Numa conversa informal com uma médica, conversávamos sobre o número de profissionais de saúde em Portugal e a sua remuneração. Falávamos como este era o país da OCDE1 com maior número de médicos e como o nível salarial se tinha alterado.
Conclusão imediata: a falta de competitividade ao nível salarial relativamente ao setor privado é o principal fator chave na dificuldade de atração de profissionais para o SNS. Talvez seja uma conclusão precipitada.
Este êxodo dos médicos do setor público para o setor privado, faz com que os hospitais privados se comportem como entidades seguradoras e promovam o processo de desnatação2. Este mecanismo leva à seleção de utentes tendo em conta algumas características individuais que não a necessidade de cuidados médicos, com o objetivo de aumentar o lucro ou reputação do prestador.
Daqui retiramos o primeiro pensamento consolidado: o lucro e a reputação não dependem exclusivamente do utente. Dependem principalmente do profissional, do seu (tão falado) nível de produtividade, e da sua entidade patronal. Ora é sabido que apesar do elevado número de médicos, o nível de produtividade destes profissionais não tem aumentado.
Conclusão imediata: será que estaremos a medir a produtividade de forma correta? Se pensarmos no SNS como uma empresa, qual seria a verdadeira missão da empresa? Arrisco dizer que seria o bom nível de saúde das populações! Nesta situação não interessa se o medico recebe 10 ou 100 doentes… interessa é se as condições e níveis de saúde dos seus doentes são elevadas!
Acreditar que consigo convencer muita gente que esta forma de medir a produtividade é a correta… é uma precipitação!
A primeira tentação é perceber porque é que no serviço público pode ocorrer uma estagnação na produtividade e pouca ou nenhuma orientação para o lucro, enquanto no serviço privado acontece o oposto. A tentação é perceber o porque disto acontecer e tentar corrigir, copiando ou tentando reproduzir os mesmos comportamentos no setor público.
Na verdade não creio que copias ou imitações ajudem o setor público. Afinal, este setor pretende que os utentes apresentem elevados índices de saúde não sendo o principal objetivo o lucro.
As questões que verdadeiramente se colocam são então a boa exploração do SNS, garantindo que usa as instalações, os equipamentos e os recursos humanos da forma mais eficiente e a organização subjacente ao funcionamento permite a eficiência sem esforço e sem constrangimentos, sejam eles humanos ou financeiros.
Um SNS organizado e com elevados índices de eficiência será certamente mais produtivo…
Por outro lado, o facto de existir, no momento, uma relação inversa entre a transferência dos profissionais de saúde para o setor privado e a transferência dos utentes com maiores níveis de gravidade para o setor público, deixará de fazer sentido… Os utentes, sentindo confiança na organização e no funcionamento do SNS recorrerão a ele como primeira escolha. Certamente que os recursos humanos, encontrando melhores condições de trabalho, também não sentirão necessidade de se deslocar para outros sistemas de saúde.
A não ser que o poder político tenha outras escolhas e razões para não escolher um SNS bem organizado e eficiente. E porque é sempre difícil chegar a consensos entre vários interesses, certamente que continuaremos a ver noticias sobre o estado da saúde em Portugal e diversos problemas que no curto prazo não serão facilmente resolvidos.
Joana Gomes da Costa
Professora Auxiliar Convidada – Universidade de Aveiro e Escola Superior de Enfermagem de Coimbra
- Fonte: OECD Health StaDsDcs 2022
- Friesner DL, Rosenman Do hospitals pracDce cream skimming? Health Serv Manage Res. 2009 Feb;22(1):39-49. doi: 10.1258/hsmr.2008.008003. PMID: 19182097.