Uma equipa de investigadores do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) concluiu que experiências adversas na infância, como o bullying, aumentam o risco de desenvolver condições dolorosas ao longo da vida.
A conclusão parte de um projeto, o SEPIA [acrónimo de ‘Studying Experiences of Pain In Adolescents‘, em português ‘Estudo de experiências de dor em adolescentes’], que teve como objetivo identificar características-chave da dor física durante a adolescência que permitam prever o risco de desenvolver dor musculosquelética crónica na transição para a vida adulta.
“Em termos de saúde pública, isto é importante, porque a dor musculoesquelética crónica é a principal causa de incapacidade no mundo”, refere a investigadora do ISPUP e coordenadora do projeto SEPIA, Raquel Lucas, à Lusa.
A investigadora alertou para a importância de interpretar os dados recolhidos, uma vez que estes têm implicações a nível individual e na preparação e atenção dos cuidados de saúde, bem como na educação para a saúde em idade pediátrica
“Ou seja, neste momento sabemos que há uma grande proporção dos jovens que têm experiências mais adversas da dor. Isto significa que estes jovens muitas vezes recorrem aos cuidados de saúde, portanto é importante que os cuidados de saúde estejam preparados para os receber e que possam interpretar as queixas de dor que os jovens têm como sendo preditivas daquilo que se vai passar mais tarde”, apontou.
De acordo com um resumo enviado à Lusa, os dados recolhidos nas diferentes fases da vida dos participantes no estudo mostraram que as experiências adversas na infância como o divórcio dos pais, as dificuldades financeiras, as mudanças de casa ou escola, entre outras, podem aumentar significativamente o risco de desenvolver condições dolorosas ao longo da vida.
Um outro exemplo é o das crianças que foram vítimas de bullying até aos 10 anos de idade, que manifestaram perfis de dor adversos aos 13 anos.
O estudo mostrou que uma criança vítima de bullying tem 70% mais probabilidade de vir a sentir dor grave na adolescência.
Considera-se dor grave aquela que impede o desempenho de atividades quotidianas, como ir à escola ou participar em atividades de lazer, e dor crónica aquela que persiste mais de três meses.
O estudo – que é apresentado sexta-feira, e além do ISPUP teve a participação da Sociedade Portuguesa de Reumatologia e do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC) – revela que mesmo na ausência de experiências de adversidade, a dor é uma experiência muito comum já na infância, com uma em cada seis crianças a revelar ter dor com duração superior a três meses, tanto aos 7 como aos 10 anos.
Já olhando para as consequências a curto prazo, o estudo mostrou que uma em cada oito destas crianças tinha sentido uma dor suficientemente grave para as levar a faltarem à escola ou a alguma atividade de lazer.
“Estamos habituados a olhar para a dor como resultado de uma lesão física que é preciso tratar medicamente. Mas, na maior parte dos casos, não existe uma lesão para a dor crónica. Essa depende de fatores relacionados com o crescimento, a maturação, o desenvolvimento e o ambiente físico e psicossocial”, alertou Raquel Lucas.
Para desenvolver este projeto – financiado pela FOREUM, uma fundação europeia da área de investigação em reumatologia – os investigadores envolveram cerca de 5.000 participantes, incluindo mais de 2.000 jovens com idades entre os 14 e os 18 anos e os seus cuidadores.
Os jovens foram recrutados através de um grupo já criado para outros estudos relacionados com a dor, a ‘Geração XXI’, bem como através do Registo Nacional de Doentes Reumáticos, o Reuma.pt, que acompanha jovens com Artrite Idiopática Juvenil (AIJ).
A recolha de dados teve início em junho de 2022, através de uma ‘app’ para dispositivos móveis que os jovens e os seus cuidadores usaram para responder a questionários que incluíam perguntas sobre vários aspetos relacionados com a dor.
Sobre a ‘Geração XXI’, Raquel Lucas explicou à Lusa que o grupo começou com 8.647 (atualmente tem cerca de 6.000) crianças que nasceram em 2005/2006 e que têm sido seguidas regularmente aos 4, 7, 10, 13 e 18 anos.
“Gostávamos muito caracterizar as respostas à dor nas próximas idades. Ver o que acontece quando estes jovens atingirem a idade adulta e começarem a trabalhar. Mas isto depende de financiamento”, concluiu a investigadora quando questionada sobre o futuro desta investigação.
As conclusões do SEPIA são apresentadas sexta-feira às 10:30 no ISPUP, no Porto.