Higiene íntima, uma categoria promissora 856

Nos últimos anos, o mercado de higiene íntima cresceu de forma muito significativa, sendo que, de acordo com a farmacêutica Gabriela Plácido, «foram lançadas várias novas marcas, outras já existentes ampliaram a sua gama e mesmo marcas de dermocosmética já consolidadas no mercado lançaram nova categoria». Este crescimento associado à estratégia de comunicação adotada – «que destaca a importância de preservar ou restaurar o pH vaginal como fator crucial para preservar o microbioma vaginal e assim a saúde íntima –, despertaram nos consumidores a perceção da importância e necessidade de usarem os produtos adequados».

A higiene íntima é, desta maneira, uma necessidade básica e regular de todas as pessoas e, por isso, para a Farmácia, «ter oferta significa poder dar resposta às necessidades dos consumidores. Adicionalmente, a possibilidade de prestar informação sobre cuidados íntimos, e ajudar de forma personalizada, os utentes a escolherem os produtos ou soluções mais adequadas à sua situação ou problema específico, oferece-lhes uma experiência de compra diferenciadora (por comparação com outros locais), constituindo uma inquestionável oportunidade para diversificar e fidelizar clientes», continua a farmacêutica. Daí que, «atualmente, seja relativamente comum, sobretudo nas farmácias que têm os espaços melhor organizados, do ponto de vista da gestão de categorias, ver um linear que apresenta variedade de soluções para cuidados femininos e masculinos». Além da variedade dos produtos de higiene íntima (soluções, suspensões, líquidos, sólidos, toalhetes), «incluem produtos relacionados, como geles de lubrificação, absorventes ou copos menstruais e preservativos o que permite responder a necessidades inicialmente não sentidas e assim acrescentar valor ao atendimento», remata Gabriela Plácido.

É preciso dar mais atenção

A categoria de higiene íntima «continua a apresentar dinamismo em ambos os canais, registando um crescimento de 10% em valor e 7% em volume a MAT/ abril23 (ver caixa)», refere Catarina Silva, associate director marketing da IQVIA, especificando que «o canal Farmácia continua a ser o principal neste segmento de mercado, no entanto, o canal parafarmácia tem vindo a aumentar a sua quota de mercado, tanto em volume como valor». Catarina Silva acredita que, «nos últimos anos, o aumento da literacia e sensibilização da população para os cuidados de higiene íntima tem vindo a traduzir-se numa maior procura pelos consumidores destes produtos».

No entanto, para Gabriela Plácido, apesar da importância desta categoria, «nem todas as farmácias lhe dão a devida atenção por razões de diferente natureza: capacidade de investimento, limitações de espaço de exposição ou armazenamento, perceção de que é um mercado menos importante e falta de treino na avaliação de necessidades dos utentes».

A farmacêutica comunitária Paula Iglésias, diretora do Instituto Pharmcare e autora das Dicas da Farmacêutica, concorda: «creio que ainda não lhe damos a devida atenção e que ainda somos muito reativos no que diz respeito a esta área de intervenção». Deste modo, argumenta que «a maioria das intervenções que realizamos surge no contexto das infeções urogenitais, no contexto dos sintomas associados à menopausa, como a secura vaginal, ou no contexto das irritações causadas pela depilação». Não obstante, a farmacêutica acredita que «esta categoria tem um grande potencial de crescimento, pois todas as pessoas necessitam e deveriam usar produtos adequados e formulados especificamente para a zona íntima».

Concorrência e falta de literacia

Entre os desafios e as dificuldades que as farmácias se poderão deparar, Gabriela Plácido aponta desde logo que «a pulverização de marcas e a sua crescente extensão podem constituir um desafio à oferta e rentabilidade», assim como a «concorrência de outros canais de venda, que oferecem produtos com o mesmo target, que alegam igual qualidade a valor mais acessível, e que oferecem as mesmas marcas a menor custo e com técnicas comerciais agressivas» e a «falta de literacia em saúde e tabu em abordar questões relacionadas com a zona anogenital».

Para enfrentar estes desafios, as farmácias devem sobretudo, do ponto de vista da farmacêutica, «apostar num atendimento diferenciado, que mostre conhecimento e que se foque em responder às necessidades especificas do utente. Deve ainda garantir uma oferta de produtos variada, seguindo as tendências do mercado e a demanda dos utentes, sem esquecer a rentabilidade da categoria». Já a falta de literacia pode ser combatida, «promovendo ações de sensibilização e consciencialização sobre a importância da higiene íntima», acrescenta.

Oportunidades de intervenção

A adoção de uma atitude proativa na implementação e gestão desta categoria permite, contudo, como sublinha e reforça Gabriela Plácido, «dar visibilidade e construir reputação como “especialista” na área; colocar a Farmácia como destino preferencial dos clientes para aquisição deste tipo de produtos; aumentar a relação de confiança com os clientes e a sua fidelização à Farmácia, bem como a diversidade de clientes; e contribuir para a literacia dos utentes nesta área e aumentar as vendas da Farmácia, não apenas pelo valor alocado especificamente à categoria, mas pela venda adicional de produtos relacionados».

Paula Iglésias salienta ainda a «oportunidade de dar mais saúde a uma população maioritariamente feminina e envelhecida, pois na menopausa há uma necessidade acrescida de recorrer a esta categoria, visto haver desconfortos recorrentes que são facilmente solucionados com uma higiene e hidratação adequadas». Mas, apostar nesta categoria, também representa uma oportunidade «de intervir proativamente junto dos nossos utentes e, com isso, promover uma higiene correta, prevenir doenças e dar-lhes mais saúde, bem-estar e qualidade de vida». É ainda uma «oportunidade de implementar rastreios de higiene íntima dentro e fora das farmácias, assim como programas de educação para a saúde, por exemplo, para as escolas, universidades, empresas e lares».

Como fazer a gestão

São várias as estratégias que podem ser adotadas para que a farmácia se consiga diferenciar e destacar da sua concorrência. Gabriela Plácido recomenda «exposição em linear com visibilidade, bem identificado e comunicação dirigida (merchandising); e ter variedade de produtos que dê respostas à demanda dos diferentes consumidores – como marcas premium e mais acessíveis, opções mais orgânicas ou naturais e produtos para situações especificas (grávida, menopausa, infeções)». No que diz respeito às marcas, Paula Iglésias relembra que as que têm gamas para a higiene íntima, «podem ser mais ou menos completas, ou seja, disponibilizarem uma solução para todos os grupos etários». Além disso, muitas marcas não se ficam pela higiene, «disponibilizando também produtos para a hidratação diária, para a secura e para as irritações, em diversas apresentações farmacêuticas». Não estando «a qualidade e a segurança em causa, a seleção destes produtos não deverá obedecer exclusivamente aos critérios comerciais, mas deverá incluir a evidência científica que cada laboratório apresenta, assim como os estudos clínicos/estudos de consumidor realizados», recomenda a diretora do Pharmcare.

Mas as farmácias ainda podem fazer mais, nomeadamente «proporcionar formação dirigida aos elementos da equipa, para que possam oferecer ao utente uma experiência pessoal diferenciadora, e nomear um responsável pela gestão da categoria», aconselha Gabriela Plácido, apontando ainda a «distribuição de flyers com informação sobre a importância da utilização de produtos adequados de higiene íntima; ações de sensibilização, como palestras ou workshops e rastreios, e dinâmicas de experiência sensorial dos produtos; e usar as redes sociais para partilhar dicas e informações sobre cuidados íntimos, destacar produtos específicos, responder a perguntas dos utente e promover iniciativas relacionadas com a categoria», como boas estratégias a implementar. No que toca às redes sociais, especificamente, Paula Iglésias aconselha ainda a utilizar este meio de comunicação para «abordar os principais mitos, e são muitos, associados à higiene íntima. Deste modo, chamamos a atenção para este tema, que ainda é um tabu para muitas pessoas e mostramos que estamos disponíveis para esclarecer e ajudar».

Perspetiva futura

Esta área, como já referido, tem um grande potencial de crescimento e de formação. «A maioria das mulheres não usa produtos específicos para fazer a higiene íntima», porém «estão mais despertas para a zona íntima, devido à depilação integral e a um maior conhecimento do corpo», declara Paula Iglésias. Por outro lado, «a maioria das mulheres que já faz uma higiene íntima correta, ainda não faz hidratação da mucosa». Além disso, a farmacêutica relembra que «a maioria das mulheres terá uma infeção vaginal durante a vida», assim como «a microbiota vaginal, pH e as necessidades de hidratação da mucosa variam ao longo do ciclo de vida». Neste sentido, «as equipas das farmácias têm de estar preparadas para intervir nesta área proativamente e as marcas estão atentas e lançam inovação constantemente», conclui Paula Iglésias.

Em suma, «a ênfase que cada vez mais se dá à saúde íntima e ao microbioma vaginal faz com que os consumidores se consciencializem da sua importância e procurem soluções de higiene que vão além da mera limpeza e frescura», complementa Gabriela Plácido, acrescentando que «com o aumento da consciencialização ambiental, a tendência é para aumentar a procura de produtos feitos com materiais sustentáveis, biodegradáveis e de fontes renováveis. Por outro lado, a inovação e tecnologia emergentes, vão com certeza trazer-nos novidade, produtos mais avançados, personalizados que permitam a monitorização da saúde íntima individual». Deste modo, para a farmacêutica, «esta categoria, se bem trabalhada, pode ser bastante promissora».

Categoria em crescimento

Em ambos os canais, Farmácia e parafarmácia, a categoria da higiene íntima «apresenta a particularidade de ter nas suas subcategorias (detergentes íntimos, lubrificantes, toalhetes, desodorizantes e outros produtos para higiene íntima) uma concentração de vendas no Top 5 de marcas muito acentuada (70-90% das vendas em volume e valor correspondem ao TOP5)», refere Catarina Silva. Porém, é «uma categoria passível de um aconselhamento diferenciado por parte dos farmacêuticos, promovendo uma cultura de autocuidado que gera maior nível de satisfação dos utentes e fidelização nos produtos recomendados», acrescenta.

Atentando aos dados IQVIA (Pharmascope Combined, abril 2023 (dados de sell-out), Farmácia + parafarmácia), que considerou os anos móveis terminados em abril de 2021, abril de 2022 e abril de 2023, em termos de vendas em valor, no primeiro período em análise referido, foram gerados 15,31 milhões de euros (77% em Farmácia e 23% em parafarmácia). Já em abril de 2022, verificou-se um crescimento de 9% da categoria, tendo o mercado alcançado os 16,63 milhões de euros (75% proveniente das farmácias e 25% das parafarmácias). Por fim, em abril de 2023, verificou-se um novo crescimento, desta vez de 10%, tendo, assim, o mercado alcançado os 18,25 milhões de euros (74% originário das farmácias e 26% das parafarmácias).

Quanto às vendas em unidades, em abril de 2021 tinham sido dispensadas 1,15 milhões de unidades (74% nas farmácias e 26% nas parafarmácias). Assistiu-se a um incremento de 8% no ano móvel findo em abril de 2022, tendo sido comercializados 1,25 milhões de produtos (73% nas farmácias e 27% nas parafarmácias); e de 7% no período móvel terminado em abril de 2023, o que se traduziu em 1,33 milhões de embalagens dispensadas (72% nas farmácias e 28% nas parafarmácias).

Relacionar a higiene íntima com outras áreas

Fazendo parte dos cuidados pessoais diários e de cuidados específicos pontuais, os produtos de higiene íntima podem ser recomendados, como aconselha Gabriela Plácido, em diferentes ocasiões e para todos os utentes (da pediatria à geriatria), nomeadamente:

– Para higiene diária.

– Em situações de dispensa de medicamentos prescritos, decorrentes de patologia presente ou que possam causar alteração do microbioma vaginal ou urinário como por exemplo anti-infeciosos (antibacterianos, antifúngicos, antivirais ou antiparasitários), antidiabéticos ou insulinas e imunossupressores.

– Na apresentação de queixas compatíveis com suspeita de infeção vulvovaginal, secura vaginal.

– Na solicitação de produtos relacionados (como pensos hipoalergénicos ou copo menstrual, preservativos, lubrificantes).

Artigo publicado originalmente na Farmácia Distribuição #366