Estado só vai pagar fármacos que curem 472

Estado só vai pagar fármacos que curem

30-Jan-2014

O projeto é inédito no país e promete revolucionar o mercado dos medicamentos inovadores e mais caros. Nos próximos dias, os hospitais vão poder comprar um dos novos fármacos para a hepatite C (boceprevir) e pagar apenas os tratamentos dos doentes que ficarem curados.

«É um modelo novo em Portugal, em que há uma partilha de risco entre o Estado e a Indústria», adiantou ao “Sol” Eurico Castro Alves, presidente do INFARMED. O objetivo, revela o responsável, é alargar o projeto e fazer o mesmo com outros produtos para a hepatite C e também nos medicamentos do cancro: «Estamos neste momento em negociações com várias empresas para que outros medicamentos possam ser comprados através destes modelos de partilha de risco. Não só para a hepatite C mas também na área oncológica».

A ideia base é a de o Estado e os laboratórios farmacêuticos partilharem os riscos financeiros. As empresas comprometem-se a cobrir os custos dos tratamentos feitos aos doentes do Serviço Nacional de Saúde que não tenham um resultado eficaz.

O primeiro modelo já está definido e vai abranger o boceprevir, cujo nome comercial é Victrelis. Trata-se de um dos medicamentos para a hepatite C que tem 60% de eficácia (duplica o valor de cura conseguido pelos remédios mais antigos) e que aguarda há dois anos e meio a aprovação do INFARMED.

Há duas semanas, o secretário de Estado da Saúde, Leal da Costa, e o presidente do INFARMED anunciaram que havia negociações em curso com a indústria e garantiram que os novos medicamentos para a hepatite C (boceprevir e telaprevir) iam finalmente ser aprovados e autorizados em Portugal.Esse acordo, sabe o “Sol”, foi já conseguido com a MSD que o comercializa o boceprevir, estando as negociações com a Janssen, responsável pelo outro produto, a ser mais difíceis.

No documento, a MSD compromete-se a pagar 40% do custo dos tratamentos que vão ser feitos nos hospitais. Isto por ser a percentagem previsível de casos de insucesso. «Só vamos pagar 60% do custo», confirma Castro Alves, esclarecendo que até ao fim do mês espera que os hospitais comprem os fármacos com estas condições. Laboratório “oferece” 12 semanas de tratamento No acordo já assinado ficou definida a forma como a empresa vai pagar os 40%. Para atingir esse valor, foi feito desde logo um desconto superior a 15% ao preço do produto, apurou o “Sol”. Por outro lado, a MSD irá custear os tratamentos que ultrapassem as 32 semanas. Ou seja, o tratamento total é de 44 semanas, mas o laboratório aceitou que o Estado só pague até às 32 – a partir daí, é “oferta” da empresa. Através destes dois pressupostos, a farmacêutica encontrou uma forma de partilhar o risco com o Estado, sem ter de colocar o produto pura e simplesmente em saldos (situação que não é bem vista no setor, para medicamentos inovadores e caros).

Cada doente vai custar 15 mil euros por ano, em vez de 27 mil. Para chegarem a uma estimativa das situações de provável insucesso (40%), as partes basearam-se nos ensaios clínicos, mas também na prática médica que se tem verificado nos hospitais portugueses. É que, apesar de o medicamento estar à espera de aprovação do INFARMED há mais de dois anos, muitos profissionais de saúde pediam-no para os seus doentes através de autorizações especiais.

O acordo tem o prazo de um ano e o objetivo do ministro Paulo Macedo é, segundo fontes do setor, tratar cerca de mil doentes. «Estimamos um custo de 10 milhões de euros», confirma Castro Alves, explicando que a quantidade exacta de doentes vai depender das solicitações dos médicos. Com este modelo, há uma clara poupança para os cofres do Estado, pois antes das negociações estava previsto que o Ministério da Saúde gastasse 30 milhões de euros nos tratamentos. Ou seja, em vez de pagar 27 mil euros anuais por cada doente com hepatite C, o Governo vai assim gastar 15 mil euros.

A Indústria, por seu lado, com este protocolo, garante a introdução do medicamento no mercado e vê assegurado o pagamento por parte dos hospitais. É que estes não vão suportar os tratamentos da hepatite C com verbas inscritas no seu orçamento, mas receber um financiamento específico do Ministério.

Castro Alves admite que o modelo acordado é ainda pouco ambicioso e promete evoluções nos próximos tempos: «A ideia é ir avançando, até se chegar a um modelo em que se vai monitorizando os doentes e só se pagam mesmo os tratamentos que resultam». Isto é, aliás, feito em vários países que aplicam esta fórmula há muito tempo, como Itália e Inglaterra. Aqui, no final do prazo acordado, a empresa e o Estado fazem um acerto de contas: ou os hospitais pagam tudo no fim e apenas os fármacos consumidos pelos doentes curados; ou a Indústria recebe um valor por antecipação, devolvendo o excedente caso o número de pessoas curadas seja menor do que o acordado.

«Cá, ainda é difícil realizar essa monitorização” – diz o líder do INFARMED, revelando que este ano vai ser implementado, no seio do organismo que dirige, um sistema que permite acompanhar e verificar hospital a hospital e doente a doente o resultado que determinado medicamento está a ter. «É o meu sonho», confessa Castro Alves.

O bastonário da Ordem dos Médicos – que acusou o Estado de estar a condenar à morte os doentes com hepatite C por não lhes dar os medicamentos a tempo – aplaude a medida. «Finalmente!», diz José Manuel Silva ao “Sol”, elogiando o acordo: «Conseguiu-se um preço mais baixo e isso é excelente». Lembra, no entanto, que o Ministério da Saúde demorou tanto tempo a aprovar estes medicamentos que entretanto já foram aprovados na Europa e nos EUA outros mais evoluídos: «Vamos ver quanto tempo demoram estes a ser introduzidos».