Com o aumento da longevidade e prevalência de doenças crônicas o grande desafio que se coloca aos sistemas de saúde é assegurar uma redução na carga da doença de um modo sustentável à economia. A solução passa, inevitavelmente, por incentivos à inovação terapêutica sustentável.
O desenvolvimento de um novo medicamento pode custar até 2,5 mil milhões de dólares (DiMasi et al, 2016). O custo crescente e insustentável no desenvolvimento de medicamentos e a consequente inflação do custo da medicação para os sistemas de saúde tem sido um dos assuntos de maior para os decisores políticos e para a indústria que afirma ter sofrido uma redução anual no retorno ao investimento nos últimos seis anos (The Pharmaceutical Journal, 2017).
Por conseguinte, é essencial o desenvolvimento de novos mecanismos que proporcionem um processo de inovação mais eficaz e maximizar o seu valor em áreas de doença relevantes para a saúde pública. Estes mecanismos devem criar incentivos para a inovação terapêutica que reduza a carga da doença, mas que em simultâneo, promova a sustentabilidade financeira dos serviços nacionais de saúde.
Neste contexto, o reposicionamento de medicamentos (drug repurposing) surge como uma nova proposta de valor para a indústria, utentes e serviços nacionais de saúde. O reposicionamento de medicamentos traduz-se no uso de medicamentos já aprovados para tratar uma doença ou condição no tratamento eficaz de outras doenças. Esta nova estratégia passou a ser possível após a descoberta de que os medicamentos com perfis químicos e moleculares similares poderem potencialmente ter doenças alvo semelhantes; e doenças com pathways e atividade genética semelhantes poderem ser tratadas pelo mesmo composto.
A relevância económica do reposicionamento de medicamentos para os serviços nacionais de saúde é considerável. Na OCDE em 2013 a despesa em medicamentos representou aproximadamente 17% dos gastos totais em saúde (OECD, 2015). Prevê-se que em 2020 a despesa global em medicamentos atinja os 1,4 triliões de dólares (Aitken & Kleinrock, 2015).
Existe, portanto, um interesse crescente no reposicionamento de medicamentos como solução para a falta de inovação em áreas de doença com relevância para a saúde pública, e para o controlo da inflação da despesa em saúde.
Se os medicamentos já no mercado demonstrarem ser seguros e eficazes em áreas de doença não contempladas quando foram lançados no mercado, o tempo, os custos e os riscos no desenvolvimento de inovação terapêutica são drasticamente reduzidos permitindo um maior retorno ao investimento e acesso mais célere a novos tratamentos em áreas de maior necessidade.
Com um custo de reaprovisionamento estimado em 8,4 milhões de dólares (Persidis, 2017), que representa uma fração dos custos de I&D para uma nova terapia, o reposicionamento de medicamentos terá o potencial de aumentar as receitas da indústria através da expansão do mercado base, e até mesmo influencia na geração de nova propriedade intelectual (Ashburn & Thor, 2004).
O reposicionamento de medicamentos exige grande volume de dados de prescrição ligados a dados clínicos e grande número de indivíduos com diferentes co-morbidades. Historicamente os casos de reposicionamento com algum sucesso ocorreram através da observação de ganhos em saúde em determinadas que receberam medicação para outras doenças. No entanto, os recentes desenvolvimentos tecnológicos em data mining e machine learning abrem novas oportunidades para o desenvolvimento de abordagens específicas para o reposicionamento de medicamentos. A “data analytics de reposicionamento” surge, neste contexto, como uma ferramenta essencial para otimizar a identificação de candidatos de medicamentos a serem reposicionados, bem como a previsão de interações entre medicamentos e doença (Li et al., 2016).
Referências:
1. Aitken, M. and Kleinrock M. (2015). Global medicines use in 2020: outlook and implications. IMS Institute for healthcare informatics, 1-43.
2. Ashburn, T. and Thor, K. (2004) Drug repositioning: identifying and developing new uses for existing drugs. Nature Reviews Drug Discovery. 3, 673–683.
3. DiMasi JA, Grabowski HG, Hansen RA. (2016) Innovation in the pharmaceutical industry: new estimates of R&D costs. Journal of Health Economics 2016; 47:20-33.
4. Li, J., Zheng, S., Chen, B., Butte, A., Swamidass, J. & Lu, Z. (2016) A survey of current trends in computational drug repositioning. Briefings in Bioinformatics. 17 (1), 2–12.
5. OECD (2015), Health at a Glance 2015: OECD Indicators, OECD Publishing, Paris.
http://dx.doi.org/10.1787/health_glance-2015-en
6. Persidis, A. (2016). Why Systematic Drug Repurposing is here to stay. Biovista Blog.
7. The Pharmaceutical Journal (2017). Return on investment falls for pharmaceutical industry. DOI: 10.1211/PJ.2017.20202146
Marisa Miraldo
(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores)