A psiquiatra Ana Matos Pires afirmou que o novo diploma sobre saúde mental em apreciação no parlamento constitui uma “lei de direitos humanos”, mas alertou que o país necessita de mais profissionais desta área.
“Precisamos menos de grandes investimentos técnicos, mas precisamos objetivamente de recursos humanos. A grande melhoria da aplicabilidade desta lei implica, ela própria, uma maior necessidade de recursos”, afirmou a especialista e membro da Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental na Assembleia da República.
Ana Matos Pires falava numa audição no grupo de trabalho de Saúde Mental da Comissão de Saúde sobre a proposta de lei do Governo aprovada na generalidade em outubro de 2022 e pretende substituir a legislação sobre esta matéria em vigor há cerca de 20 anos.
Este diploma, que baixou à Comissão de Saúde, insere-se na reforma da saúde mental que o Governo quer concluir até final de 2026 e que recorre a 88 milhões de euros para investimentos, disponíveis no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
Perante os deputados, a psiquiatra manifestou-se preocupada com o facto de o PRR “ser destinado a paredes e não a recursos humanos” e salientou a necessidade de aproveitar a visibilidade que a pandemia trouxe à saúde mental para dotar o Serviço Nacional de Saúde de mais recursos.
Apesar disso, a psiquiatra realçou que, em dois anos, já foram criadas 20 equipas comunitárias de saúde mental, “coisa que nunca tinha acontecido”, o que permitiu a contratação de mais profissionais de saúde para vários pontos do país.
Ana Matos Pires reconheceu também que “houve efetivamente uma mudança brutal” nos últimos anos ao nível da prevenção, mas, sobretudo, no tratamento da doença mental, nomeadamente, nos casos graves.
Nesse sentido, apontou o exemplo da integração dos hospitais psiquiátricos nos centros hospitalares gerais, um processo que está a decorrer desde o final de 2022 e que considerou ser “uma conquista”.
A especialista salientou também que a proposta do Governo “é uma lei de direitos humanos”, acolhendo “modificações importantes” verificadas na legislação internacional que Portugal está obrigado a aplicar.
Na mesma linha, a diretora-geral da Saúde adiantou aos deputados que a proposta de lei resulta de “duas preocupações”, caso da “grande evolução mundial” na capacidade clínica de prestação de cuidados a pessoas com problemas de saúde mental e do alinhamento de Portugal no contexto internacional na área dos direitos humanos, face aos compromissos assumidos com a Organização Mundial da Saúde e com o Conselho da Europa.
Segundo Graça Freitas, a nova legislação incide na vertente dos cuidados de saúde a pessoas portadoras de doença mental, numa “ótica de respeito pela dignidade e pelos diretos fundamentais e no combate ao estigma”.
De acordo com o Ministério da Saúde, o diploma, que teve o contributo de um grupo de peritos, pretende atualizar a legislação que vigora nas últimas duas décadas, tendo em conta os desenvolvimentos científicos, jurídicos e de direitos humanos registados ao longo desse período.
Esta nova lei incide sobre a definição, fundamentos e objetivos da política nesta área, consagra os direitos e deveres das pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental e regula as restrições destes direitos e as garantias da proteção da liberdade e da autonomia.
Em janeiro, o diretor do programa nacional de Saúde Mental, Miguel Xavier, adiantou que em “três ou quatro anos” estará concluída a reforma dos serviços desta área, incluindo a criação do total de 40 equipas comunitárias previstas no PRR.