Investigador: Nunca se esteve tão perto de erradicar a malária, mas percurso ainda é imenso 21 de Setembro de 2015 A erradicação da malária no mundo nunca esteve tão perto como atualmente, mas o caminho a percorrer é «ainda imenso» e é preciso evitar que se cruzem os braços face ao sucesso já alcançado, afirmou um investigador português. Numa entrevista à agência “Lusa”, Henrique Silveira, investigador do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT) de Portugal, comentava os resultados do recente relatório conjunto da OMS e UNICEF, divulgado a 17 deste mês, que indicou que a taxa de mortalidade da malária baixou 60% desde 2000, embora existam ainda 3.000 milhões de pessoas em risco de contrair a doença. Segundo o documento, a queda de mortalidade traduziu-se por 6,2 milhões de vidas poupadas nos últimos 15 anos, perto de seis milhões dos quais são crianças menores de cinco anos, o grupo mais vulnerável à malária, maioritariamente na África subsaariana. «Nunca estivemos tão próximo (de acabar com a malária), mas o caminho a percorrer ainda é gigante. E a grande mensagem do relatório é essa. Nos últimos 15 anos tivemos um grande sucesso, mas não podemos agora cruzar os braços e deixar as coisas a rolar. Temos de continuar a manter o esforço para controlar a malária», disse. «Há um grande caminho a percorrer, que é desigual. Onde existem recursos para combater a malária não há a doença e onde não existem recursos é onde a doença está concentrada», observou Henrique Silveira, 49 anos, natural de Ponta Delgada (Açores). Segundo o investigador, formado no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), com pós-graduações no Imperial College e no London School, ambos em Londres, o combate à doença também conhecida por paludismo terá sempre de ser multidisciplinar, pelo que procurar uma vacina, por exemplo, não será suficiente. «Uma vacina seria muito importante. Há uma vacina que está a ser testada em vários locais em África, que já teve um parecer positivo da Agência Europeia do Medicamento, que é um grande passo. Mas a vacina, por si só, não pode ser utilizada isoladamente. Temos de nos socorrer de tudo: tratamento, melhoria das condições sanitárias e luta antivetorial. A vacina será mais uma achega para isso», defendeu. Nesse sentido, frisou Henrique Silveira, a malária vai continuar a ser endémica durante mais algum tempo, sobretudo na grande maioria dos países da África subsaariana, pois os riscos passam pela evolução ou mutação do parasita, em que a investigação não poderá dar tréguas, estando em curso, lembrou, o processo de esterilização do mosquito transmissor. Angola e Moçambique, embora não sejam dos mais problemáticos – os maiores são a Nigéria e RDCongo -, estão no grupo de risco, enquanto os casos de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe são já considerados um «sucesso», pois os programas de controlo permitiram a diminuição significativa de casos autóctones. «O esforço de controlo deve ser continuado. Se hoje ou amanhã se decidir que o programa da malária é demasiado caro e não se quer mais investir, de certeza que vamos ter de volta malária nos números pré-intervenção. Deixa de haver investimento, os números começam a subir e tornam-se catastróficos ao fim de poucos anos», insistiu. «Se pensarmos na malária como uma doença complexa, que é causada por um parasita que tem um ciclo de vida que envolve a pessoa e o vetor, o mosquito, e em cada um desses hospedeiros ele tem de desenvolver o seu ciclo de vida, o controlo tem de ser com base em múltiplas fases. Para Henrique Silveira, tem de se conseguir controlar a transmissão, impedir que o mosquito infetado chegue às pessoas e, ao mesmo tempo, controlar as pessoas, tratando e impedindo que sejam infetadas. Mudanças climáticas podem levar doenças tropicais para zonas temperadas As mudanças climáticas podem, teoricamente, trazer as doenças tropicais para zonas mais temperadas, inclusivamente para Portugal, embora seja ainda cedo para avaliar o que está em causa, disse Henrique Silveira. O investigador lembrou os casos recentes de dengue na Madeira (1.079 casos entre 2012 e 2014 sem óbitos) e em Cabo Verde (mais de 21 casos com seis mortes em 2009). «É um risco teórico real. Se pensarmos que os mosquitos têm uma distribuição associada aos fatores climáticos, se os alterarmos, os mosquitos podem expandir a sua área geográfica», sublinhou Henrique Silveira, admitindo, porém, que ainda existe muita informação por comprovar sobre as consequências das alterações climáticas. «Mas não me sinto capaz de responder a isso. Mas a Madeira já teve dengue. É o caso típico. Apareceu o mosquito, que não existia na região e depois, por um acaso, o mosquito picou alguém e começou a transmissão», realçou. Em Portugal, lembrou, a malária, também conhecida por paludismo, foi erradicada em 1973 e os casos conhecidos são todos importados, trazidos por pessoas que foram infetadas em países tropicais. A 17 deste mês, um relatório conjunto da OMS e da UNICEF indicou que a taxa de mortalidade por malária baixou 60% desde 2000, mas ainda existem mais de três mil milhões de pessoas em risco de contrair a doença. A queda de mortalidade traduziu-se por 6,2 milhões de vidas poupadas nos últimos 15 anos, perto de seis milhões dos quais são crianças menores de cinco anos, o grupo mais vulnerável à malária. O relatório “Achieving the Malaria Millennium Development Goal Target” revela que a meta da malária – que consta dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) – de “reduzir para metade e começar a inverter a incidência” desta doença até 2015, foi alcançada de uma «maneira convincente», com uma descida de 37% dos novos casos em 15 anos. Entre 2000 e 2015, taxa de morte por malária dos menores de cinco anos desceu 65%, o que representa 5,9 milhões de vidas salvas. O relatório salienta a importância do financiamento global para o combate à Malária, que aumentou 20 vezes desde 2000, mas ressalva que ainda não é suficiente, sendo necessário continuar a investir em redes mosquiteiras, no combate à resistência aos medicamentos, em inseticidas e nos sistemas de saúde africanos. |