Os hospitais privados podem, a partir de quinta-feira, prescrever medicamentos biológicos comparticipados para a doença de Crohn e colite ulcerosa, uma medida aplaudida pelos gastrenterologistas por permitir aumentar o acesso dos doentes a este tipo de tratamento.
Até agora, apenas os gastrenterologistas do Serviço Nacional de Saúde podiam prescrever estes medicamentos, uma situação que foi alterada com uma portaria do Ministério da Saúde publicada em outubro que determina que os fármacos biológicos destinados ao tratamento de doenças autoimunes dermatológicas, reumatológicas e gastroenterológicas passam a beneficiar de um único regime excecional de comparticipação.
Há sete anos que os doentes com doenças inflamatórias do intestino e gastrenterologistas reclamavam que os medicamentos biológicos também pudessem ser prescritos por especialistas dos privados, à semelhança do que já ocorre nas áreas da dermatologia e reumatologia.
Desde 2017 que havia “uma situação de desigualdade” que, “felizmente, depois de vários movimentos das associações e da Sociedade Portuguesa de Gastroenterologia (SPG)” terminou com a revogação da portaria desse ano, disse hoje à Lusa a especialista Marília Cravo.
“A partir do final de novembro, podemos dizer que os doentes do foro da gastroenterologia estão em pé de igualdade com os doentes da reumatologia e da dermatologia”, realçou a vice-presidente da SPG.
Com esta medida, os especialistas esperam que passe a haver um melhor e maior acesso destes doentes a estes tratamentos, que resultem num melhor prognóstico.
Resultados apresentados na Semana Europeia de Gastroenterologia mostram que doentes que começam a terapêutica com avançados biológicos duas semanas depois do diagnóstico, “ao final de um ano não têm comparação, em termos de não terem complicações e formas graves de doença, com aqueles em que o tratamento é protelado”.
“É uma enorme mais-valia”, disse Marília Cravo, ressalvando que “não se trata de despromover o Serviço Nacional de Saúde”, que vai continuar a ser “a pedra basilar” no tratamento destes doentes, mas sim de alargar o acesso aos muitos doentes que são acompanhados em hospitais privados.
No seu entender, esta medida vai representar “um alívio para o SNS”, porque não se trata apenas de estes doentes terem acesso à medicação, mas também necessitarem de realizar uma série de exames como colonoscopias, ressonâncias ou análises.
“Por isso, podemos tirar estes doentes do SNS porque podem ser tratados em hospitais privados desde que credenciados para tal”, vincou.
A trabalhar num hospital privado e no SNS, a especialista Joana Torres contou à Lusa que os especialistas verificavam que os doentes tinham o diagnóstico atempado, mas depois tinham muita dificuldade em transitar para a esfera pública para terem acesso a estes tratamentos.
Exemplificou que os doentes que vivem entre Lisboa e o Algarve, onde “basicamente não há gastrenterologistas”, e noutras regiões, como Torres Vedras, Santarém, “eram referenciados pelo seu médico de família, mas depois a consulta demorava muito tempo e nestes meses a doença podia piorar”.
Relatou que quando chegava um doente com diarreia constante, com meses à espera de começar um tratamento atempado, o especialista do privado tinha de prescrever corticoides, “o tratamento mais tóxico” que se pode oferecer a um doente.
“É um tratamento eficaz, mas tem de ser por curtos períodos de tempo até transitar o doente para algo mais eficaz”, explicou, observando “o pico de diagnóstico” destas doenças é entre os 15 e os 35 anos.
Segundo Marília Cravo, a incidência, sobretudo da doença de Crohn, está “a aumentar imenso”: “Temos hoje incidências que se aproximam das observadas nos países do norte da Europa, que são países de elevada incidência de doença inflamatória do intestino”.