De acordo com o STADA Health Report 2022, que recolheu a opinião de 30.000 cidadãos em 15 países, os farmacêuticos portugueses apresentam uma taxa de confiança de 62%. No entanto, à semelhança dos médicos e dos meios de comunicação social, viu os seus números cair em relação a 2021. São os efeitos do pós-pandemia, acreditam Helder Mota Filipe e Ema Paulino.
Bastou um ano para os níveis de confiança dos portugueses na classe farmacêutica baixarem de 66% para 62%. “A satisfação com o Sistema Nacional de Saúde está em queda”, pode ler-se no STADA Health Report 2022: em 12 meses baixou 10% em Portugal (de 74% para 64%) e 7% na UE (de 71% para 64%). O decréscimo é, contudo, generalizado quando avaliadas as 9 categorias apresentadas pelo documento. Apenas na classe política e nos influenciadores na área da Saúde, aqueles que apresentam níveis de confiança mais baixos, houve uma subida. Os políticos têm uma percentagem de confiança de 9% (no ano anterior era de 7%) e os influenciadores subiram de 5% para 9%. Destaque ainda para a entrada dos epidemiologistas no estudo, que apresentam uma percentagem de 69%, ocupando o terceiro lugar da tabela classificativa.
O pódio, sem alterações percentuais, continua nas mãos dos investigadores (77%). Seguem-se os médicos, que tiveram uma quebra abrupta de 84% em 2021 para 74% em 2022. Na quarta posição surgem os farmacêuticos, com níveis superiores aos da média da UE (57%), mas mais baixos que países como a Bélgica e o Reino Unido (ambos com 68%). Portugal tem sempre uma percentagem superior à média da UE no que a profissionais ligados à saúde diz respeito. No caso dos epidemiologistas e dos investigadores, tem mesmo o número mais elevado. Finalmente, o maior destaque foi registado nos meios de comunicação de saúde: em 2021, tinham uma percentagem de confiança de 47% e este ano de apenas 31%. As empresas farmacêuticas têm exatamente o mesmo número para apresentar (30%) e os meios de comunicação gerais surgem na 7.ª posição, atrás dos políticos e dos influenciadores, com 11% de confiança (já tiveram 15%).
“Durante a pandemia, as pessoas confiaram nos profissionais de saúde e desconfiaram de outros intervenientes. Com a saída da pandemia, ou o regresso à normalidade, as pessoas sentiram outra realidade”, afirmou o bastonário da Ordem dos Farmacêuticos (OF). Na conferência de imprensa de apresentação deste relatório anual que decorreu no dia 13 de outubro na Reitoria da Universidade NOVA de Lisboa, assistida pela FARMÁCIA DISTRIBUIÇÃO, Helder Mota Filipe apontou os efeitos do pós-pandemia, com muitas outras patologias a serem tratadas, como um possível fator para o decréscimo dos níveis de confiança em profissionais de saúde, nomeadamente farmacêuticos e médicos. “A carga de doença aumentou, a sociedade estava muito focada no combate à pandemia, e quando esse aspeto se tornou menos preocupante as pessoas voltaram a ter de resolver os problemas de saúde que não resolveram na pandemia”, continuou.
Para o bastonário, os cidadãos “sentem que provavelmente o sistema não os está a apoiar como apoiava durante a pandemia”. Já Ema Paulino, presidente da Associação Nacional das Farmácias (ANF), deu o seu exemplo enquanto farmacêutica comunitária para reforçar a dificuldade de parte da população em compreender as mudanças constantes nas medidas de Saúde Pública, e que as poderão ter feito desacreditar em parte nas instituições e, consequentemente, nos seus profissionais. “O que para mim foi mais difícil durante o período pandémico foi explicar às pessoas porque é que hoje havia uma recomendação e na próxima semana uma diferente, acho que isso pode ter influência”, disse.
Risco de burnout aumenta
Portugal figura nos últimos lugares no que diz respeito à autoavaliação relativamente à saúde mental: nos 15 países analisados, surge em 11.º lugar, apenas à frente da Polónia, Espanha, República Checa e Cazaquistão. Apenas 53% dos portugueses garantem possuir um bom estado mental, uma percentagem inferior à média europeia (57%) e longínqua da Suíça e da Roménia, que ocupam a 1.ª e 2.ª posições da tabela com 71%. Quando questionados sobre se já sentiram ou estiveram perto de sentir em burnout, 57% dos portugueses responderam assertivamente, uma subida de 7 pontos percentuais em relação a 2021. Na UE, a subida foi de 54% para 59%. Ainda assim, os portugueses sentem-me menos propícios que a maioria dos países analisados a sofrer desta condição: é o 10.º mais propício, sendo a Polónia o mais preocupante, com 70%.
E o que fazem os portugueses, com frequência, para proteger a sua saúde mental? De acordo com o estudo, têm hobbies e estão com familiares e amigos (51%). Mas também procuram ter um equilíbrio entre a vida pessoal e profissional (48%), estabelecem objetivos realistas (47%), descansam (43%), cuidam de si (42%) e fazem exercício (31%). Ainda assim, a farmacologia é uma opção considerável para os portugueses: 35% consideraria tomar medicamentos de prescrição para melhorar ou manter a sua saúde mental, quando a média europeia é de 22%.
«Se eu tiver um problema de saúde mental, não tenho acesso facilitado a um psicólogo ou a um psiquiatra. É normal que as pessoas sintam esse acumular de stress», considerou Helder Mota Filipe. O bastonário da OF aponta o dedo à prescrição regular de benzodiazepinas a cidadãos que não têm a literacia em saúde para saber gerir a sua toma. “Não temos de ter medo das palavras, temos uma população toxicodependente de benzodiazepinas que é a maior da Europa e isto resulta da forma como elas são usadas e encaradas”, afirmou. “As pessoas são largadas com uma benzodiazepina no bolso, criam dependência, o médico prescreve e diz para usar em SOS, mas para a pessoa isso é relativo.
Se estou triste ou tenho um problema, tomo”, exemplificou. Helder Mota Filipe admite não estar certo de que todos os médicos saibam gerir este tipo de terapêutica, da mesma forma que assegura que muitos destes profissionais não têm condições para acompanhar adequadamente estes doentes. Neste sentido, insta a vontade política para a criação de “um programa específico e multidisciplinar para gerir estes aspetos” e um “programa para evitar que outras pessoas entrem neste círculo pesadíssimo para a sociedade”.
Por sua vez, Ema Paulino reforçou que, uma vez que o apoio psicológico e psiquiátrico é insuficiente para fazer face ao desejado, “é muito mais fácil tratar assim as patologias e isso está mal, temos de o combater”. A presidente da ANF levanta ainda a questão de género, abordando algumas das suas colegas de trabalho: “Agora temos a conjugação de tudo o que é remoto com o que é presencial, no meu dia a dia sinto-me assoberbada com a gestão que tenho de fazer face às exigências. Tenho muitas mulheres com quem trabalho que têm filhos que saíram deste período pandémico com grande pressão para não voltarem ao trabalho presencial”.
Apoio à digitalização
O dado percentual mais elevado deste estudo diz respeito à digitalização como forma de facilitar o acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde. Os portugueses são que que mais apoiam a iniciativa do Folheto Informativo Eletrónico do Medicamento (90%, a média europeia é de 79%). Mas porquê? Os inquiridos abordam a praticidade (44%), o menor desperdício (41%), a acessibilidade (36%), a fácil leitura (22%) e a combinação com a versão em papel (14%). Os portugueses são também os mais recetivos do estudo ao tratamento remoto, com 86% a conseguir imaginar-se a ser tratado pelo seu médico via webcam ou internet em caso de doença aguda ou secundária (a média é de 64%).
Sobre apps populares para os cidadãos, os portugueses também mostram uma maior abertura, com 20% a serem recetivos a aplicações de partilha de informações de saúde (contra 11% da UE) e 25% a aplicações de acompanhamento do bem-estar mental (16% é a média da UE). «Quando se trata de saúde, os portugueses são especializados em tecnologia», lê-se no documento.
O STADA Health Report 2022 contou com 29.637 inquiridos entre os 18 e os 99 anos, via online, em 15 países: Espanha, França, Reino Unido, Bélgica, Países Baixos, Alemanha, Suíça, Itália, Áustria, República Checa, Polónia, Sérvia, Roménia, Cazaquistão e Portugal. No nosso país, 52% de mulheres, 48% de homens e 1% de cidadãos que são se enquadram nos padrões binários de género responderam ao inquérito. A maioria (42%) tem mais de 55 anos, sendo que 35% têm entre 35 e 54 anos e 23% entre 18 e 34 anos. 71% não vive com crianças com menos de 18 anos, 60% é trabalhador executivo qualificado, 10% trabalha no setor da educação e 57% vive em áreas urbanas. Um regime de 50/50 divide-se entre um panorama económico familiar “confortável/sob controlo” e “delicado/difícil”.
Farmácias do futuro
As farmácias comunitárias, muitas vezes a primeira entrada no Sistema Nacional de Saúde, são vistas com mais exigência pelos cidadãos, que nelas depositam confiança sobre um conjunto de serviços que estas devem ser capazes de prestar. O STADA Health Report 2022 questionou o que os inquiridos exigem às suas farmácias do futuro e, num conjunto de 9 indicadores, Portugal foi sempre superior à média da UE em termos percentuais.
Os portugueses apontam, por ordem decrescente de pontuação, a testagem covid (56%), check-ups de saúde (44%), compras online (43%), encomendas via app (41%), aconselhamento individual, entregas ao domicílio e vacinação (todas com 40%). A percentagem mais alta registada na média da UE refere-se à testagem covid e é de 38%, o que demonstra os níveis de confiança que os portugueses têm na sua farmácia comunitária.
Este artigo foi originalmente publicado na edição de novembro da FARMÁCIA DISTRIBUIÇÃO, já disponível. Assine aqui a revista profissional da Farmácia.