Falta de fármaco para hepatite C é «genocídio de colarinho branco» 559

Falta de fármaco para hepatite C é «genocídio de colarinho branco»
12-Junho-2014

Mais de cem doentes graves aguardam pela aprovação da utilização do novo medicamento contra a hepatite C, uma espera que lhes pode valer a vida e que já classificam como um «genocídio de colarinho branco».

Esta informação foi revelada numa conferência de imprensa promovida pela SOS Hepatites, na qual estiveram presentes vários doentes que deram o seu testemunho e o filho de uma mulher com um fígado cirrótico à espera para transplantação, cujo estado de saúde grave em que se encontra já não lhe permite sequer andar.

Esta doente tem um pedido de autorização de utilização especial (AUE) feito há mais de um mês, mas o medicamento ainda não foi disponibilizado.

Para o filho, está a ser praticado um «genocídio de colarinho branco contra doentes com hepatite C, que não têm acesso ao tratamento», uma afirmação que teve imediata anuência dos doentes presentes na sala.

A SOS Hepatites considera tratar-se de um «legítimo direito de acesso à saúde» que está a ser negado aos doentes, com a justificação do elevado preço deste novo fármaco – sofosbuvir –, que tem uma taxa de cura superior a 90% e é o único eficaz para todos os genótipos da infeção e que pode ser usado pré e pós transplante.

Emília Rodrigues, dirigente da SOS Hepatites, recusa esta justificação, alegando que as complicações decorrentes do não tratamento destes casos ou de um tratamento feito tarde demais são muito mais onerosos para o Estado, apontou a “Lusa”.

O fármaco atualmente em análise pelo INFARMED custa cerca de 48 mil euros para três meses de tratamento, estimando-se que a doença custe anualmente 70 milhões de euros.

O bastonário da Ordem dos Médicos, que se associou ao grupo de doentes, afirma que a «dimensão da despesa é inferior à referida».

«Deveríamos estar a tratar de forma imediata mais de cem doentes, que são os mais graves e não podem esperar», considerou José Manuel Silva, sublinhando que estão em causa entre cinco e dez milhões de euros e que «só uma grande insensibilidade do Ministério da Saúde permite que estes doentes não sejam tratados».

O responsável lembrou que este medicamento já foi «submetido a estudos que demonstraram existir relação de custo-efetividade» e que «dá mais prejuízo não tratar».

No entanto, «o ministro continua a dizer que não há dinheiro e o ministério tenta criar uma lei da rolha para que os hospitais não contem o que se passa, mas os doentes contam».

É o caso de Carlos Magalhães, a quem foi detetado um nódulo de 3 cm no fígado e que precisa de tratamento urgente para poder fazer um transplante, o qual já não poderá mais ser feito se esse nódulo aumentar para os 4 cm.

Luis Figueiredo tem um fígado cirrótico e o seu estado foi considerado urgente, tendo motivado um pedido de AUE por parte do médico, que continua sem resposta. Neste momento o seu estado de saúde é mais grave do que no ano passado, altura em que foi considerado “urgente”.

Isabel Santos fez reação ao medicamento Interferon e começou a cegar. Teve que parar a terapia e aguarda autorização para usar o novo fármaco, o único que lhe permite tratamento sem usar Interferon.

A Ordem dos Médicos e a SOS Hepatites não percebem o entrave à aprovação do medicamento e criticam o facto de o ministro ter «prescindido» da ajuda que ambos disponibilizaram para a «negociação do melhor preço».

Emília Rodrigues lembra que estes doentes que «neste momento não têm nada a perder, a não ser a própria vida» aguardam uma decisão urgente.

Como contou o doente José Santos: «Fiz um acordo com o vírus: não me mates para viveres, porque se morro, tu também morres. E temos vivido assim. Mas agora há um míssil que mata o vírus e não a mim. E eu só espero o acordo do Ministério da Saúde com a Indústria para o poder usar».