Gerir farmácias com o coração 1729

Por estes dias tem sido de novo notícia que as farmácias têm enfrentado, nos últimos anos, dificuldades enormes: viram drasticamente reduzido o seu volume de negócio, fruto da diminuição constante do preço dos medicamentos e da redução das suas margens para valores caricatos, comparativamente aos nossos parceiros Europeus.

A alteração da conjuntura legal, com a autorização de venda de produtos exclusivos da farmácia nas grandes superfícies e lojas afins, teve também um enorme contributo neste processo erosivo.

As farmácias tiveram que se adaptar e tomar medidas, ao ritmo que as sucessivas alterações da conjuntura político-profissional iam surgindo, e que era constante.

Cada um, na sua estrutura, fez o melhor que pôde e soube, de forma a tentar manter a sustentabilidade da sua farmácia.

Literalmente foi-nos exigido que, de um dia para o outro, passássemos a ser exímios gestores de forma a salvarmos as nossas farmácias, quando, por natureza da nossa formação académica, somos preparados e formatados para cuidar das pessoas, e isso sim, fazemo-lo como mais ninguém.

De referir que, nesta tormenta que dura há anos, mantivemos sempre inabalável o nosso propósito de zelar sempre pela comunidade que servimos.

Sem alarido, (e sempre confrontados com alterações quase diárias no nosso quotidiano profissional), fomos fazendo o que é nosso dever, que é tratar e cuidar das pessoas, como sempre fizemos. Sem manchetes nos jornais, sem greves, posições de confronto, ou ameaças, apesar de o País inteiro perceber e constatar as nossas dificuldades, e a solidariedade ser uma evidência por parte dos nossos clientes.

E fizemo-lo sempre ao longo destes últimos anos, com a firmeza de quem sabe que a sua Missão fala mais alto do que as suas dificuldades pessoais e ou profissionais, que enfrentamos diariamente.

As farmácias são um ativo económico de capital exclusivamente Nacional (o que já vai sendo raro), e com a singular particularidade de empregarem os seus pares. É caso único entre os profissionais liberais em Portugal. Senão vejamos:

As clínicas, sociedades de Médicos, Advogados, Engenheiros, Arquitetos, ou outros profissionais não têm nos seus quadros de pessoal permanente colegas de profissão. Pela simples razão de que estes trabalham nestas unidades como prestadores, que auferem de um montante previamente acordado entre as partes, geralmente em função do volume de negócio que cada um gera à estrutura.

Como se diz normalmente, são prestadores, ou avençados com comissão, que na maioria das vezes trabalham desta forma em vários locais distintos.

Nas Farmácias Portuguesas, os profissionais são parte integrante da organização, e isto faz toda a diferença na relação de confiança que se cria com a comunidade. E esta particularidade sempre nos distinguiu na área da saúde , e é crucial que assim se mantenha se quisermos manter estes laços que tão bem nos caraterizam.

Soube há dias de um caso que bem ilustra a minha reflexão:

Uma família precisava de se ausentar por uns dias ao estrangeiro para assistir ao casamento de um filho. Têm a seu cargo, e como cuidadores, dois idosos, -os bisavós do noivo- e a alternativa seria deslocar por uns dias os idosos para um lar da localidade mais próxima, o que foi liminarmente rejeitado pelos mesmos, que viram na mudança a possibilidade de uma solução definitiva que lhes desagradava.

Na farmácia- onde se abre o coração- este assunto foi abordado por um familiar à laia de desabafo, e ainda bem, pois a equipa prontamente se organizou e tomou a seu cargo –dia e noite- o casal de idosos, permitindo que toda a família fosse assistir ao casamento, e mantendo a estabilidade emocional dos idosos.

Casos como estes replicam-se pelo País, tendo sempre a farmácia como protagonista.

É verdade que temos de gerir as nossas farmácias com a Razão, mas também é preciso geri-las com o Coração.

Como em tudo nas nossas vidas, a virtude e a sabedoria está no equilíbrio entre as duas…