Fecho de hospitais psiquiátricos libertou verbas não reinvestidas na saúde mental 03 de Julho de 2015 O encerramento de hospitais psiquiátricos libertou verbas que deveriam ter sido investidas em novos serviços de saúde mental como as equipas comunitárias, mas esse dinheiro não apareceu e o programa parou, denunciou ontem o coordenador de um estudo europeu.
O relatório do programa europeu na área da saúde mental Joint Action on Mental Health and Wellbeing, apresentado ontem, conclui que a transição dos serviços dos hospitais psiquiátricos para os hospitais gerais funcionou bem, mas faltam respostas para estes doentes fora dos hospitais, como equipas comunitárias, serviços domiciliários, cuidados continuados ou centros de saúde mental, noticiou a “Lusa”.
«A parte da transição dos serviços dos hospitais públicos para os hospitais gerais está feita e com sucesso, as consultas externas ou as unidades de internamento. O que não foi feito foi a fase seguinte: que os serviços, em vez de centrados no doente que vai à consulta, tenham equipas próximas de onde as pessoas vivem», afirmou aos jornalistas o psiquiatra Caldas Almeida, coordenador do programa da União Europeia Joint Action on Mental Health and Wellbeing (ação comum em saúde mental e bem-estar).
O também professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa lembrou que «o trabalho dos hospitais é centrado nos episódios agudos, mas as doenças psiquiátricas graves são crónicas».
Para o responsável, as causas para esta falha são várias: falta de vontade política, oposição de setores que defendem os cuidados baseados nos hospitais e a falta de orçamento e modelos de financiamento para esta área.
Sobre a falta de financiamento, Caldas de Almeida questiona por que não foi aplicado no desenvolvimento destes serviços o dinheiro que resultou do encerramento de vários hospitais psiquiátricos.
«O facto de termos encerrado o Hospital Miguel Bombarda, o do Lorvão e a Colónia Agrícola de Arnes resultou na libertação de verbas significativas. É altamente provável que estas verbas sejam superiores ao que se gasta. Arriscaria a dizer que é muito provável que tenha gastos totais inferiores ao que tinha no passado», afirmou.
O coordenador do estudo europeu sublinhou que, «no programa de saúde mental, estava previsto que parte significativa reverteria para desenvolver novos serviços e isso não foi feito».
«Houve uma subtração de recursos à saúde mental e devia haver restituição ou reinvestimento na saúde mental», sublinhou.
Acreditando que o contexto de crise possa ter sido uma razão para essa falta de investimento, o professor universitário afirma contudo ter «dificuldade em aceitar que não haja uma afirmação clara do Ministério da Saúde de que a saúde mental perdeu recursos, mas que logo que haja possibilidade será feito investimento nessa área».
Está também em causa uma falta de vontade política em investir nesta área, que é vista como «o parente pobre da saúde», no entanto a doença mental é responsável por custos elevadíssimos, maiores do que as doenças oncológicas ou cardiovasculares, lembrou.
Mas o problema não é só dinheiro, alerta, é a forma como o financiamento é feito, em que «privilegia os internamentos em detrimento dos cuidados comunitários e privilegia mais o atendimento episódico agudo do que o crónico».
«Há um conjunto de saúde e ação social que está por detrás dos cuidados continuados em saúde mental. Fez-se o trabalho de base e depois não foi implementado. É urgente que seja recuperado senão não vai haver apoios na comunidade. E é preciso que os departamentos recebam incentivos para criar essas comunidades», alertou.
Segundo o responsável, o país ficou refém de um modelo de base hospitalar também por falta de autonomia dos diretores para tomar decisões, que dependem da aprovação das administrações hospitalares.
As associações de doentes e familiares, que foram determinantes nos países onde houve maiores mudanças, em Portugal «são frágeis e sem sustentabilidade económica».
Este aspeto pode deixá-las reféns da Indústria Farmacêutica (principal financiador destas associações), que tem os seus interesses a defender.
«Há interesses conflituais e competitivos, mas o importante é que haja regras claras e que as associações sejam o mais independente possíveis», considerou. Para começar a mudança necessária é preciso «implementar o plano nacional de saúde mental que de há anos para cá parou».
«Na realidade não temos plano, temos a pior situação de todas, que é ter um plano sem ter um plano, e vão sendo tomadas medidas avulsas», la |