Fibrilhação auricular é responsável por 35% das mortes pelo AVC mais comum em Portugal 17 de setembro de 2014 Chama-se fibrilhação auricular e é a arritmia cardíaca mais comum, levando o coração a bater de forma descoordenada. Além do nome difícil, esta doença traz com ela mais complicações: quase 4% de todas as mortes em Portugal já se devem a esta patologia, em 14% dos casos as pessoas acabam por ter um acidente vascular cerebral (AVC) e nos casos mortais dos AVC causados por “entupimento”, os mais comuns, 35% das vítimas tinham fibrilhação auricular. A tudo isto ainda é preciso somar os custos diretos para o sistema de saúde de 115 milhões de euros – aos quais é necessário juntar mais 25 milhões de euros por absentismo e reformas antecipadas. Os dados inéditos fazem parte do estudo “O Custo e a Carga da Fibrilhação Auricular em Portugal”, divulgado nesta quarta-feira e desenvolvido pela Católica Lisbon School of Business and Economics e pelo Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, com o apoio da Bristol-Myers Squibb e da Pfizer. Segundo explica ao “Público” o economista Miguel Gouveia, da Católica Lisbon, o objetivo do trabalho foi perceber o impacto da fibrilhação auricular em si mesma, mas também como causa do AVC. «A fibrilhação não é só uma doença em si mesma, mas é simultaneamente um fator de risco para outra doença que é mais conhecida e grave, que é o AVC», resume o investigador. Miguel Gouveia diz que identificaram quantas pessoas morreram diretamente em Portugal por fibrilhação auricular. Mas também procuraram «dados menos óbvios, como quantas pessoas morrem por AVC atribuíveis à fibrilhação». O trabalho, que analisou dados de 2010, permitiu perceber que nesse ano morreram em Portugal 813 pessoas com a causa da morte diretamente atribuída à fibrilhação auricular. Foram também identificados 9316 mortos por AVC isquémico, o mais comum, e que ocorre por falta de fluxo sanguíneo cerebral, em geral devido a um coágulo. «Destes mais de 9000 mortos percebemos que 3260 se ficaram a dever à fibrilhação auricular, o que faz com que a doença tenha levado à morte de 4070 pessoas em Portugal em 2010, o que é um número muito grande, sobretudo se tivermos em conta que só menos de um quinto das mortes correspondem à fibrilhação auricular no sentido estrito», explica o economista especialista em saúde. «Em princípio, se o sistema de saúde fosse bastante eficaz a lidar com estes casos esperaríamos que o número de mortes pudesse ser bastante reduzido», acrescenta Miguel Gouveia, em referência ao facto de muitas pessoas não estarem medicadas com fármacos que contrariem o espessamento do sangue (os anticoagulantes orais). Além de olhar para a mortalidade, o estudo de Miguel Gouveia foi mais longe e procurou quantificar outros efeitos. «Quando pensamos na carga de uma doença, no impacto que ela tem na população, além das mortes temos também que ter em conta a incapacidade. Há pessoas que não morrem mas têm uma qualidade de vida reduzida», sublinha Miguel Gouveia. Para isso, a equipa utilizou uma metodologia da Organização Mundial de Saúde (OMS) para perceber os anos de vida que se perdem com as mortes prematuras, mas também com as sequelas deixadas em quem sobrevive, os chamados anos de vida perdidos ajustados pela incapacidade (DALY). Ao todo, foram contabilizados 23.084 anos de vida perdidos, o que dá uma média de mais de 63 anos por dia. Os anos perdidos atribuídos às vítimas mortais foram 10.521, sendo os restantes 12.563 por incapacidade. «Esta é uma doença que mata mas, extraordinariamente, o principal impacto na saúde da população nem sequer é a morte, é a redução da qualidade de vida de quem tem fibrilhação auricular ou sobreviveu a um AVC», adianta Miguel Gouveia. No estudo lê-se que «cerca de 12% dos doentes que sofrem um AVC atribuível à fibrilhação auricular não se encontram aptos para voltarem ao mercado de trabalho» após o internamento nos cuidados intensivos e que «sensivelmente 52% dos doentes precisam de seis meses de fisioterapia após o internamento e 22% necessitam de 12 meses». Numa segunda fase, o estudo procurou quantificar os custos do tratamento da doença, concluindo que nesse ano, a preços de 2013, foram gastos 34 milhões de euros em internamentos nos hospitais públicos e 81 milhões de euros em ambulatório. A isto os investigadores somaram os chamados «custos indiretos», num total de 25 milhões de euros, que resultam da perda de capacidade dos doentes e que se medem, por exemplo, pelo absentismo e reformas antecipadas. «Apesar de ser uma doença muito prevalente nas camadas mais idosas, começa a notar-se a partir dos 40 ou 50 anos, pelo que tem impacto em população em idade de trabalhar», alerta o economista. |