Especialistas defendem a comparticipação de medicamentos específicos para tratar a obesidade e, para melhorar o acesso a consultas e tratamentos, pedem uma adaptação dos modelos de incentivo e contratualização nos hospitais e centros de saúde.
Em declarações à Lusa no dia (28) em que a Assembleia da República acolhe uma conferência para debater as soluções para agilizar o acesso a consultas e tratamentos, a presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo (SPEDM) lembrou que, 20 anos depois de Portugal considerar a obesidade uma doença crónica, “muito pouca coisa foi feita”.
“É preciso tomar medidas. Há todo um processo assistencial integrado de obesidade que é preciso pôr em prática”, disse Paula Freitas, referindo que é preciso aumentar o acesso.
Destacou a importância do tratamento farmacológico na obesidade e insistiu na necessidade de ”pensar também em modelos de comparticipação”.
A presidente da SPEDM considerou ainda que “este é o momento ideal” para agir e pediu que o tratamento da obesidade “seja uma prática na realidade e não apenas um programa no papel”.
Na conferência, que contará com a presença da diretora-geral da Saúde, Rita Sá Machado, e do diretor executivo do Serviço Nacional e Saúde (SNS), Gandra d´Almeida, a SPEDM e a Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade (SPEO) vão apresentar um pacote de quatro medidas para o combate da obesidade em Portugal.
Além da publicação do Processo Assistencial Integrado (PAI) da Obesidade, que estava previsto num despacho governamental de 2023, as sociedades apontam a necessidade de reforçar as ferramentas para garantir o acesso e monitorização, sugerindo um sistema de incentivos que inclua métricas “que impulsionem o reforço da resposta de cuidados” no controlo e combate à obesidade.
Paralelamente ao tratamento cirúrgico, a SPEDM e a SPEO chamam a atenção para a necessidade de otimizar as vias de acesso à consulta especializada e multidisciplinar de obesidade, comparticipar o tratamento farmacológico – “acompanhando a realidade de outros países europeus” – e definir critérios de acesso a estes tratamentos.
“Quando nós tratamos de obesidade, não estamos só a tratar a obesidade, estamos a tratar mais de 200 doenças associadas e estamos a tratar mais de 13 tipos de cancro”, sublinhou a presidente da SPEDM.
“Combater a iniquidade de acesso”
A este respeito, o presidente da SPEO, José Silva Nunes, recordou, igualmente à Lusa, que a sociedade ainda a vê como uma questão estética e um problema “imputada ao indivíduo”.
“Parece que a pessoa tem obesidade porque escolheu. A obesidade é uma doença crónica, é multifatorial, é extremamente complexa e, à luz do conhecimento atual, não sabemos efetivamente o que está envolvido na sua génese”, afirmou, acrescentando: “Mas uma coisa sabemos, é que não é uma escolha individual. Há uma componente genética”.
Defendeu que a prioridade deve ser “combater a iniquidade de acesso”, tanto nas consultas como nos tratamentos, e lembrou que para as cirurgias “só é elegível uma pequena percentagem das pessoas, que têm graus de obesidade severa”.
José Silva Nunes disse que as estratégias de prevenção não têm uma eficácia de 100% e questionou: “falhando a prevenção, uma vez desenvolvida a obesidade, se a pessoa não tiver critério para fazer a intervenção cirúrgica o que fazer?”.
O presidente da SPEO chamou a atenção para a importância da ajuda dos medicamentos e sublinhou que a comparticipação, apesar de sair cara ao Estado, é um investimento que acaba por ser compensado a médio/longo prazo.
Aqui, apontou a necessidade de criar, em Portugal, um grupo farmacoterapêutico de fármacos para a obesidade. “Face a outras doenças crónicas, como a diabetes, a obesidade está a ser discriminada”.
“Se conseguíssemos erradicar a obesidade (…), aqui em Portugal havia menos 80% de casos de diabetes”, afirmou José Silva Nunes.
Um estudo sobre o custo e a carga de obesidade em Portugal desenvolvido pela SPEO (referente a 2018) indicou que, em custos diretos com a obesidade e as doenças associadas, foi gasto 1,12 mil milhões de euros.
“Este valor é um absurdo. Portanto, é verdade que se gasta muito com a comparticipação, mas aquilo que se tem em termos de retorno a médio e a longo prazo é custo eficaz”, disse.