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Fecho de serviços hospitalares fica nas mãos do próximo Governo

18 de Agosto de 2014

Responsável de grupo que coordena reforma hospitalar em curso diz que já encerraram quatro unidades, mas entretanto abriram sete, em «anos de crise». Hospitais vão candidatar-se a ter centros de referência.

A reforma hospitalar em Portugal já começou há anos, mas algumas medidas que vão demorar muito tempo a ser concretizadas. A mais polémica, que implica o fecho de vários serviços e valências hospitalares, vai ficar, aliás, nas mãos do próximo Governo, porque foi remetida para um horizonte temporal até 2016.

Mas o primeiro passo desta reforma que implicará a concentração de serviços hospitalares já foi dado, em junho último, com a publicação de uma portaria que passou despercebida e que prevê a criação e revisão das chamadas “redes de especialidades hospitalares e de referenciação”. Ainda este mês deve ser publicado o despacho que especifica quais serão as primeiras redes a ser alteradas e uma delas é a oncologia. «Haverá concentração de serviços se tecnicamente for entendido que é a melhor solução», desdramatiza Jorge Penedo, o coordenador do grupo que delineou a reforma hospitalar em curso e que à questão «há serviços que vão fechar?» responde: «Essa é uma pergunta política, não técnica».

Ao mesmo tempo, porém, o cirurgião defende que «não é aceitável que haja hospitais com serviços que só têm um médico» e que «não podemos fazer vias de acesso fantásticas e continuar a funcionar como há 30 anos». Basta ver a situação da Grande Lisboa, exemplifica: «Lisboa tinha os hospitais de Santa Maria e de S. José e entretanto apareceram Almada, S. Francisco Xavier, Amadora-Sintra, Cascais e Vila Franca de Xira».

Expressa em «oito iniciativas estratégicas» corporizadas em «70 medidas», a maior parte das quais já está em curso, a reforma vai ser herdada pelo próximo Governo, porque os planos estratégicos que vão definir a futura «arquitectura da rede hospitalar» têm o «horizonte 2014-2016», depreende-se do “1º Relatório de Coordenação da Reforma Hospitalar” a que o “Público” teve acesso.

Dito de outra forma: a portaria 82/2014 que estabelece os critérios para classificar os hospitais públicos, e que tem provocado acesa polémica, porque, lida à letra, implica o fecho de vários serviços e especialidades hospitalares, não determina as valências concretas que cada unidade deverá disponibilizar, salienta. Esta classificação hospitalar será «operacionalizada através dos contratos-programa com o hospital e o respectivo plano estratégico» e nesta equação vão entrar não só localização geográfica e as acessibilidades, mas também o nível de especialização, os equipamentos pesados, os recursos humanos e a procura potencial, além da interligação de cada unidade com outros estabelecimentos, os chamados centros de referência, segundo o documento.

A controversa portaria foi publicada em abril passado para cumprir o calendário da troika que, no memorando de entendimento, destacava a reforma hospitalar como uma das mais importantes medidas na área da saúde.

O eventual fecho de serviços vai, então, ter que ser concretizado pelo próximo Governo? «São medidas que queremos que sejam tecnicamente correctas, devem passar pelos governos, nós próprios fomos buscar medidas que vinham de trás», responde Jorge Penedo. Mas há ou não há serviços que vão fechar? «Essa é uma pergunta política, não técnica», retorque.

Seja como for, não haverá encerramentos impostos de cima para baixo: serão comissões de peritos (uma de topo e outra especializada) a seleccionar os centros de referência e serão os próprios hospitais a apresentar candidaturas. «Queremos obter um quadro racional e com lógica», justifica o médico.

Entretanto, o processo já arrancou, tem sido «uma reforma tranquila». No balanço final feito no relatório frisa-se que foram já concentrados quatro serviços de urgência hospitalares (Valongo, Curry Cabral, Covões e Montalegre), mas, em contrapartida, 12 foram objecto de melhoria. Outra contabilidade que, no documento, põe a balança a pender para o lado do actual Governo é o do encerramento de quatro unidades (hospitais de São Lázaro, em Lisboa, de Maria Pia, no Porto, o Centro Psiquiátrico de Arnes e o do Lorvão, na zona Centro), enquanto abriram sete (Unidade Local de Saúde da Guarda, hospitais de Lamego, de Loures, de Vila Franca de Xira e de Amarante, o Centro de Reabilitação do Norte e o Centro Materno-Infantil do Norte).

«As pessoas nem se aperceberam da maior parte das medidas», destaca Jorge Penedo, que sublinha o facto de «em anos de crise» ter sido possível abrir «sete hospitais que já estavam lançados mas não estavam pagos». Este é «um processo de extrema complexidade», porque se visa uma «verdadeira transformação ao nível da estrutura». O que se pretende, frisa Jorge Penedo, é «uma rede hospitalar mais coerente», por isso foram constituídos grupos de trabalho para analisar tecnicamente os blocos operatórios, as unidades de cuidados intensivos, os centros de excelência, os equipamentos pesados, entre outros.

Reguladora avalia Unidades Locais de Saúde

Segundo o relatório, no segundo semestre de 2012 foram lançadas 38 medidas de curto prazo, no primeiro semestre de 2013 seguiram-se 23 medidas de médio prazo, e, no segundo semestre do ano passado, avançou-se com as restante nove, de longo prazo. Entretanto, o Governo pediu à Entidade Reguladora da Saúde que reavalie o modelo de funcionamento das Unidades Locais de Saúde e pediu à Comissão Europeia ajuda para fazer a avaliação dos centros hospitalares, adianta o cirurgião.

Uma parte da reforma está, especifica-se, corporizada na «política de financiamento sustentável» que passou pelo aumento do capital dos hospitais EPE (426 milhões de euros) e pela disponibilização de fundos (1.932 milhões de euros) para pagamento de dívidas em atraso. Outras faces da reforma passam pela integração de cuidados e a melhoria da eficiência dos hospitais. Aqui estão incluídas as 124 Normas de Orientação Terapêuticas (NOC) já publicadas pela Direção-Geral de Saúde.

Quanto às redes de referenciação, parte importante desta reforma, das 41 especialidades hospitalares há duas dezenas de redes aprovadas, mas «mais de metade tem mais de oito anos», nota Jorge Penedos. São redes que têm de ser adaptadas à actual realidade e vão permitir no futuro a eliminação de duplicações e a diminuição dos tempos de espera. O processo global deve estar concluído até 30 de junho de 2015 e as redes serão revistas periodicamente, de cinco em cinco anos.

Já os centros de referência terão centros afiliados. Exemplo? Um doente do Algarve com um tumor do recto deve ser operado em Lisboa, mas o resto do tratamento pode ser feito no hospital perto do seu local de residência. Quanto ao problema suplementar do custo dos transportes que se colocará aos doentes que vivem longe das grandes cidades, Jorge Penedo considera que «tem que haver uma lógica de pagamento» nestes casos. «É óbvio», remata.

O certo é que o relatório sobre os centros de referência há meses divulgado chamava já a atenção para o facto de haver demasiada «dispersão» nalgumas áreas, por exemplo nos tumores do sistema nervoso central, para concluir que quatro deveriam ser repensados. No transplante cardíaco também se sugeria que uma das quatro unidades hoje a funcionar deveria encerrar. Na cardiologia de intervenção também haverá centros a mais.

Mais de 70% das cirurgias sem internamento

O Ministério da Saúde quer que mais de 70% das cirurgias sejam feitas em ambulatório, ou seja, sem necessidade de internamento hospitalar .O aumento das taxas da «cirurgia de ambulatório» já vem de trás, tem sido gradual, mas o objetivo de chegar até uma fasquia mais elevada é uma das 70 medidas da reforma hospitalar em curso.

Pretende-se ainda reduzir a taxa de infeção hospitalar, que segundo os últimos dados é superior a 10%, tal como o número de cesarianas, que é considerado demasiado elevado, além da utilização de alguns antibióticos de largo espetro.

«Temos taxas de infeção elevadíssimas», nota, a propósito, Jorge Penedo, que admite que as mudanças de cultura e organizacionais que são determinantes para reduzir estas taxas «não acontecem de um momento para o outro». «Isto demora o seu tempo», frisa.

O relatório divide, aliás, as medidas em dois subgrupos: as transformacionais (por promoverem alterações nas práticas de trabalho existentes) e as de melhoria contínua (melhoram o que se faz), sendo que a maior parte (39) se incluem no primeiro grupo.

Também se pretende alterar o modelo de governação dos hospitais, com a mudança do enquadramento legal dos hospitais EPE e do Estatuto do Gestor Público, e também se vai atualizar a classificação dos hospitais «para efeitos de cálculo da remuneração dos membros do conselho de administração».

Outra aposta passa pela avaliação sistemática do que está a ser feito nas unidades hospitalares do Serviço Nacional de Saúde. Este ano, por exemplo, pretende-se quer todas as unidades hospitalares sejam auditadas (o relatório fala em 167 auditorias clinicas) e que o financiamento seja associado a indicadores de qualidade. Ao mesmo tempo, está projectado um investimento em comunicações mais rápidas e seguras (o documento alude a 577 aumentos de largura de banda em 30%).

Quanto à participação dos cidadãos, depois de se ter começado a distribuir a factura simplificada (em que está expresso o custo total do atendimento e tratamentos) praticamente em todos os serviços de urgência, vai ser alargada esta prática às consultas nos hospitais. Esta é «uma medida educativa», justifica Jorge Penedo. Mas os utentes também vão ter uma palavra a dizer na organização dos hospitais, uma vez que está previsto o alargamento a todos os hospitais dos chamados conselhos consultivos de cidadãos, até ao final deste ano.