O trabalho, que foi elaborado pelo Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, envolveu a revisão de dezenas de trabalhos que já tinham sido publicados, uma avaliação quantitativa com base em dados da atividade assistencial no Serviço Nacional de Saúde e um estudo qualitativo com entrevistas a administradores hospitalares, profissionais de saúde e representantes de doentes.
As recomendações apresentadas, que incluem também uma aposta na reorganização e reforço dos cuidados de saúde primários, retomando as atividades dos centros de saúde e melhorando a rede de referenciação e diagnóstico, assim como o investimento na literacia da população, resultaram precisamente das respostas de quem esteve no terreno.
“As recomendações resultam de sugestões dos próprios clínicos e outros atores no terreno. Nós anotámo-las e transportamos para este trabalho”, disse à Lusa João Rufo, um dos responsáveis pela gestão deste projeto.
Nas entrevistas participaram administradores da área da saúde, representantes de associações de doentes com cancro e profissionais de saúde, incluindo médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, técnicos de diagnóstico e terapêutica das regiões norte, centro e sul de Portugal continental.
A reativação de todos os rastreios oncológicos de base populacional e o reforço dos rastreios de proximidade, para aumentar número de pessoas envolvidas anualmente, assim como a contratação de mais recursos para o SNS para aumentar a capacidade de resposta foram outras das recomendações.
Os participantes no estudo identificaram igualmente a vontade de manter a redução do número de deslocações dos doentes oncológicos aos serviços de saúde, nomeadamente através da criação de condições para que possam realizar o maior número de tratamentos e consultas possíveis no mesmo dia e da domiciliação de alguns cuidados de saúde.
Sobre o impacto da pandemia na prestação de cuidados a doentes oncológicos, o estudo “Disrupção em Oncologia por Força da COVID-19”, que se centra no período entre março de 2020 e dezembro de 2021, acaba por confirmar o que outros trabalhos já tinham concluído: redução dos rastreios oncológicos, falta de acesso aos cuidados de saúde primários e o consequente impacto no diagnóstico e referenciação por parte dos médicos de família.
Aponta igualmente uma diminuição na realização de primeiras consultas e de cirurgias, uma situação que acabou por levar ao atraso nos novos tratamentos de quimioterapia e radioterapia.
Lembra que até ao final de 2021 alguns indicadores na área dos rastreios e da produção hospitalar inverteram a sua tendência negativa, mas não cresceram o suficiente para compensar a atividade não realizada no primeiro ano de pandemia.
Quanto ao plano terapêutico dos doentes, tanto as revisões dos estudos publicados como as respostas dos entrevistados neste trabalho relataram mudanças nos tratamentos em comparação ao período pré-covid-19, incluindo a alteração de tratamentos intravenosos para tratamentos orais, o adiamento/atrasos nos tratamentos, cirurgias, tratamentos sistémicos e radioterapia, em algumas unidades de saúde.
Um dos pontos destacados pelos investigadores foi a capacidade de adaptação dos serviços de saúde, que se traduziu em “alterações de infraestruturas, readaptação de equipamentos e criação constante de novos protocolos de atuação”.
Apontam igualmente aspetos positivos como a dinamização das consultas à distância, um procedimento que consideram que se deve manter nos casos em que a deslocação não seja estritamente necessária.
Contudo, embora os inquiridos defendam que as tecnologias de comunicação devem ser mantidas, o estudo salienta as desigualdades socioeconómicas no acesso à telemedicina – nem todos os doentes tinham equipamentos, literacia e competências para beneficiarem adequadamente deste recurso.