O Presidente da República afirmou esta quarta-feira (04) que o parlamento, quando agora aprovou o diploma sobre eutanásia, excluiu a exigência de doença fatal e adotou fórmulas diferentes daquelas que foram sujeitas a anterior apreciação pelo Tribunal Constitucional.
O Presidente da República enviou o decreto do parlamento que despenaliza a morte medicamente assistida para o Tribunal Constitucional (TC) para fiscalização preventiva da sua constitucionalidade. Justificando a sua opção por enviar o decreto novamente para fiscalização preventiva, o chefe de Estado recordou que antes tinha perguntado ao TC se as expressões utilizadas no diploma sobre eutanásia eram suficientemente concretas para darem uma certeza de direito na sua aplicação.
“O TC entendeu que não e pronunciou-se pela inconstitucionalidade de algumas regras do diploma, que voltou à Assembleia [da República], a Assembleia alterou essas regras e ficaram algumas contradições entre regras. E eu devolvi à Assembleia para ela ultrapassar essa contradição, o que fez” já nesta legislatura, apontou, citado pela Lusa.
O Presidente da República observou a seguir que o parlamento optou agora, “entre vários caminhos que o TC tinha apontado, por um dos caminhos: Foi o de excluir a exigência de doença fatal e adotou fórmulas diferentes daquelas que tinham sido adotadas na primeira versão que foi ao Tribunal Constitucional”.
Segundo o chefe de Estado, “por uma questão de certeza de Direito”, perguntou ao TC se essas “novas fórmulas preenchiam as exigências que tinha formulado da primeira vez em que o decreto foi apreciado e considerado inconstitucional.
“Isto é importante porque é uma lei que, a ser promulgada, vai ser aplicada por vários tribunais e em várias situações. E convém que haja uma certeza de Direito quanto àquilo que é o entendimento da Constituição sobre o texto último, mais recente, da lei”, alegou.
Para Marcelo Rebelo de Sousa, importa saber se o TC considera que, na última formulação aprovada pelo parlamento, “estão preenchidas as exigências de densificação e de concretização, que foram exigências que formulou naquela que considerou inconstitucional”. “Agora é saber se esta versão última adotada pela Assembleia da República preenche ou não as exigências que o TC formulou quando se pronunciou pela inconstitucionalidade de uma versão anterior”, frisou.
Ainda em relação ao decreto que esta quarta-feira (04) saiu do parlamento para a Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa deixou outra observação: “A questão agora é que a Assembleia [da República] optou por não exigir a doença fatal”. “Portanto, escolheu, se quiserem, a versão mais ampla, mais liberal de regime de morte medicamente assistida”, salientou.
Interrogado sobre o motivo de ter enviado o diploma da morte medicamente assistida para o TC minutos antes do início da cerimónia de posse de novos ministros e secretários de Estado, o Presidente da República procurou separar as duas situações, dizendo que recebeu naquela tarde o decreto proveniente do parlamento.
“Foi o tempo de chegar até Belém o decreto, cujo conteúdo já se conhecia, mas que não tinha chegado, e chegou a meio da tarde. E, portanto, foi logo a seguir que assinei as cartas. Porque, entretanto, não foi só uma carta para o presidente do TC, foi uma carta para o presidente da Assembleia dos Açores e uma carta para o presidente da Assembleia da Madeira a explicar porque é que não acolhia os seus pedidos”, justificou.
Regiões autónomas
O chefe de Estado não acolheu um pedido das assembleias legislativas regionais dos Açores e da Madeira no sentido de levantar a questão da inconstitucionalidade por não terem sido ouvidas antes da aprovação.
E não o fez por duas razões, a primeira das quais, “porque é orientação constante do TC, em casos paralelos, não entender que há uma obrigação de ouvir as regiões autónomas, uma vez que a matéria é tratada a nível nacional e não há uma diferença específica para as regiões autónomas”. “Já aconteceu isso, por exemplo, no caso da maternidade de substituição”, exemplificou Marcelo Rebelo de Sousa, citado pela Lusa.
A segunda razão que o motivou a não acolher o pedido das assembleias regionais relacionou-se com o universo e a diversidade de cobertura do Serviço Nacional de Saúde (SNS) no território nacional e com a possibilidade de essas diferenças regionais serem posteriormente modeladas em regulamentação do diploma.
“É verdade que há serviços regionais de saúde que não autónomos do SNS. E é verdade que o diploma, na parte da aplicação, está pensado para o SNS e para entidades que, no fundo, só têm competência no território continental, mas isso é resolúvel na regulamentação do diploma”, defendeu o Presidente da República.
Na perspetiva do chefe de Estado, ao regulamentar-se a aplicação à Região Autónoma dos Açores e da Madeira, caso a eutanásia venha a entrar em vigor, “aí têm de intervir” as instituições regionais. Nessa altura, “trata-se de aplicar a lei, uma vez entrada em vigor, por serviços tão diferentes do território continental”, acrescentou.