Os injetáveis complexos constituem “uma nova geração de medicamentos diferenciados e de alta intensidade tecnológica”. A Bluepharma apostou no seu desenvolvimento, estando agora numa fase “crucial, focada na otimização dos parâmetros críticos de formulação e do processo de fabrico”.
Em consequência desta aposta, está ainda a nascer um polo tecnológico, o CInTech.
O desenvolvimento destes fármacos não tem sido, contudo, um caminho isento de desafios, como conta, em entrevista ao NETFARMA, Paulo Barradas Rebelo, presidente da Bluepharma.
– O que são injetáveis complexos e por que razão são inovadores?
Os medicamentos injetáveis complexos constituem uma nova geração de medicamentos diferenciados e de alta intensidade tecnológica que têm emergido devido à sua capacidade de aumentar segurança, eficácia, especificidade e duração de ação e melhorar a biodisponibilidade/ estabilidade.
Representam, assim, uma inovação significativa na área farmacêutica e biotecnológica devido a várias características únicas que os distinguem dos medicamentos convencionais. Estes medicamentos utilizam princípios ativos complexos, formulações avançadas, vias de administração específicas, formas de dosagem sofisticadas ou combinações de medicamentos com dispositivos médicos, oferecendo vantagens terapêuticas notáveis.
– O que os distingue dos injetáveis “convencionais”?
Os injetáveis complexos usam tecnologias avançadas para melhorar a entrega de medicamentos e consequentemente os resultados terapêuticos. No entanto, o seu desenvolvimento, produção e contexto regulamentar são muitas vezes desafiadores. De uma maneira geral, os injetáveis complexos podem diferir dos convencionais através dos ingredientes ativos complexos, como, por exemplo, fármacos pouco solúveis ou fármacos que requerem entrega direcionada, biológicos, péptidos ou ácidos nucleicos; ou através das suas formulações avançadas e formas de dosagem sofisticadas que usam sistemas avançados de libertação de fármacos, como lipossomas, nanopartículas lipídicas ou poliméricas, emulsões, microesferas poliméricas e implantes;
Mas também podem diferir pela sua produção especializada e sofisticada ou pela sua caracterização físico-química diferenciada e ainda pelos exigentes desafios regulatórios.
– Quais são as suas aplicações, na prática?
Os medicamentos injetáveis complexos têm uma ampla aplicabilidade no mundo farmacêutico, proporcionando oportunidades de desenvolvimento para diversas indicações terapêuticas. Estes medicamentos ganharam uma atenção crescente devido à sua utilização em várias áreas de tratamento, desde doenças crónicas, como diabetes, oncologia e terapia hormonal, até às terapias avançadas, que requerem abordagens terapêuticas inovadoras e personalizadas como tratamentos genéticos ou imunológicos.
Alguns exemplos bem conhecidos incluem a utilização de peptídeos e hormonas em terapias de reposição hormonal, tratamento da esclerose múltipla, cancro da próstata, endometriose e terapia paliativa para o cancro da mama. Mais recentemente, as tecnologias de base lipídica têm sido usadas para veicular ácidos nucleicos em terapias genéticas, com indicações terapêuticas que variam desde o tratamento da hepatite C crónica até ao tratamento da COVID-19.
– Que tipo de injetáveis complexos a Bluepharma está a desenvolver?
Estão a ser desenvolvidos injetáveis complexos com base em plataformas de entrega de fármacos lipídicas e poliméricas. Este esforço é sustentado pela vasta experiência dos seus investigadores, que têm colaborado com centros de investigação e universidades. É assim com naturalidade que, desde 2017, temos investido significativamente em recursos humanos qualificados, equipamentos analíticos e instalações de última geração.
Em parceria com empresas multinacionais, a Bluepharma está a desenvolver formulações, processos de fabrico e métodos analíticos para produtos injetáveis complexos de base lipídica, utilizando moléculas off-patent.
Desde 2020, que apostamos na diversificação do portefólio com injetáveis complexos de base polimérica e de longa ação, explorando esta tecnologia através do Projeto P2020 Inject4Pain em colaboração com a Universidade de Coimbra.
Mais recentemente, iniciámos o projeto CinTech, que explora plataformas tecnológicas para entrega de ácidos nucleicos em diversas doenças, com um foco especial no cancro. Este projeto destaca o compromisso da Bluepharma em se diferenciar e naturalmente a sua capacidade em desenvolver tratamentos inovadores para enfrentar os grandes desafios de saúde da atualidade.
– Por que razão a companhia resolveu apostar no desenvolvimento destes injetáveis?
A Bluepharma é um testemunho de como o foco em inovação e excelência pode transformar e diferenciar a indústria portuguesa e assim mantê-la competitiva num mercado cada vez mais global e desafiante. Para a companhia, isso significou investir em Investigação e Desenvolvimento, construir uma pipeline robusta de produtos inovadores e aproveitar tecnologias de ponta para aprimorar as suas ofertas.
Logo em 2003, foi estabelecido o primeiro centro de I&D na Bluepharma, que tem sido capacitado ao longo dos últimos 20 anos, mas também foram criadas sinergias e parcerias nacionais e internacionais, com universidades e centros de investigação. Esta estratégia resultou em plataformas tecnológicas inovadoras, propriedade intelectual valiosa e parcerias sólidas que não apenas abordam limitações técnicas dos produtos, mas também desenvolvem produtos para ir ao encontro das necessidades médicas não satisfeitas dos doentes.
A diferenciação da Bluepharma desde a sua criação, é uma história de visão, inovação e compromisso em fazer a diferença na vida dos pacientes. Hoje, a Bluepharma não é apenas um fabricante de medicamentos farmacêuticos (CMO), mas uma CRDMO integrada, abrangendo Investigação, Desenvolvimento e Produção para levar terapias complexas e inovadoras ao mercado. Neste percurso de diferenciação e internacionalização, a Bluepharma considerou ser crítico o aumento do portfólio através do desenvolvimento de produtos inovadores e de alta intensidade tecnológica, como é o caso dos injetáveis complexos. Ocorreu assim gradualmente uma mudança de paradigma, de um portfólio de genéricos convencionais para passar a incluir medicamentos mais complexos, diferenciados e de elevado valor acrescentado.
– Quais têm sido os desafios em termos do desenvolvimento destes fármacos?
Temos enfrentado uma série de desafios tanto regulamentares quanto técnicos. Do ponto de vista regulamentar, a principal dificuldade reside na necessidade de garantir que o produto seja qualitativa e quantitativamente equivalente ao produto inovador. Este requisito é particularmente desafiante no que diz respeito aos intermediários de processo. A conformidade rigorosa com estas exigências regulamentares é fundamental para obter a aprovação das autoridades competentes, mas também representa um obstáculo significativo devido à complexidade envolvida.
No âmbito técnico, os desafios são igualmente exigentes. O desenvolvimento de injetáveis complexos carece de customização de equipamentos específicos, que muitas vezes não estão prontamente disponíveis e precisam de ser adaptados ou construídos sob medida. Além disso, o acesso a ferramentas analíticas altamente diferenciadas é limitado, dificultando ainda mais o seu desenvolvimento. Esses fatores técnicos implicam investimentos extremamente elevados, tanto em termos de tempo quanto de recursos financeiros.
Apesar de todos os desafios mencionados, o desenvolvimento deste tipo de produtos é de extrema importância para facilitar o acesso a medicamentos de valor, contribuindo assim para a redução dos custos de saúde.
– Quando poderão chegar ao mercado os injetáveis complexos que estão a desenvolver?
Os nossos injetáveis complexos estão numa fase de desenvolvimento crucial, focada na otimização dos parâmetros críticos de formulação e do processo de fabrico. Esta fase visa obter um protótipo que responda aos rigorosos perfis de qualidade previamente estabelecidos para os produtos em questão.
O tempo de desenvolvimento prolongado deve-se à necessidade de garantir que o produto final cumpra todos os critérios de qualidade e segurança exigidos e que esteja alinhado com o perfil alvo de qualidade do produto inicialmente estabelecido. Após terminada esta fase, será feita a otimização e validação dos parâmetros de processo numa escala de produção maior, resultando no fabrico de lotes destinados a ensaios clínicos.
Estes lotes serão produzidos nas novas instalações da Bluepharma, obedecendo às boas praticas de fabrico e em condições de esterilidade. Uma vez validado os resultados do ensaio, serão produzidos lotes de registo para suporte à elaboração de um pacote de informação a ser revisto e aprovado pelas autoridades reguladoras do medicamento.
O CInTech
– O que é o projeto CInTech e qual a sua “relação” com os injetáveis complexos?
O CInTech, abreviatura para Polo Tecnológico para a Inovação, Translação e Industrialização de Medicamentos Injetáveis Complexos, é um projeto liderado pela Bluepharma, numa aliança estratégica que reúne indústrias farmacêuticas, de engenharia e biotecnológicas internacionais sediadas em Portugal, juntamente com alguns dos centros de investigação mais dinâmicos e inovadores do país a nível internacional.
O projeto visa a criação e capacitação de um polo tecnológico de Inovação, Translação e Industrialização dedicado a medicamentos injetáveis complexos. Estes, terão por base plataformas tecnológicas inovadoras de base lipídica (nanopartículas lipídicas (LNPs)) ou base polimérica (nanopartículas poliméricas (PNPs)) capazes de incorporar diferentes agentes terapêuticos, entre elas moléculas de baixo peso molecular, peptídeos ou ácidos nucleicos, para aplicação em oncologia ou imunoncologia.
Este polo tecnológico será um hub de competências único em Portugal compreendendo três centros integrados: i) um centro de Investigação e Inovação à escala laboratorial, estimulando assim a interface de transferência de conhecimento e tecnologia desde os centros de saber (universidades, centros de investigação, etc) até uma realidade industrial; ii) um centro de desenvolvimento, de engenharia de processo e de scale-up, visando o desenvolvimento analítico, a fase de prototipagem e prova de conceito à escala piloto; e iii) um centro industrial altamente especializado para fabrico GMP, capaz de dar resposta à produção dos medicamentos injetáveis complexos próprios, desenvolvidos no centro de desenvolvimento capacitado pelo projeto, bem como de terceiros que precisem deste tipo de capacidades para poderem fabricar.
– Qual vai ser o impacto no tecido industrial farmacêutico do país?
O CInTech representa um projeto estruturante e mobilizador, de elevado impacto na economia e na inovação científica em Portugal. Fundamentado em ciência de excelência proveniente de centros de investigação e inovação (I&I), o CInTech visa promover sinergias estratégicas entre os parceiros do Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN) e empresas, tanto PMEs quanto não-PMEs. Essas parcerias não só agregarão valor ao consórcio, mas também capacitarão as empresas e desenvolverão um portfólio altamente diferenciado. Além das mais-valias para os doentes, estas inovações contribuem significativamente para as exportações de bens e serviços transacionáveis de alta intensidade tecnológica. Assim, o CInTech não apenas fortalece a competitividade do tecido industrial farmacêutico nacional, mas também posiciona Portugal como um centro de excelência na investigação e desenvolvimento, contribuindo de forma decisiva para a sustentabilidade e crescimento do setor.
Os objetivos estratégicos do CInTech têm um claro impacto na competitividade empresarial e na alteração do perfil de especialização produtiva nacional. Ao fomentar parcerias e expandir sinergias, o projeto aumentará as capacidades técnicas e científicas dos parceiros, promovendo a competitividade e a resiliência económica por meio de investimentos em investigação, desenvolvimento e inovação.
Contribuirá também para a criação de emprego altamente qualificado nas diferentes fases da cadeia de valor do medicamento, apostando no recrutamento de quadros técnicos e científicos portugueses, incluindo aqueles que exerçam atividade no estrangeiro.
Este salto transformador irá atrair novos parceiros e alavancar investimento estrangeiro. Assim, o CInTech fomentará não só a inovação gerada ou capturada em Portugal, mas também chegará a novos parceiros e clientes que procuram tecnologias de entrega de fármacos para os seus agentes terapêuticos, contribuindo para o aumento da exportação de produtos, processos e/ou serviços de alta intensidade tecnológica.