Na rubrica “Farmacêuticos na Política”, apresentamos Clara Carneiro, deputada da Assembleia da República nas IX e XI Legislaturas e consultora da Casa Civil da Presidência da República para os Assuntos da Política de Saúde, entre 2011 e 2016.
Em entrevista ao NETFARMA, a farmacêutica revela que foi um período, na sua vida, “que me mostrou uma área de que sempre gostei e que sempre acompanhei desde muito nova por envolvência familiar”. Atualmente, refere que continua, “como cidadã ‘senior’, a estar muito atenta e a trabalhar com os alunos universitários, estudantes do mestrado em Ciências Farmacêuticas, pois lidar com os estudantes (nacionais e estrangeiros) é a melhor maneira de se estar sempre atualizado e de envelhecer mais devagarinho”.
Nome: Clara Carneiro
Cargo: Docente convidada do Instituto Universitário Egas Moniz
Filiação partidária: Partido Social Democrata (PSD)
Número de anos no cargo político: 12 anos
– O que a levou a enveredar por uma carreira na Política?
– A minha passagem pela política não foi uma carreira, mas uma oportunidade para uma colaboração específica (após a queda do governo do Eng.º António Guterres) que aceitei e se traduziu em integrar o então criado “governo-sombra”, como porta-voz para a Saúde, quando o Dr. Durão Barroso assumiu a presidência do PSD e até vencer as eleições em 2002.
Foi uma grande experiência, num mundo completamente novo, de grande sensibilidade mediática, rigor e resguardo no trabalho e de permanente assessoria política: aprendi muito (como é de supor), trabalhei muito e gostei muito!
– Conciliava a profissão de farmacêutica com o cargo político?
– Nunca me afastei da minha profissão: era docente convidada no Instituto Universitário Egas Moniz e, nessa altura, também tinha a responsabilidade profissional e de gestão da farmácia da minha mãe, que tinha falecido pouco tempo antes: foi difícil, emotivo e desafiador ao mesmo tempo.
– Quais foram os desafios?
Os desafios colocaram-se quando o PSD ganhou as eleições e fui eleita deputada pelo distrito de Setúbal (era número dois na lista de deputados) e tive de assumir esse mandato e de entregar as responsabilidades na farmácia à minha filha mais velha, também ela farmacêutica.
– Que feedback costumava receber de colegas farmacêuticos pelo facto de ter uma ocupação política?
Nessa altura, já lá vão uns anos largos, recebi muitos feebacks com vários ‘estados de alma’… mas, maioritariamente, de entusiasmo e de satisfação.
– Do seu ponto de vista, de que modo o facto de ser licenciada em Ciências Farmacêuticas fez a diferença para o desempenho do cargo político?
– Não me parece que a formação académica numa área técnica, como são a maioria das licenciaturas/mestrados, tenha necessariamente a ver com desempenho de cargo político a não ser para uma maior perceção e entendimento, neste caso, de questões do medicamento e da saúde. É preciso aprender, estudar e ter acompanhado os temas que estruturalmente resolvam as situações necessárias que, nem sempre, são as mais urgentes, mas são as que previnem o surgimento de situações urgentes, muitas vezes no limite de uma resolução atempada.
A licenciatura que, a meu ver, prepara para o trabalho político depurado, quase dirigido, é a de Direito. Chegar ao Parlamento com qualquer curso técnico, e ter de ler (e perceber!) o regimento da Assembleia da República – a regra básica para todo o trabalho parlamentar – só deve ser fácil para os juristas!
– Em que áreas da sua atuação política o facto de ser farmacêutica se revelou então uma mais-valia?
– Nessa altura, ao nível da Política do Medicamento, houve grandes alterações que vinham do Programa do Governo, do qual destaco a introdução de medicamentos genéricos no mercado, o modelo de prescrição médica, a formulação do preço e a criação de grupos homogéneos, a modalidade de comparticipação, a atualização de legislação para os medicamentos manipulados, e a lista de medicamentos não sujeitos a receita médica.
– Que balanço faz da sua experiência de “farmacêutica política”? Se pudesse voltar atrás, enveredava novamente pela Política?
– Foi um período, na minha vida, que me mostrou uma área de que sempre gostei, que sempre acompanhei, desde muito nova, por envolvência familiar, que bem compreendi durante o período em que fiz a pós-graduação em Saúde Pública (fazer Saúde Pública é fazer Política, com um “P” grande) que pratiquei durante os dois mandatos em que presidi à Regional de Lisboa Ordem dos Farmacêuticos, que trabalhei nos dois mandatos em que fui deputada, e nos cinco anos que fui consultora na Casa Civil do Presidente da República. E continuo agora, como cidadã ‘senior’, a estar muito atenta e a trabalhar com os alunos universitários, estudantes do mestrado em Ciências Farmacêuticas, pois lidar com os estudantes (nacionais e estrangeiros) é a melhor maneira de se estar sempre atualizado e de envelhecer mais devagarinho… Se pudesse voltar atrás não me desviava do que até agora fiz, inclusive de ter agradecido, mas de não ter aceite alguns convites políticos que me foram dirigidos.
– Olhando para o país, especificamente para a Saúde, quais as medidas que acha que seriam realmente vitais serem implementadas?
– É prioritário resolver politicamente a resposta em tempo útil de quem recorre aos serviços de saúde; a resposta célere à colocação dos médicos recém-especialistas; a total autonomia dos conselhos de administração das ULS e total responsabilização e avaliação rigorosa; e fomentar a procura de Portugal para a realização de um muito maior número de ensaios clínicos.
– E no setor da Farmácia, o que acha que precisaria de ser feito?
– Especializar os farmacêuticos comunitários e hospitalares por competências (nas outras áreas não tenho suficientes conhecimentos), respondendo às reais necessidades dos nossos cidadãos versus à geografia onde os farmacêuticos trabalham. Porque a nossa formação é ‘banda larga’, mas a Inovação e a Ciência exigem o aprofundar na especificidade das novas áreas.
– Por fim, acha importante que houvesse mais farmacêuticos com cargos políticos?
– Felizmente, temos a primeira farmacêutica como Ministra da Saúde, a quem desejo que aplique as suas qualidades humanas, políticas, de saber e de experiência numa área que se revela como a primeira preocupação dos portugueses. Recomendo, portanto, aos colegas farmacêuticos que gostem e entendam dedicar-se à causa pública e que se envolvam num nível de decisão ou de consultadoria política.