A Associação Portuguesa de Jovens Farmacêuticos (APJF) lançou o ‘Pacto pela valorização da profissão e da atividade do farmacêutico comunitário’, “com o objetivo de criar e consensualizar, com as organizações representativas do setor farmacêutico e da farmácia comunitária em particular, um conjunto de princípios estratégicos para o desenvolvimento pessoal, profissional e social dos farmacêuticos comunitários e para a evolução da farmácia comunitária, nomeadamente através de uma maior intervenção do farmacêutico e da farmácia comunitária no sistema de saúde, do estímulo à qualificação e diferenciação profissional, da conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional, da garantia de qualidade e condições de trabalho dos farmacêuticos comunitários e do incentivo à melhoria das condições salariais e outros benefícios laborais”.
Em entrevista ao NETFARMA, Lucas Chambel, presidente da APJF, destaca que “é importante admitir que o facto de uma fatia significativa de farmacêuticos exercer a sua atividade profissional na farmácia comunitária não se traduz automaticamente na premissa de que os profissionais se sentem realizados e que perspetivam um futuro dentro da carreira”.
– Como surgiu a ideia de criar o ‘Pacto pela valorização da profissão e da atividade do farmacêutico comunitário’?
– Foi a vontade de estabelecer pontes de diálogo, entre todas as entidades com responsabilidade no setor, e de criar sinergias para satisfazer as justas e compreensíveis aspirações e expectativas dos farmacêuticos comunitários, em particular dos mais jovens, que nos inspirou nesta iniciativa. Por outro lado, identificámos a necessidade de termos mais informação sobre o panorama da profissão e sobre a perceção geral dos farmacêuticos sobre a profissão e sobre a farmácia comunitária. Como profissionais de saúde, pareceu-nos adequado olhar para os desafios da profissão numa perspetiva quase clínica. Com a minúcia que todos os diagnósticos exigem, quisemos tornar as preocupações dos farmacêuticos em dados concretos e mensuráveis. Fazê-lo, permite-nos conhecer a causa, prevenir alguns sintomas e, acima de tudo, explorar alternativas terapêuticas que sejam, de facto, efetivas e promotoras da valorização da farmácia e dos farmacêuticos comunitários.
– Quais os principais desafios identificados pela APJF que justificam esta iniciativa?
– A nível Europeu há um fenómeno de abandono das atividades diretamente envolvidas na prestação de cuidados de saúde e de escassez de profissionais de saúde em diversas áreas. Este problema não é exclusivo da profissão farmacêutica nem da realidade nacional. Aliás, Portugal ainda compara favoravelmente entre os países da União Europeia no que diz respeito ao rácio de farmacêuticos por habitante e farmacêuticos por farmácia. No entanto, reconhecemos que este fenómeno causa e pode causar uma grande pressão nos sistemas de saúde e no setor farmacêutico. Por outro lado, empiricamente, sentimos alguma desmotivação e descontentamento entre os farmacêuticos comunitários. É importante admitir que o facto de uma fatia significativa de farmacêuticos exercer a sua atividade profissional na farmácia comunitária não se traduz automaticamente na premissa de que os profissionais se sentem realizados e que perspetivam um futuro dentro da carreira. Um Estudo da Ordem dos Farmacêuticos sobre as dinâmicas e os desafios da profissão farmacêutica evidenciou que, no início da atividade profissional, farmácia comunitária é a área que absorve mais farmacêuticos. Contudo, é também aquela que regista um maior movimento de saída. Preocupa-nos, assim, que nos próximos anos se verifique um abandono dos farmacêuticos da farmácia comunitária, mais para mais, numa altura em que discutimos e sabemos que é desejável e necessária uma maior integração dos farmacêuticos e das farmácias comunitárias com o Serviço Nacional de Saúde.
Precisamos, por isso, de ações políticas dirigidas para a atração, recrutamento, retenção, distribuição, ensino, formação e valorização dos farmacêuticos comunitários.
Esta desmotivação, que pensamos que seja multifatorial, prende-se não só com a valorização profissional e social do farmacêutico comunitário, mas também com aspetos relacionados com as condições de trabalho, remuneração e progressão na carreira, com a dificuldade em, não raras vezes, conciliar a vida pessoal e profissional e ainda com uma necessidade constante, por parte destes profissionais, de atualizarem as suas competências e de se diferenciarem no mercado de trabalho.
– Quais são as principais metas e os principais objetivos do Pacto?
– A principal meta desta iniciativa é a de criar uma agenda conjunta, ou Pacto, entre as entidades relevantes do setor farmacêutico e da área de farmácia comunitária para promover o desenvolvimento pessoal, profissional e social dos farmacêuticos comunitários, partindo do diagnóstico que vai permitir caracterizar a atividade profissional e que, acreditamos, servirá de base para várias iniciativas no presente e no futuro.
Pretendemos construir uma visão comum para a profissão e para a farmácia comunitária e que a mesma incida sobre aspetos que permitam aprofundar a intervenção do farmacêutico e da farmácia comunitária no sistema de saúde e promover a sua valorização pela sociedade. Além disso, consideramos essencial que a qualidade e a diferenciação profissional sejam estimuladas e que a conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional seja promovida. Com esta agenda, pretendemos garantir a qualidade e as condições de trabalho essenciais para os farmacêuticos comunitários e, ainda, incentivar a melhoria das condições salariais e de outros benefícios laborais.
Neste âmbito, gostaríamos que os resultados do estudo que se encontra a decorrer fossem apresentados num evento público, permitindo a assinatura de um memorando de entendimento entre várias entidades do setor com objetivos concretos para o desenvolvimento da profissão farmacêutica e da área de farmácia comunitária.
– De que forma este Pacto poderá beneficiar tanto os farmacêuticos comunitários como o setor da saúde em geral?
– Os farmacêuticos comunitários assumem um papel determinante ao longo de toda a jornada de saúde dos utentes. Desde logo, a capilaridade notável da rede de farmácias, que permite uma cobertura geográfica ampla e homogénea por todo o território nacional, é um fator que garante uma proximidade única destes profissionais de saúde junto da população. Aliada a este fator, surge a elevada competência técnico-científica dos farmacêuticos que, assim, garantem o acesso ao medicamento e a equidade na prestação de cuidados de saúde de qualidade a todos os cidadãos.
As farmácias comunitárias permitem, atualmente, gerar um número considerável de dados em saúde. Os farmacêuticos comunitários têm a capacidade e o conhecimento necessários para intervir em diversas situações clínicas ligeiras e para referenciar casos que, por sua vez, careçam de cuidados mais diferenciados.
Além dos farmacêuticos serem profissionais altamente especializados no medicamento, desempenhando um papel determinante em todas as fases do seu circuito, desde a sua produção, à sua dispensação clínica e posterior monitorização – farmacovigilância -, os farmacêuticos são também importantes agentes de saúde pública que, a cada intervenção, têm a oportunidade certa para contribuírem para a literacia em saúde da população e que assumem um papel fundamental na prevenção, no tratamento e no controlo da doença.
A verdade é que o valor económico e social dos farmacêuticos comunitários tem um impacto enorme no sistema e no serviço nacional de saúde. Aliás, um estudo publicado em 2015 pela Ordem dos Farmacêuticos revelou inclusive que, à data, as intervenções do farmacêutico representavam um valor económico anual que ascendia os 879,6 milhões de euros, estimando-se que, naquela altura, cada farmacêutico gerasse para a sociedade um valor económico anual de 103.395,00€, valor no qual, de resto, não se encontrava contemplada a dispensação clínica do medicamento.
Refletir sobre estes dados, e interpretá-los à luz daquelas que são as circunstâncias atuais do setor da saúde, é realçar algo que nos parece bastante evidente: os farmacêuticos comunitários desempenham um papel determinante no sistema de saúde e na sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde.
O Pacto pretende agregar estratégias que defendam os farmacêuticos comunitários e que contribuam para colmatar as lacunas identificadas pelos mesmos, tendo em conta aquela que é a sua experiência laboral. Estamos certos de que com profissionais altamente motivados, e entregues ao espírito e à missão que ser farmacêutico comunitário exige, todos ficaremos a ganhar.
– Que medidas concretas poderão ser propostas para melhorar as condições de trabalho e a satisfação dos farmacêuticos comunitários?
– É preciso estimular e generalizar medidas que promovam a conciliação entre a vida pessoal e familiar e a vida profissional, mas é também necessário desenvolver estratégias de valorização e progressão salarial. Com efeito, é essencial assegurar que são dados passos firmes para garantir a sustentabilidade das farmácias comunitárias, que devem prosseguir um aumento contínuo, e sustentado no tempo, dos salários, em linha com o aumento do salário médio e com os objetivos traçados no Acordo Tripartido 2025-2028 sobre a Valorização Salarial e o Crescimento Económico que o Governo firmou com as confederações sociais e patronais.
Este é um princípio fulcral para garantir que as farmácias comunitárias se mantêm competitivas e altamente comprometidas neste grande desígnio que é estar ao serviço da saúde da população.
“Serem reconhecidos pela sociedade, colegas e entidade patronal”
– Já é possível antecipar algumas tendências com base nas respostas iniciais do questionário?
– Houve uma adesão assinalável ao questionário. São já mais de 1000 os farmacêuticos que tiraram parte do seu tempo para acreditar numa visão de futuro para a profissão, partilhando a sua realidade individual. Ainda não iniciámos o tratamento e análise dos resultados. Todavia, numa primeira prospeção sobre as respostas, os resultados preliminares parecem confirmar aquilo que já sabíamos: que o principal desejo dos farmacêuticos é poderem exercer a sua atividade profissional no máximo da sua capacidade e qualificações e serem reconhecidos pela sociedade, colegas e entidade patronal. As respostas recolhidas indiciam, também, um claro consenso sobre a importância do desenvolvimento profissional contínuo e sobre a perceção de que o trabalho dos farmacêuticos tem um impacto positivo na saúde e bem-estar das comunidades. A maioria dos farmacêuticos sente que utentes, colegas de trabalho e entidade patronal respeitam o seu discernimento, opinião e autonomia técnica e científica, ainda que, por outro lado, sintam pressões pessoais ou comerciais. Naturalmente, parece que são apontadas outras preocupações, sendo o maior exemplo a valorização salarial e a necessidade de um maior equilíbrio entre a vida profissional e pessoal.
– De que forma os resultados do questionário irão influenciar as medidas propostas no Pacto?
– O processo de acordo setorial só fará sentido se responder aos desafios claros que este diagnóstico apresenta. Temos uma responsabilidade de ser consequentes com as pessoas que representamos e trabalhar para que todos façam os compromissos possíveis para valorizar a profissão farmacêutica.
Analisar estes resultados permitir-nos-á mergulhar naquelas que são as maiores dificuldades e preocupações que os farmacêuticos comunitários encontram no desempenho da sua atividade profissional. Esperamos resultados que, certamente, nos surpreenderão. Outros virão confirmar preconceções e opiniões que já tínhamos ou ouvíamos. Teremos de saber analisar e, mais importante, interpretar para que as medidas propostas no Pacto cumpram o propósito desta iniciativa e vão de encontro às expectativas dos farmacêuticos comunitários.
“Uma maior integração dos farmacêuticos comunitários no sistema de saúde”
– Qual a reação das várias entidades envolvidas na discussão e possível assinatura do Pacto?
– Com a divulgação da iniciativa e do questionário, dirigimos uma carta a diversas entidades do setor farmacêutico: a Ordem dos Farmacêuticos, o Sindicato Nacional dos Farmacêuticos, a Associação Nacional das Farmácias, a Associação das Farmácias de Portugal, a Associação Portuguesa de Farmacêuticos para a Comunidade e a Associação Portuguesa de Estudantes de Farmácia.
Neste momento, temos a manifestação de interesse da generalidade das entidades que contactamos pelo que estamos muito confiantes com a prossecução desta iniciativa. Tendo em conta os pressupostos de diálogo e contributo que norteiam o projeto, parece-nos uma obrigação moral que o setor aceite o desafio.
Temos vindo a trabalhar com o intuito de desenvolver ações que promovam consensos e oportunidades de discussão e que nos permitam aferir como podemos, em conjunto, contribuir para o presente e o futuro da profissão.
Acreditamos que esta cooperação é absolutamente essencial e que é esta abertura a diferentes iniciativas, por parte de diversas entidades, que robustece o setor farmacêutico. É importante sabermos como, na nossa área de atuação, podemos contribuir. Do mesmo modo que é essencial definir estratégias em conjunto que nos permitam alcançar os desígnios que tanto almejamos para a profissão farmacêutica e para o setor da saúde.
Encaramos a abertura e o entusiasmo com que as diferentes entidades envolvidas receberam esta iniciativa como um sinal muito positivo para o decorrer deste projeto e como um indicador claro de que o setor farmacêutico está atento e sensível aos desafios atuais da farmácia e dos farmacêuticos comunitários.
– Que papel espera que as farmácias comunitárias desempenhem no futuro do Serviço Nacional de Saúde?
– Sabemos que os farmacêuticos são, muitas vezes, o primeiro ponto de acesso dos cidadãos a cuidados de saúde primários e que é às farmácias comunitárias que os mesmos recorrem, frequentemente, no seguimento da alta do internamento, de um episódio de consulta hospitalar ou de uma ida às urgências. As farmácias comunitárias estão presentes em todos os momentos e é por isso que a intervenção dos farmacêuticos comunitários, devidamente integrada e estruturada, é crítica, principalmente em pessoas com perfis de saúde mais complexos, com multimorbilidade e polimedicadas. Nos últimos anos, verificaram-se avanços importantes na evolução da atividade farmacêutica, nomeadamente ao nível das campanhas de vacinação sazonal, da intervenção em programas de rastreio com recurso a testes point-of-care e da dispensa de medicamentos hospitalares em proximidade. Portugal é, neste contexto, uma referência internacional.
Como tal, vemos no futuro uma maior integração dos farmacêuticos comunitários no sistema de saúde porque, de outra forma, não será possível resolver os grandes desafios do sistema de saúde português, como o excesso de afluência aos serviços de urgência de situações não urgentes ou o número de utentes que continuam sem acesso a um médico de medicina geral e familiar.
– De que forma o Pacto poderá influenciar a retenção e atração de talento nas farmácias comunitárias?
– Desde logo, é um sinal importante para os farmacêuticos comunitários. Demonstra, ao contrário do que muitos sentem, que há uma agenda clara para a profissão e para o setor que tem em conta as suas aspirações e preocupações. Por outro lado, dar-nos-á um diagnóstico claro sobre alguns dos desafios que temos pela frente. E mantendo a gíria clínica, com este diagnóstico podemos começar os tratamentos mais adequados. No Pacto haverá a necessidade de incluirmos objetivos para a atração, retenção e desenvolvimento de talento nas farmácias comunitárias. Já existe um consenso prévio sobre este tema, como é exemplo os objetivos estabelecidos no Livro Branco da APJF “A Visão dos Jovens Farmacêuticos Portugueses para a Década” e no Livro Branco das Farmácias Portuguesas, pelo que o próximo passo é criar caminhos comuns, sinergias e ações conjuntas entre as entidades signatárias do Pacto.
– Que desafios antecipa para a implementação das medidas propostas no Pacto?
– O sucesso do Pacto reside, em primeira linha, no compromisso e capacidade de trabalho conjunto das entidades signatárias. A visão de consenso para a profissão e para a farmácia comunitária que ambicionamos inscrever no Pacto merece ser refletida no planeamento estratégico e nas atividades de cada uma dessas entidades. Depois, precisamos de encontrar consensos e estabelecer sinergias para a execução de medidas que respondam ao Pacto. No final do diagnóstico, teremos em mão um conjunto de ‘opções terapêuticas’ para dar resposta ao desafio. Em última análise, podemos diferir na forma de responder a estes desafios, mas a inércia nunca poderá ser uma opção.
Por fim, é importante conseguirmos mobilizar coletivamente os farmacêuticos. Para os projetos e ações que resultem do Pacto. Para a participação na vida e dia-a-dia das associações e organismos de representação, como é exemplo a OF, o SNF e a APJF. Para advogarem pela profissão, pela sua valorização e desenvolvimento. Esta capacidade de mobilização é fundamental, um dos objetivos secundários do Pacto e talvez o maior desafio que temos pela frente.
– Quais os próximos passos após a assinatura do Pacto?
– O foco inicial passará por uma ampla divulgação do Pacto. Sensibilizar a classe política e a sociedade civil para os resultados do estudo e para a agenda de consenso é, também, contribuir para a valorização da profissão e para o sucesso de iniciativas e ações futuras neste âmbito. Gostaríamos de envolver e mobilizar os farmacêuticos, conforme já tivemos oportunidade de mencionar e, não menos importante, de garantir que a APJF – por si só ou em colaboração com outras entidades signatárias ou outras organizações do setor, como as sociedades científicas – tem um papel ativo na definição e implementação de medidas que concorram para a concretização do Pacto.
– Qual é a mensagem que a APJF gostaria de transmitir aos farmacêuticos comunitários e aos futuros profissionais da área?
– Que continuem a acreditar no futuro e na profissão e que não deixem de manifestar as suas convicções. Acima de tudo, que confiem nas organizações que representam o setor farmacêutico e que sejam participativos e interventivos. Temos todos o dever e a responsabilidade de lutar por melhores condições e por uma farmácia comunitária mais sustentável e integrada nos serviços de saúde. E devemos fazê-lo não só porque somos profissionais de saúde com aspirações do ponto de vista profissional, mas porque somos também utentes. O valor que agregamos reside em cada interação que temos com quem está à nossa frente e diariamente nos procura para encontrar uma solução para o seu problema. O valor que agregamos está no nosso compromisso, na missão que assumimos desde o primeiro dia e na certeza de que, independentemente de tudo, desempenhamos um papel fundamental no bem-estar e na qualidade de vida da população.
A farmácia comunitária tem um potencial enorme, caberá a cada um de nós contribuir para que o mesmo seja devidamente canalizado para ações que nos permitam ser, cada vez mais, profissionais de saúde que prestam serviços de excelência.