INFARMED investiga saldos nos medicamentos
29-Abr-2014
Ao mesmo tempo que o Governo ameaça aumentar as taxas sobre as vendas da Indústria Farmacêutica, instalou-se a polémica entre os laboratórios que operam em Portugal. Algumas empresas são acusadas por outras de usarem «esquemas ilegais de descontos» aos utentes sobre o preço dos medicamentos, o que alegam estar proibido desde o ano passado.
O INFARMED admite que recebeu denúncias, avançando que está a investigar o caso. Ao “Sol”, fonte oficial revela que este organismo foi «alertado recentemente para possíveis irregularidades, pelo que solicitou esclarecimentos junto dos intervenientes».
O descontentamento de algumas empresas aumenta por considerarem que estes saldos dão a ideia de que no setor há margem para cortes de 300 milhões, como pretende o Executivo.
Desconto através de cartões considerado ilegal
Segundo o “Sol” apurou, houve laboratórios que fizeram queixa ao INFARMED, alegando que há farmacêuticas a não respeitarem as regras do decreto-lei de fevereiro de 2013, que veio proibir as «empresas de dar, ou prometer, direta ou indiretamente ao público em geral, prémios, ofertas, bónus ou benefícios pecuniários ou em espécie».
Em causa estão os programas especiais financiados pelos laboratórios, através dos quais as farmácias fazem elevados descontos aos utentes.
Durante algum tempo, grande parte das empresas faziam estas ações comerciais, nomeadamente através de cartões que os médicos davam os seus doentes – como sucedeu com o produto para prevenir tromboses, o dispendioso Xarelto, da Bayer. Em maio de 2013, o INFARMED considerou esta situação ilegal e clarificou as novas regras para as promoções. Agora, as empresas não se entendem: algumas abandonaram os programas, mas outras mantiveram-nos e continuam a fazer descontos.
Os programas em vigor
Este mês, e segundo informação dada ao “Sol” pela Associação Nacional das Farmácias (ANF), estão em vigor sete programas. Um diz respeito ao medicamento Sandimmum Neoral para a psoríase.
A empresa Novartis Farma – Produtos Farmacêuticos, S.A. que o comercializa, faz descontos ao doente, permitindo que em alguns casos se torne grátis. Ou seja, uma embalagem de 50 cápsulas de 100 mg – cujo preço é 106,59 euros, com uma comparticipação do Estado de 78,93 euros – custa aos utentes 27,66 euros e o laboratório faz, neste preço, um desconto de 15,97 euros aos utentes do regime geral e de 27,66 euros aos pensionistas. Estes levam o fármaco a custo zero e os restantes pagam só 7,59 euros.
A mesma empresa tem ainda mais três programas, dois dos quais para produtos acabados de chegar ao mercado. O Exelon, para a demência, comercializado desde o mês passado, custa 79,60 euros, sendo feito um desconto de 26,97 euros aos pensionistas. E na compra do Seebri, para a asma, comparticipado em 69% desde janeiro, a Novartis dá um desconto de 5,25 euros sobre o preço a pagar pelo utente. Estes bónus são ainda dados em vários produtos para a tensão arterial, como o Diovan e Tareg. Além de comparticipados, são alvo de promoções entre um e oito euros, consoante o valor do medicamento.
A Astellas Farma oferece descontos no Betmiga, para tratar a bexiga hiperativa: custa 45,32 euros e o laboratório só cobra 29,36. Já no produto para a dependência do álcool, o Selincro, que custa entre 35 e 121 euros, a Lundbeck Portugal oferece 26%.
Há ainda um programa destinado à vacina do HPV, da Sanofi Pasteur MSD, que apenas é comparticipada em alguns casos. Nos que não são, as utentes em vez de 119,81 euros pagam 95. O esquema é simples: as farmácias fazem o desconto e depois cobram esse valor aos laboratórios.
«São todas situações legais», garante Paulo Duarte, presidente da ANF, acrescentando que uma vez que a situação levantou polémica solicitou uma reunião ao INFARMED. «Explicaram que é legal desde que o desconto seja universal, isto é, para todos os utentes», diz Paulo Duarte, frisando que muitas empresas desistiram das promoções por, ao passarem a ser universais, se terem tornado muito dispendiosas para os laboratórios.
Luís Rocha, diretor de Relações Institucionais e Acesso ao Medicamento da Novartis confirma que esta «concede descontos, a título temporário, em alguns medicamentos». Mas alega que esta prática comercial «é lícita», por tratar-se de «um desconto no preço que não colide com o previsto no Estatuto do Medicamento».
Governo faz xeque-mate
Mas outras empresas contestam. «Há uma circular do INFARMED que estabelece que os programas de descontos concedido pela Indústria não são admitidos», sublinha fonte de um laboratório, explicando que, para ser legal e universal, «as empresas teriam que fazer desconto em todas as vendas aos grossistas ou farmácias». «Mas nas situações em vigor só são feitos descontos nas farmácias aderentes ao programa», esclarece.
Outro dos fatores que geram polémica é o facto de os descontos serem feitos após a comparticipação. «Se fosse antes, o Estado poupava», nota outra fonte, referindo que muitos dos saldos visam produtos novos e caros. «Dá a ideia de que, afinal, há muita margem para baixar os preços», alerta outra fonte do setor.
No meio da confusão, e devido às dificuldades que assolavam as negociações entre a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA) e o ministro Paulo Macedo para a redução dos gastos com medicamentos, o Governo fez xeque-mate: ou os laboratórios aceitam devolver perto de 300 milhões de euros ou, em vez de cada empresa pagar 0,4% do volume de negócio anual ao INFARMED (como sucede atualmente), passam a desembolsar um valor superior e de acordo com as vendas anuais de cada uma. «No fundo, é um novo imposto», defendem os laboratórios.
Perante isto, a APIFARMA convocou de urgência uma reunião geral de sócios, realizada ontem à tarde, para analisar a situação.