No passado dia 17 de junho, o portal “Eco” publicou uma notícia intitulada “A incrível e triste história do Infarmed e do kit português de teste Covid“, onde levantou várias questões relativamente à atuação da Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P. (Infarmed), no que concerne não só ao teste português da covid-19, mas também aos novos ventiladores made in Portugal.
Porque acreditamos que só com acesso a toda a informação, e isso significa ouvir os diversos interlocutores, os profissionais do setor da Saúde podem formar a sua opinião, o Netfarma foi ouvir a Autoridade do Medicamento sobre todos os temas mencionados.
A primeira situação tem a ver com o teste português do consórcio que juntou investigadores e meios do Algarve Biomedical Center (ABC), da Universidade do Algarve e do Instituto Superior Técnico (IST), ao know-how industrial das empresas Hidrofer e Logoplaste.
A 22 de maio, o Infarmed proibiu a distribuição e utilização deste kit. Duas semanas depois, recuou nesta proibição, permitindo a distribuição do kit, com algumas condições.
Segundo o Eco, esta situação deixou “indignada parte da comunidade científica portuguesa. E isto, ao mesmo tempo que material importado circulava em Portugal com um grau de escrutínio muito inferior”.
Netfarma – Qual a vossa posição em relação a esta situação e o que motivou a primeira proibição e posterior autorização condicionada?
Infarmed – Este pedido de colocação no mercado de zaragatoas com meio, ocorreu no âmbito do processo simplificado e transitório no contexto da covid-19. Tratando-se de um processo excecional, cabe ao Infarmed, enquanto autoridade de fiscalização, emitir a autorização para a referida comercialização, após avaliação do cumprimento dos requisitos essenciais em matéria de segurança e desempenho.
O processo apresentado pela AD-ABC, tal como todos os outros, sempre contou com o apoio do Infarmed, sendo que o grupo de peritos envolvidos na avaliação deste processo inclui especialistas qualificados e reconhecidos nesta área.
O primeiro pedido submetido, face à insuficiência da evidência apresentada sobre a composição e desempenho das zaragatoas, considerando as especificações estabelecidas pela OMS, e sobre o processo de esterilização, impediu a emissão de parecer favorável e obrigou o Infarmed a determinar a cessação da disponibilização deste dipositivo médico de diagnóstico in vitro.
Após submissão de novo relatório, com informação adicional relevante em resposta aos pontos críticos suscitados, o Infarmed emitiu parecer favorável, sendo este condicionado pela apresentação posterior de estudos adicionais, condições que tiveram a concordância do consórcio.
As zaragatoas com meio de transporte são um dispositivo que pode influenciar a veracidade do resultado dos testes de diagnóstico, nomeadamente promover resultados falsos negativos.
Outra questão levantada na peça referida anteriormente, e citando de novo o “Eco”, tem a ver com “outros dispositivos, como os novos ventiladores made in Portugal. Sobre esses, Manuel Heitor [o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior] diz que já estão a ser exportados para o Brasil e para países africanos. Once again… os ventiladores já têm certificação CE, mas o Infarmed ainda não validou o processo”.
Como explicam que um dispositivo desta natureza já esteja a ser exportado e por cá ainda não haja validação do processo?
Todos os ventiladores que ostentem marcação CE podem circular livremente no mercado europeu e, portanto, também em Portugal.
O Infarmed está a avaliar um pedido de acesso ao mercado para um ventilador, no contexto da pandemia covid, processo que se encontra em fase final.
Este processo enquadra-se no âmbito dos procedimentos excecionais previstos e suportados na legislação europeia, que atribuem a avaliação deste tipo de pedido à Autoridade de Fiscalização, daí ser tratado no âmbito do Infarmed. Para este efeito, o Infarmed instituiu um procedimento especial para a avaliação, tendo em atenção o elevado risco deste tipo de dispositivo, no qual intervém um painel de peritos clínicos, de peritos técnicos de várias áreas da engenharia e de peritos na área regulamentar.
Cinco dos dez peritos desse painel fazem parte da academia, nomeadamente os avaliadores da parte técnica, que são professores do IST/ULisboa. Os restantes membros são médicos reconhecidos pelos pares, com larga experiência clínica em medicina intensiva e na utilização de ventiladores invasivos.
Mas de par com este processo, nada impede que a mesma empresa esteja a desenvolver procedimento com vista à obtenção da marcação CE, junto de um organismo notificado dos existentes na União Europeia.
Na realidade, o procedimento prevê o início ou a continuidade do processo nos seis meses seguintes à atribuição do parecer positivo que permite a disponibilização no mercado.
Ainda em referência às declarações do ministro ao “Eco”, este apontou “uma saída: a criação de uma entidade notificadora da capacidade em dispositivos biomédicos, retirando essa competência ao Infarmed”. O Eco indica ainda que “as conversas entre os ministérios da Ciência, Economia e Saúde para a criação do novo organismo já decorrem”.
O Infarmed tem alguma informação a este respeito? E como vê esta retirada de competências?
O Infarmed é a autoridade nacional reguladora na área dos medicamentos, dispositivos médicos e produtos cosméticos, sendo a autoridade nacional competente em matéria de dispositivos médicos, como previsto na legislação europeia e nacional.
As competências de uma autoridade competente como o Infarmed não incluem quaisquer funções de avaliação da conformidade ou de certificação de dispositivos médicos.
Tal como estabelece a legislação comunitária, a função de avaliação da conformidade dos dispositivos médicos cabe aos Organismos Notificados que sejam aprovados pelas autoridades competentes e pela Comissão Europeia.
Ao Infarmed cabem as funções de supervisão e fiscalização do mercado dos dispositivos médicos, de vigilância da sua utilização e de supervisão dos organismos notificados, com vista a garantir a qualidade, segurança e desempenho dos dispositivos médicos.
Situação diferente é a possibilidade que decorre da legislação de, em contexto de emergência, neste caso da pandemia covid, a autoridade competente pela fiscalização do mercado, poder desenvolver procedimentos excecionais para autorizar a entrada no mercado de dispositivos médicos destinados a esse contexto, nomeadamente no âmbito do Decreto-Lei nº 14-E/2020.
Foi neste contexto excecional que o Infarmed já autorizou, tanto para o mercado nacional como para exportação, diversos dispositivos médicos, estando vários outros em curso, incluindo máscaras cirúrgicas, luvas, batas, toucas, cobertura de calçado, cogulas, zaragatoas.
As competências referidas cabem aos organismos notificados e o Infarmed considera muito positivo que estes organismos possam também ser criados em Portugal, à semelhança dos outros países. Refira-se que o Infarmed está a analisar alguns pedidos para criação de organismos notificados na área de dispositivos médicos em Portugal.