Integração vertical: Estão os objectivos a ser alcançados?* 755

O conceito de integração vertical de cuidados de saúde há muito que é discutido, dada a cada vez maior necessidade de se diminuir os custos e aumentar a eficiência dos sistemas nacionais de saúde, bem como pela necessidade de conciliar a cada vez maior especialização da oferta e necessidade de multidisciplinaridade da procura. Em Portugal, a integração organizacional de cuidados de saúde deu origem à criação das Unidades Locais de Saúde (ULS), com a primeira a aparecer em 1999 em Matosinhos. Desde então, mais sete ULS foram criadas: Norte Alentejano (2007), Alto Minho (2008), Baixo Alentejo (2008), Guarda (2008), Castelo Branco (2011), Nordeste (2011) e Litoral Alentejano (2012).

Mas como funcionam as ULS e quais os objectivos? As ULS passam por uma integração entre os cuidados hospitalares e centros de saúde de modo a que estes não funcionem como “ilhas” mas sim como um todo. As ULS passam a ser responsáveis pela gestão dos cuidados de saúde fornecidos a uma determinada população, quer pelos hospitais quer pelos centros de saúde, com o objectivo de garantir uma maior ligação entre os cuidados de saúde primários e secundários. Isto permitirá que os utentes tenham uma melhor orientação biunívoca entre cuidados primários e secundários, bem como uma melhor e mais eficiente resposta hospitalar.

Os potenciais ganhos de uma integração vertical passam por: uma política mais activa de prevenção por parte dos centros de saúde, de modo a evitar doenças futuras que trarão custos maiores para a ULS; promoção de cuidados de saúde primários, de modo a que apenas os casos mais severos dêem entrada nos hospitais, diminuindo assim a utilização de cuidados hospitalares; decréscimo dos conflitos entre hospitais e centros de saúde agora sob a alçada da mesma gestão; economias de escala; entre outros.

Contudo, um estudo recente da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) sobre o desempenho das ULS, entre 2011 e 2013, demonstrou que o tempo médio de internamento tem vindo a aumentar mais nos hospitais pertencentes às ULS do que nos não pertencentes às ULS. A juntar a isto, o facto de o número de cirurgias em ambulatório em percentagem do total de cirurgias ser mais alto em hospitais não ULS do que em hospitais pertencentes às ULS levantou uma questão: Estarão as ULS a surtir os efeitos desejados?

À primeira vista, e dados os números apresentados pelo referido estudo, aparentemente não. Contudo, é preciso pensar quais são os objectivos das ULS:

1- Promover os cuidados de saúde primários: Isto leva a uma melhor adequação dos cuidados prestados e permitiria igualmente uma maior especialização dos hospitais;

2- Política mais activa de prevenção: Uma maior prevenção levará a uma diminuição do uso dos cuidados hospitalares;

3- Diminuição dos conflitos entre hospitais e centros de saúde: Nas ULS o modelo de financiamento é diferente de um hospital não pertencente a uma ULS. Num hospital que não pertence a uma ULS o orçamento irá estar directamente ligado à procura pelos cuidados de saúde do hospital. Nas ULS não. O orçamento é feito com base na população abrangida pelo raio de acção da ULS, e é um orçamento para a ULS e não para o hospital. Deste modo é esperado que os casos menos severos sejam tratados em centros de saúde que trazem custos mais baixos para a ULS, deixando apenas os casos mais severos para os hospitais.

Posto isto é igualmente preciso ter em consideração que a integração é um processo moroso e que as ULS criadas em anos diferentes poderão ter resultados diferentes. Sendo assim, para se concluir se as ULS estão realmente a atingir os objectivos, seria necessário avaliar não só o tempo de internamento nos hospitais ULS e não ULS, mas igualmente o número de cirurgias por hospital, a severidade dos casos por hospital, readmissões, internamentos evitáveis entre outras variáveis. Há portanto ainda muito a avaliar para podermos responder à questão se as ULS estão a cumprir com os objectivos iniciais ou não.

Referências:
Waltson, S.L., Kimberly, J.R. e Burns, L.R., Owned. Vertical Integration and health care: Promise and performance. Health Care Management Review, 1996.
Estudo sobre o desempenho das Unidades Locais de Saúde. Entidade Reguladora da Saúde, 2015.

Miguel Homem Ferreira

 

(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores.)

* Texto escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico