Impostos que fazem bem à sua saúde: uma reflexão* 876

O progresso verificado em saúde pública nas últimas décadas foi, sem dúvida, um dos acontecimentos mais marcantes na história da humanidade. Para o caro leitor ter uma ideia, a esperança média de vida entre 1970 e 2010 aumentou, em média e globalmente, cerca de 12 anos para mulheres e 11 anos para os homens. No entanto, mais anos de vida podem significar que as pessoas passam mais anos com doenças crónicas. Numa grande parte do planeta, não existe nenhum factor individual tão alarmente neste aspecto como o da obesidade. Tal como escreveu a “The Economist” (2012), “para todos aqueles que acreditam que o Estado deve geralmente afastar-se dos assuntos privados, a obesidade apresenta um dilema claro”.

A pergunta a que iremos tentar então responder nas próximas linhas é o que deve ser feito. Mas para isso, uma ressalva prévia deve ser assinalada. Para o pensamento económico predominante, os indivíduos procuram satisfazer as suas necessidades de forma racional, isto é, procurando um maior nível de utilidade dadas as suas preferências e possibilidades. Contudo, se existe uma área em que a ideia de racionalidade económica perfeita deve ser posta em causa é precisamente a da saúde pública. Todos nós já fumámos, bebemos e comemos mais do que devíamos (“o óptimo”) em alguma altura da nossa vida – e mais: temos disso consciência! Tudo isto não quer dizer todavia que os economistas não possam sugerir elementos para o debate público em torno do comportamento humano no geral e da obesidade em particular. E podem realmente fazê-lo com três palavras: impostos de Pigou, um conceito que deriva da obra do economista inglês que pela primeira vez os sugeriu. Não caro leitor, estes impostos não servem – ou não deveriam servir – apenas para arrecadarem receitas fiscais. Até porque se forem bem sucedidos neste âmbito não o serão no seu objectivo original: alterar os preços de bens cujo preço não reflicta os seus verdadeiros custos sociais, tornando-os comparativamente mais caros e levando, desta forma, a uma redução do seu consumo. Os impostos sobre o tabaco e o álcool são exemplos clássicos. Assim sendo, porque não criarmos impostos sobre os produtos com excesso de sal, açúcar e gordura?

Infelizmente nem tudo é assim tão simples tal como poderá atestar a experiência da Dinamarca que implementou estes impostos em 2011 para os abandonar um ano depois. Em primeiro lugar, seriam eficazes? A resposta a esta pergunta dependeria, fundamentalmente, da forma como este imposto seria legislado tal como nos explicou, neste mesmo fórum, a minha colega Ana Moura. No entanto, a fazer fé numa investigação da Universidade de Copenhaga, o consumo de manteiga e óleos alimentares diminuiu, de um ano para o outro, mais do que 10%. Por outro lado, a compra de produtos alimentares nos países vizinhos aumentou praticamente nos mesmos montantes. Em segundo lugar e apesar dos recursos resultantes destes impostos poderem ser usados para a promoção do exercício físico, a sua aplicação em concreto pode ser extremamente burocrática. Devemos taxar da mesma forma produtos sem valor nutricional (por exemplo, os referigentes) da mesma forma que o faríamos em relação à chamada comida de plástico?

Mesmo que esta desvantagem possa, eventualmente, ser ultrapassada com pareceres técnicos, tal não acontece em relação ao facto de este imposto ser claramente regressivo e, portanto, socialmente injusto. Seria, neste âmbito, politicamente aceitável para o caro leitor subsidiar os mais pobres com base nestes argumentos? Em último lugar, teriam os diversos governos vontade de comprar guerras com multinacionais e de enfrentarem acusações de imporem restrições à liberdade individual ou de serem demasiado paternalistas?

Enquanto esta medida não for devidamente discutida, outras, mais pequenas, não devem deixar de ser rapidamente implementadas. Num recente relatório da OMS, Portugal destacou-se como um dos países europeus com maior taxa de obesidade infantil. Consequentemente, o currículo escolar devia ensinar hábitos de vida saudável e, nas cantinas, os alimentos mais calóricos deveriam ser tendencialmente eliminados. Por fim, ao mesmo tempo e ao nível do planeamento municipal, a criação de mais espaços verdes ou de vias para ciclistas poderia ser, igualmente, um passo na direcção correcta.

João Pereira dos Santos,
Nova Healthcare Initiative
joaorpereirasantos@gmail.com

(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores.)

* Texto escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico