou essa prioridade bem plasmada.

As últimas semanas foram marcadas pela apresentação do Orçamento de Estado para 2020, na qual a saúde “constitui a grande prioridade”, tal como referido pela Ministra da Saúde. Interessa por isso esmiuçar o documento para tentar perceber a dimensão do reforço anunciado.

O governo anunciou um reforço de 942 milhões de euros para o orçamento do SNS face ao orçamento do ano passado. Porém, as verbas do programa orçamental saúde – no qual está incluído o orçamento do SNS – aumentam apenas cerca de 300 milhões de euros. Assim, parte do aumento do orçamento do SNS não se traduz num real aumento das verbas do ministério da saúde.

Do total da despesa primária prevista do orçamento de estado, 12,7% serão verbas do programa orçamental de saúde. Este número está abaixo do previsto no orçamento do ano passado (13,0%), mas acima da média dos últimos quatro anos (12,5%). A prioridade à saúde pode ser por isso não ser tão evidente quanto parece.

O reforço do orçamento do SNS tem como objetivo eliminar a suborçamentação crónica do mesmo. Em média, entre 2014 e 2019, as despesas do SNS têm excedido as suas receitas em cerca de 400 milhões de euros anuais. Para 2020 prevê-se um défice zero no SNS. Para tal acontecer, parte do reforço das receitas do SNS será utilizado para despesa já prevista, e não para nova despesa. De facto, a nova despesa no SNS está prevista em cerca de 440 milhões de euros.

Para além do fim da suborçamentação, o reforço orçamental tem também como objetivo a melhoria da capacidade de resposta. Para este objetivo, sobram 440 milhões previstos para nova despesa. E onde vão ser gastos estes recursos adicionais? O OE prevê 100 milhões para desenvolver os centros de referência integrados, bem como um novo programa de investimentos a dois anos de 190 milhões. Pretende também reforçar a construção dos novos hospitais com 102 milhões em 2020, e contratar mais de oito mil profissionais até 2021. Existem também outras medidas com o objetivo de promover o acesso a cuidados de saúde e de aumentar a autonomia dos hospitais (uma medida tímida, mas na direção certa). Face a todas estas ambições para melhorar a capacidade de resposta, o reforço de 440 milhões, mesmo com a materialização de eventuais ganhos de eficiência, parece manifestamente curto.

O reforço orçamental anunciado, positivo e necessário, poderá ser insuficiente para simultaneamente atingir tão ambiciosos e importantes objetivos: eliminar a suborçamentação e melhorar a capacidade de resposta. Na ausência de maiores mecanismos de controlo e acompanhamento, permanece a dúvida sobre a capacidade de evitar a acumulação de nova dívida apesar do reforço previsto. Eventuais derrapagens poderão resultar no atraso na execução dos investimentos e contratações previstas, ou na acumulação de novas dívidas. A execução orçamental será por isso um desafio exigente para a equipa do Ministério da Saúde, e não menos desafiante para os profissionais e utentes do SNS.

Fontes: Orçamento de Estado para 2018 / 2019 / 2020; Nota Explicativa Saúde 2020

Eduardo Costa
Nova School of Business and Economics
PhD Candidate in Economics
Invited Assistant