Intervenção na Comunidade: Saúde mental ao alcance de todos 1328

O projeto ‘PharmaMente – O elo que a Saúde Mental precisa’ integra a farmacoterapia, a psicoterapia e a socioterapia, colocando a Farmácia Comunitária no centro da rede de apoio ao utente, promovendo uma abordagem holística na área da saúde mental, a base do bem-estar geral. Desenvolvido pela Farmácia Viriato, em Viseu, visa apoiar a comunidade, através de campanhas de sensibilização, rastreios e uma aplicação móvel. 

Carlos Silva, farmacêutico substituto da Farmácia Viriato e responsável pela candidatura do projeto ‘PharmaMente’ ao Prémio Almofariz Intervenção na Comunidade 2024, introduz que “na nossa sociedade, a saúde mental ainda é vista como um tabu. Neste sentido, e de forma a combater esta visão, cabe também à farmácia e ao farmacêutico, como agentes de saúde pública, fornecer a melhor informação e oferecer ao utente um ambiente seguro para abordar o tema”. 

 

Uma nova abordagem 

“A farmácia, como espaço de fácil acesso para a comunidade em geral e como porta de entrada no sistema nacional de Saúde, acaba por ter um papel importante em todas as áreas da saúde, inclusive a saúde mental”, reforça Carlos Silva, divulgando a motivação por trás do ‘PharmaMente’: “A pandemia de COVID-19 evidenciou uma das maiores preocupações do século XXI – a saúde mental. Estima-se que no mundo, 970 milhões de pessoas sofram com problemas de saúde mental”. 

Em Portugal não é diferente. O interveniente destaca a relação entre o aumento do consumo de psicofármacos e as dificuldades que o sistema de Saúde enfrenta. “Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), em 2022, Portugal foi o segundo país que mais consumiu antidepressivos na União Europeia. O Infarmed relata todos os anos um aumento do consumo de psicofármacos e é notório esse aumento no balcão da farmácia”, alerta. E o impacto vai além da saúde pública, afetando também a economia. “Estima-se que as empresas nacionais perdem 5,3 mil milhões de euros por ano devido a ausências no trabalho causadas por stress e problemas de saúde mental”, anota. 

Por outro lado, a relação entre os distúrbios do foro mental e as doenças crónicas é cada vez mais referenciada. “Está comprovada a relação bidirecional que existe entre a diabetes e a depressão, sendo necessário estarmos atentos às implicações que as doenças crónicas podem trazer para a doença mental e vice-versa”, notifica. 

 

O papel da Farmácia Comunitária 

Traçado o cenário, “é importante atuar ao nível da prevenção”, ressalta Carlos Silva. “A farmácia, como espaço de saúde, e o farmacêutico, como especialista do medicamento e em saúde pública, podem e devem ter um papel mais direto na saúde mental”, expõe, garantindo que “há potencial que pode ser explorado para valorizar a farmácia e o farmacêutico nesta área, à semelhança do que já sucede em países como o Reino Unido e o Canadá”. 

Uma das primeiras ações do projeto é a realização de uma formação na área da saúde mental para todos os profissionais da farmácia. Ministrada por psicólogos e psiquiatras, serve para capacitar a equipa para acolher e interpretar as necessidades do utente. Além disso, o ‘PharmaMente’ prevê a criação de uma rede de apoio que envolva parcerias com escolas, centros de dia e estruturas residências para idosos, clubes desportivos, clínicas, ginásios e outras entidades locais. Esta abordagem permite a integração social do utente, combatendo a solidão e o isolamento social. “Com as parcerias, conseguimos alcançar mais utentes e ter perspetivas de outras áreas e profissionais de como abordar a saúde mental num todo. Tudo isto culmina no papel do farmacêutico como ‘prescritor social'”, avança. 

 

Inovação digital 

O ‘PharmaMente’ tem um público-alvo bastante abrangente, sendo necessário adaptá-lo aos vários targets. “Um público sénior gostará de uma abordagem mais pessoal, porém um público mais jovem procurará alternativas mais digitais”, menciona Carlos Silva. Sendo assim, a segunda vertente, e aquela que permite a materialização do projeto, é a aplicação móvel ‘PharmaMente’ – aguarda financiamento para ser desenvolvida –, onde o utente poderá encontrar diversas funcionalidades, desde os questionários de rastreio, ao material de informação e sensibilização, fazer a gestão farmacoterapêutica, aceder ao farmacêutico e à rede multidisciplinar. O nosso entrevistado salienta a importância da privacidade e da simplicidade do uso: “A App será completamente desenhada e idealizada para abordar a saúde mental de uma maneira leve e privada para o utente”. 

Para Carlos Silva, o ‘PharmaMente’ “é mais do que um projeto que promove a saúde mental, mas sim um modelo de estrutura e valores que podem ser seguidos pelas farmácias aderentes, de modo a tornar a farmácia um espaço mental health friendly, desde o atendimento aos serviços que proporciona”. 

 

Farmácias ‘amigas da saúde mental’ 

O ‘PharmaMente’ procura explorar o papel do farmacêutico na saúde mental e bem-estar em todas as suas áreas de influência: gestão farmacoterapêutica; prevenção e sensibilização; suporte não farmacológico. 

Iniciando na gestão farmacoterapêutica, Carlos Silva explica que “em terapêuticas com psicofármacos, um acompanhamento próximo ao utente pode trazer mais-valias e uma melhor adesão à terapêutica”, assegurando que “alguns serviços prestados na farmácia, como a consulta farmacêutica ou a preparação individualizada da medicação (PIM), podem ser uma boa solução para melhorar a terapêutica com psicofármacos”. Associada a estes serviços, “a possibilidade de comunicação direta com os especialistas ou médicos de família da adesão ao tratamento, dos efeitos adversos e/ou das interações medicamentosas, pode trazer benefícios tanto ao utente como à sobrecarga dos serviços de saúde”, sublinha. 

A prevenção e sensibilização é outra área de intervenção. “A saúde mental deve ser trabalhada não só diretamente com utentes já diagnosticados, mas também com a comunidade em geral, de modo a reduzir o estigma existente”, afirma o coordenador do projeto. Para trabalhar a sensibilização e literacia da população, o projeto tenciona produzir material didático em formato físico e digital. “A depressão, a ansiedade, o burnout, o stress e o sono são temas abordados muitas vezes ao balcão e ter material para disponibilizar pode facilitar a ajuda do farmacêutico ao utente. No espaço da farmácia, e também com os nossos parceiros, temos o objetivo de organizar tertúlias, workshops e palestras. Os rastreios, em parceria com psicólogos, são importantes para a identificação precoce de distúrbios mentais”, aponta. 

O farmacêutico estabelece a ponte entre o utente e as várias formas de suporte não farmacológico, como atividade física, arte, música ou voluntariado, que podem ter um impacto positivo no tratamento de distúrbios mentais. “O bem-estar e a saúde mental estão estreitamente ligados”, transmite Carlos Silva, realçando que “cada utente tem os seus fatores de risco e as suas necessidades, tornando-se importante individualizar a terapia não farmacológica”. 

O modelo ‘PharmaMente’ pressupõe a criação de farmácias ‘amigas da saúde mental’. O ambiente da farmácia deve incluir um gabinete privado, “para aconselhamento gratuito e confidencial sobre a sua saúde e bem-estar, onde a pessoa pode colocar as suas questões e possamos realizar rastreios e atividades individuais direcionadas à saúde mental”, esclarece, e um espaço dedicado à promoção de saúde e bem-estar, “devidamente assinalado e acessível, onde a pessoa pode encontrar material educacional atualizado e pertinente sobre saúde e bem-estar, desde vídeos, pósteres, panfletos e livros”, detalha. 

 

Rede de saúde e bem-estar 

As parcerias estabelecidas são um pilar essencial para o sucesso desta iniciativa. “O ‘PharmaMente’ é um projeto que promove a farmácia como elo de ligação entre os diferentes parceiros na comunidade”, enfatiza Carlos Silva, informando que esta rede de saúde e bem-estar é composta por farmacêuticos, psicólogos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, nutricionistas, fisioterapeutas, etc. 

Entre as entidades envolvidas estão a Câmara Municipal de Viseu, a Escola Secundária Viriato, a Escola Profissional Profitecla, os Bombeiros Voluntários de Viseu, o Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência Doméstica da Casa do Povo de Abraveses e a TREVO – Associação para a Cidadania Ambiental e Participação Social. A arte e os eventos culturais também integram a estratégia, com a colaboração da Viseu Marca e do Vox Visio Coral, enquanto o desporto e as áreas de saúde e bem-estar são abordados através de parcerias com os clubes Académico de Viseu e Viseu 2001 e o programa comunitário Viseu Ativo. 

O farmacêutico celebra o “impacto positivo” que o ‘PharmaMente’ tem vindo a gerar na comunidade viseense, destacando ações como a 1.ª Caminhada ‘Passos Pela Saúde Mental’, realizada em parceria com a Escola Secundária Viriato. “Nesta atividade tivemos a presença de cerca de 100 pessoas e o valor angariado foi para o Gabinete de Apoio ao Estudante com Necessidades Especiais desse mesmo estabelecimento”, anuncia. A atuação do projeto estende-se às escolas, com campanhas de sensibilização sobre o sono, incluindo rastreios. 

 

Superar desafios 

Carlos Silva nomeia um dos principais desafios enfrentados pela Farmácia Viriato no processo de implementação do ‘PharmaMente’: o desenvolvimento da aplicação móvel. “A criação de uma App deste calibre é dispendiosa, por todas as aplicabilidades que ambicionamos que possua. Não é possível cobrir os elevados custos com um projeto que tem como maior finalidade ser gratuito para o utente”, lamenta. Para solucionar este desafio, a farmácia tem procurado parcerias com a indústria, assim como aproveitar iniciativas como os Prémios Almofariz. “Este tipo de candidatura permite-nos não só fazer chegar o projeto a mais pessoas, como falar de um assunto que muitas das vezes é ignorado na sociedade”, enaltece. 

Face às dificuldades de financiamento inicial, considera que é necessário que o Estado reconheça o trabalho das farmácias e ofereça mais apoio para que elas possam expandir as suas atividades no âmbito da saúde de proximidade. “As farmácias e os farmacêuticos já deram provas que estão à altura dos desafios propostos, como se vê nas campanhas de vacinação”, ilustra. “A comunidade também confia nas farmácias e sem dúvida que projetos como este podem ter um impacto positivo na saúde. Acreditamos que com tempo o Estado irá aperceber-se do trabalho das farmácias e dar uso a essa rede que já está montada e pronta para servir a população com novos projetos e em áreas mais abrangentes, como é o exemplo da saúde mental”, conclui. 

 

“Podemos e devemos trabalhar em conjunto” 

O ‘PharmaMente’ tem estado em plena evolução. “A ideia do projeto surgiu em 2023, dedicámos o ano de 2024 a fechar parcerias, capacitar as equipas e limar arestas. O balanço é positivo, mas acreditamos que podemos fazer mais e queremos que 2025 seja o ano do ‘PharmaMente’ e que consigamos não só implementar o projeto na nossa farmácia, como também chegar a mais parceiros e à comunidade em geral”, reflete Carlos Silva. 

O futuro passa por ampliar e diversificar as parcerias e adaptar o modelo a outras farmácias. “O objetivo será criar um plano de atividades em parceria e sintonia com todos de modo a atingir o maior número de pessoas. O modelo, neste momento, está idealizado para a realidade da Farmácia Viriato, em Viseu, mas tem como objetivo poder ser adaptado a qualquer farmácia, personalizando as parcerias à realidade da comunidade onde a farmácia está inserida”, elucida. “O segredo do sucesso do projeto estará também no número de parcerias bem sucedidas”, afiança, ciente de que “é importante sabermos até onde podemos ir e sabermos que a área da saúde mental tem os seus profissionais – psicólogos e psiquiatras –, e que podemos e devemos trabalhar em conjunto”. 

Quem está diariamente no terreno acredita que “com tempo vamos dar a leveza necessária ao tema, com o intuito de ajudar os nossos utentes a trabalhar holisticamente a sua saúde, física e mental”. 

 

‘Somos muito mais do que medicamentos’ 

Localizada em Viseu, a Farmácia Viriato foi fundada em 1956, junto à emblemática Cava de Viriato, monumento nacional desde 1910. Em 2009, deu um passo importante ao mudar-se para novas instalações, modernizando o serviço e a imagem, aliando a inovação ao bem servir a comunidade. 

Atualmente, conta com uma equipa de 18 colaboradores, todos eles comprometidos com o lema ‘Somos muito mais do que medicamentos’. “Somos uma farmácia que gosta de arriscar, saindo daquilo que é o status quo do mundo das farmácias”, frisa Carlos Silva. A farmácia costuma marcar presença em eventos importantes da cidade. “Já estivemos em várias edições da mítica Feira de São Mateus, onde usamos a plataforma para promover estilos de vida saudáveis, bem-estar e saúde, com workshops, palestras, entre outras atividades”, regista. Paralelamente, tem um projeto contínuo denominado ‘Viriato Sai à Rua’, levando cuidados de saúde e informação a diferentes pontos da comunidade. 

Recentemente, a Farmácia Viriato foi alvo de um rebranding e atualizou-se com a introdução de um novo sistema automático de armazenamento e dispensa de medicamentos, uma ferramenta que, reconhece o farmacêutico, “permite otimizar os processos e ter mais tempo para o utente”. 

 

Continuar a marcar a diferença 

Sobre o Prémio Almofariz Intervenção na Comunidade, Carlos Silva refere que “esta categoria desafia a farmácia a investir em projetos que mostram a crescente importância do farmacêutico na comunidade. Em teoria, já sabemos disso, mas os projetos permitem materializar essa sensação e conseguimos números que comprovam o impacto que os projetos podem ter”. “Há muitos anos que ambicionávamos participar, o ano de 2024 marcou a nossa estreia”, partilha. 

Quanto ao futuro, a Farmácia Viriato pretende “continuar a inovar e a trazer saúde e bem-estar à população de Viseu”, não descartando a possibilidade de voltar a concorrer aos Prémios Almofariz. “Quem sabe! Temos outros projetos em que estamos a trabalhar e que têm potencial para sermos novamente finalistas ou vencedores”, remata. 

 

Farmácia Viriato 

Morada 

Avenida da Bélgica, Lote 150 R/Chão 

3510-150 Viseu 

Telefone 

232 415 137 

E-mail 

geral@farmaciaviriato.pt 

Websites 

www.farmaciaviriato.pt 

linktr.ee/viriatofarmacia 

Redes Sociais 

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Artigo publicado originalmente na edição #385 da revista FARMÁCIA DISTRIBUIÇÃO, na rubrica ‘Intervenção na Comunidade 2024’, destacando projetos de farmácias do país que se candidataram, no ano passado, ao Prémio Almofariz Intervenção na Comunidade by Laboratórios Azevedos.