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Especialistas alertam para prescrição excessiva de ansiolíticos

05 de dezembro de 2014

Especialistas em saúde mental alertaram ontem para o excesso de prescrição e prescrição errada de psicofármacos, considerando que este é um problema preocupante que precisa de ser analisado.

O alerta foi deixado durante a apresentação do relatório “Portugal – Saúde Mental em Números 2014”, que revela que «a intervenção psicofarmacológica» é a «resposta predominante, mesmo nas situações em que não está particularmente indicada».

O psiquiatra Álvaro de Carvalho, coordenador do Programa Nacional para a Saúde Mental e responsável pelo relatório, manifestou-se «muito preocupado» com o facto de «pessoas com perturbações do humor consumirem mais benzodiazepinas [ansiolíticos] do que anti-depressivos», quando deveria ser ao contrário.

Dados de 2013 relativos ao consumo de psicofármacos, citados pela “Lusa”, revelam que entre os entrevistados com «qualquer perturbação de humor», 50% das mulheres e 31,8% dos homens tomaram benzodiazepinas, enquanto apenas 38,2% de mulheres e 25,5% dos homens tomaram anti-depressivos.

O relatório indica ainda que o consumo de ansiolíticos desceu em 2011, mas depois voltou a subir.

«Portugal é o único país em que o consumo de benzodiazepinas continua elevado e a subir», alertou Álvaro de Carvalho.

O diretor do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santa Maria, Daniel Sampaio, considerou também que o «dado mais preocupante é o uso de ansiolíticos em perturbações de humor», já que estes são «fármacos geradores de dependência».

«O consumo de psicofármacos tem que ser avaliado», considerou.

Segundo o relatório, Portugal é um dos países europeus com maior consumo de ansiolíticos, sedativos e hipnóticos, sendo o alprazolam e o lorazepam as duas substâncias que mais se destacam e que integram o subgrupo das benzodiazepinas com maior potencial de induzirem tolerância e dependência.

Estas substâncias têm registado acréscimos anuais de consumo, contrariando a tendência verificada no resto da União Europeia, pelo que o relatório recomenda uma «análise da prática sobre a prescrição e utilização destes fármacos».

O secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde considerou, por sua vez, que «na área da prescrição de psicofármacos é preciso fazer mais e formar mais, porque algo está errado quando se prescrevem tantas benzodiazepinas».

O governante considerou, contudo, que este é um problema alargado a outras áreas da saúde, já que também se prescrevem muitos antibióticos.

Álvaro de Carvalho chamou ainda a atenção para o «preocupante uso de estimulantes inespecíficos do sistema nervoso central em casos de pseudo-hiperatividade».

O psiquiatra explicou, citando Allen Frances, responsável pela coordenação do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), que as taxas de prevalência anual de síndromes de hiperatividade infantil (entidade formal distinta de comportamentos ocasionalmente instáveis) andam em valores médios mundiais de 2% a 3%.

No entanto, há estudos publicados na Holanda que apontam para taxas de 32% e outros, nos EUA, que entre os 11% e os 15%.

«Para além de pôr em causa a idoneidade destes valores, [Allen Frances] interroga-se sobre as consequências no funcionamento mental das crianças medicadas, precoce e continuadamente, com psicofármacos, quando chegarem a adultas», referiu Álvaro de Carvalho.

Álvaro Carvalho criticou a existência de «crianças e adolescentes medicadas com metanfetaminas para supostas hiperatividades», obtidas em «diagnósticos rápidos feitos por educadores, professores e pais» – quando «é natural que as crianças se mostrem instáveis em ambiente onde não se sentem bem» – contribuindo, muito provavelmente, para o significativo aumento de consumo do metilfenidato.

Sobre esta matéria, o relatório deixa no ar a questão: «será que esta fúria farmacoterapêutica está isenta de consequências no funcionamento mental futuro de quem é alvo passivo de decisões tão pouco prudentes?».

Álvaro Carvalho considera que estas crianças e adolescentes têm um risco acrescido de desenvolver défices cognitivos ou doenças que possam aumentar a morbilidade e a mortalidade.