As eleições Legislativas são já no próximo domingo, dia 10 de março, e o Netfarma procurou saber o que os principais partidos políticos que se apresentam a sufrágio, nomeadamente os com assento parlamentar, têm em mente para e sobre o setor farmacêutico na sua globalidade.
Mais do que ler os programas eleitorais, sempre restritos ao espaço, à forma e ao próprio conteúdo, tendo em conta algumas visões e preponderâncias mais generalistas na área da Saúde, o debate “Legislativas – Prioridades para o Ecossistema Farmacêutico e da Saúde”, que aconteceu recentemente no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa, foi o espaço ideal para ouvir representantes dos partidos sobre o assunto.
Organizado pela Associação Portuguesa de Jovens Farmacêuticos e moderado por Paulo Silva, diretor do Netfarma e da Farmácia Distribuição, o debate contou com um representante de cada força política, à exceção do PAN. Os intervenientes foram Afonso Moreira (Bloco de Esquerda), Ana Paula Martins (PSD/AD), Inês Pires (Livre), Joana Botas (PCP/CDU), Maria Pia Bonneville (Iniciativa Liberal), Miguel Rodrigues (PS) e Pedro Frazão (CHEGA).
Assim, nos temas e explicações apresentados abaixo (estando os partidos por ordem alfabética), além de conteúdos programáticos, poderá ler o que foi dito na já referida iniciativa, perante uma plateia especializada, especialmente e diretamente interessada no tema.
Aliança Democrática
O principal partido da oposição – o PSD – vai a votos com o reavivar de uma proposta política criada em 1979, em parceria com o CDS e o PPM. Luís Montenegro é o líder da AD e quer ser primeiro-ministro.
Relativamente ao programa eleitoral, há a ideia de criar o Plano de Motivação dos Profissionais de Saúde, que pretende valorizar os recursos humanos envolvidos na prestação de cuidados de saúde às pessoas, especialmente no SNS. É – e está escrito – naturalmente direcionado aos farmacêuticos.
Já no debate promovido pela APJF, Ana Paula Martins, antiga bastonária da Ordem dos Farmacêuticos começou por adjetivar a rede de farmácias portuguesas como “a melhor da Europa”. “Não sei se é a melhor do mundo, mas talvez seja”, acrescentou entre sorrisos. Admitiu que se viram durante os últimos anos, em que a governabilidade foi socialista, “passos importantes na valorização da farmácia e dos farmacêuticos, sem dúvida”. Contudo, referiu que “não é possível reparar uma das lacunas das ULS de segunda geração, que é não terem em conta o ecossistema da saúde”.
Ao defender um modelo de governação e integração menos “vertical dos processos assistenciais”, Ana Paula Martins disse que não existe uma abertura para o que é uma “proximidade com a rede de farmácias comunitárias”.
Dando o exemplo de processos que estão a ser testados no Norte do país, falou, advertindo que estava a “simplificar” a questão, sobre a hipótese de haver algo que se “pudesse assemelhar àquilo que é o SNS 24”, ao nível de uma possível referenciação dos utentes a partir das farmácias comunitárias, havendo depois algum tipo de prioridade, dentro dos cuidados de saúde, para essas pessoas, desde que “devidamente referenciadas”.
Bloco de Esquerda
O BE, sob a liderança de Mariana Mortágua, quer ser parte integrante de uma solução governativa à esquerda, ao apontar problemas de estabilidade associados à maioria absoluta de António Costa.
No programa eleitoral do partido é referida a importância de colocar o Laboratório Nacional do Medicamento a produzir medicamentos que registem faltas persistentes e ruturas, bem como articular com o Laboratório as investigações feitas em universidades e outros laboratórios públicos.
Noutra vertente, o partido pretende que seja exigido à indústria farmacêutica mais transparência na formação de preços, para proteção dos medicamentos como bem público que deve ser acessível a todos.
Já relativamente ao debate no Pavilhão do Conhecimento, Afonso Moreira, mesmo perante a plateia especializada, não se coibiu de corroborar uma opinião conhecida da líder Mariana Mortágua: a alegada falha no processo de vacinação sazonal nas farmácias. “Dizemos, com toda a frontalidade, que a vacinação contra a covid e gripe nas farmácias, nos moldes em que foi realizada, não funcionou. Isto foi amplamente discutido e a taxa de cobertura tem sido acompanhada por várias organizações, como a Sociedade Portuguesa de Pneumologia, que aponta o facto de termos uma taxa abaixo da que seria desejável”, explicou.
Destacou o papel dos farmacêuticos na adesão terapêutica e na literacia em saúde, “uma das áreas em que tem que ser desenvolvido mais contacto com a população, para combater as teorias da conspiração e a desinformação”. Deixou ainda uma palavra sobre as farmácias hospitalares e como “não faz sentido existirem estas remunerações”, defendendo que as condições atuais “não valorizam a profissão do farmacêutico”.
Coligação Democrática Unitária
A CDU é fruto de uma coligação entre o PCP (com Paulo Raimundo como líder) e o partido ecologista Os Verdes, neste momento fora do parlamento e com pretensões de lá poder regressar novamente.
A nível de programa eleitoral é mais um partido que aponta ao Laboratório Nacional do Medicamento. Fala em aumentar a quota dos medicamentos genéricos, valorizando a produção nacional, a intervenção e o investimento na instituição, tendo em vista o aumento da sua capacidade de produção de medicamentos.
No debate “Legislativas – Prioridades para o Ecossistema Farmacêutico e da Saúde”, Joana Botas levantou o problema do número de profissionais e da utilização de recursos, “porque quando temos equipas pequenas, não conseguimos chegar a todo o lado”.
Falou ainda da “desregulação dos horários para os profissionais, o que provoca uma dificuldade enorme de conciliação com a vida pessoal”. Referiu, inclusivamente, “que existem modelos de atendimento que condicionam o acompanhamento farmacoterapêutico e da literacia para a saúde”. Também por isso, referiu ser “uma realidade que não é absolutamente necessário existirem farmácias abertas 24 horas por dia, nos moldes atuais, até porque a procura durante o período da noite não é substancial”.
Lembrando a “rutura de medicamentos”, frisou ainda a “necessidade de reindustrialização e produzir medicamentos em Portugal”.
CHEGA
Com vontade de governar ao lado da AD, com recurso ao argumento de que não será possível um governo de direita sem o CHEGA, o líder André Ventura quer aumentar a sua representação parlamentar.
Capacitar as Farmácias comunitárias reforçando a sua intervenção, nomeadamente em situações cínicas ligeiras, testagem rápida (TRAg, VIH, Hepatites) e meios complementares de diagnóstico e vacinação são medidas que vêm inscritas no programa do partido. Além disto, como referiu Pedro Frazão no Pavilhão do Conhecimento, “as farmácias têm um papel preponderante no rastreio de doenças crónicas, mas também nos meios de diagnóstico que podem precaver situações de agravamento clínico ou até a prevalência de sintomas de agravamento clínico, doenças silenciosas ou com períodos de incubação muito longos”. Para este último ponto deu como exemplo o que foi feito durante a pandemia covid-19.
Defendendo uma “reavaliação e redignificação das profissões de saúde, para que se sintam valorizados, bem pagos e felizes no locais de trabalho”, referiu como os farmacêuticos são “absolutamente cruciais na economia do SNS”. Deu o exemplo de uma comissão de farmacêuticos que esteve na Assembleia na República e explicou como “contas do SNS que podiam rapidamente ascender aos 800 ou 900 mil euros podiam passar para 100 ou 150 mil euros”, mediante a melhoria e correção de procedimentos.
Concordando com Ana Paula Martins sobre o facto de a rede de farmácias nacional ser “uma das melhores da Europa e quiçá do mundo”, destacou que é por isso que é essencial aproveitar essa “capacidade instalada de acesso à saúde, para que esse ponto seja também de acesso ao SNS, tanto consultando informação do doente, como carregando-a, sendo ainda um local em que o farmacêutico, fazendo um diagnóstico com meios complementares, possa também referenciar para dentro do sistema”.
Iniciativa Liberal
Rui Rocha herdou de João Cotrim de Figueiredo a quarta força política nacional e procurará, no mínimo, manter esse estatuto, ou aumentar a sua representação para mais facilmente poder ser parte de uma solução de direita.
Nas linhas do programa eleitoral, a IL defende o alargamento de cuidados da saúde às farmácias comunitárias, por prestarem um serviço que consideram essencial, sobretudo em territórios de baixa densidade e para populações com dificuldade de mobilidade. Tudo mediante acreditação formativa e de acordo com orientações técnicas claras, emitidas numa articulação entre as ordens profissionais e as autoridades de saúde públicas. Adicionalmente, ressalva a importância da criança de um sistema de partilha de dados, a nível digital, que salvaguarde os critérios de confidencialidade.
Pretende ainda alterar a realidade nacional na demora, uma das mais elevadas da UE, segundo o partido, na aprovação da introdução de novos medicamentos e terapêuticas inovadora. Acelerar estes processos, como os de comparticipação, acrescentando ainda a desburocratização a toda a linha faz também parte das propostas, bem como um regime fiscal favorável para empresas que promovam I&D.
No debate, Maria Pia Bonneville referiu que ainda “há muito mais que pode ser feito feito nas farmácias, e remunerado, como por exemplo alargar a lista de doenças crónicas na questão da dispensa em proximidade e a monitorização destas doenças”. “A pandemia provou que é possível, e de forma segura, que os medicamentos cheguem à casa dos doentes, ou à farmácia mais perto de sua casa, e que eles os vão lá buscar, sem se deslocarem centenas de quilómetros para os hospitais”, disse. O moderador Paulo Silva referiu que esta era uma medida já legislada, ao que a representante dos liberais retorquiu que “há mais doença, mais patologias e mais indicações que podem chegar às farmácias”.
“As farmácias têm condições para terem mais do que três ou quatro patologias abrangidas. Há doenças crónicas pelo país inteiro. E há doentes crónicos pelo país inteiro, nas mais variadas patologias. E a capilaridade da rede de farmácias é tanta que é um desperdício, e uma má gestão do Estado, não aproveitar”, destacou.
Livre
Com apenas um deputado, Rui Tavares, o Livre quer ter, pela primeira vez na sua história, um grupo parlamentar e, consequentemente, ser uma força de consensos à esquerda.
Mais um partido, confirmando a tendência mais à esquerda, a falar na necessidade de captação e inovação para o Laboratório Nacional do Medicamento, foi representado no debate da APJF por Inês Pires. Reconhecendo o papel “fundamental” dos farmacêuticos e das farmácias comunitárias na “linha da frente dos cuidados de saúde primários”, relembrou que “os utentes vão também às farmácias para esclarecer dúvidas, pelo que os farmacêuticos são essenciais”.
Defendeu ainda um incremento na investigação clínica e científica, que necessita de ser “alavancada e reforçada dentro do Serviço Nacional de Saúde, também para valorização e ter em vista investimento internacional, para financiar projetos de investigação”. “O Livre propõe a criação do estatuto de Clínico-Invistigador, como opção que facilita também uma redução horária, para que os profissionais de saúde se possam dedicar à investigação. Isto pode valorizar a profissão do farmacêutico, que muitas vezes vê o seu conhecimento e a sua formação serem desvalorizados nas atividades do dia a dia”, disse ainda.
Partido Socialista
Aos comandos do país desde 2015, o PS vai a eleições com uma nova cara. Pedro Nuno Santos é candidato a primeiro-ministro para voltar a agregar o país a um projeto comum.
Criar mecanismos de medição de resultados em saúde associados a medicamentos e tecnologias, a partir de dados relacionados com a qualidade de vida dos utentes, de modo a relacionar custos com resultados, numa lógica de partilha de riscos, bem como criar equipas de enfermagem de urgência, e de acompanhamento continuado, que se deslocam a casa dos utentes mais idosos, a par da criação de serviços de entrega de medicamentos a idosos isolados, mediante articulação com a rede de farmácias, são medidas inscritas no programa socialista.
Nas palavras de Miguel Rodrigues, o entendimento do PS “é que o farmacêutico, para além do papel que já tinha, passou a assumir mais algumas funções durante a legislatura”. E concretizou com exemplos de acompanhamento de doença crónica e as extensões dos prazos de prescrição, o que faz o profissional de farmácia “assumir um grau de responsabilidade maior”.
“Neste espaço digital que queremos criar, e acho que este é um objetivo comum a todos os partidos, é suposto que possamos responder da mesma forma que, ou através da rede convencionada, ou através dos MCDT’s do Serviço Nacional de Saúde. E não é tão fácil assim. A questão da partilha de dados de saúde, e em particular do registo clínico com o farmacêutico, não é simples. Não podemos fingir que é uma coisa que se estala os dedos e fica feita”, explicou, relembrando projetos lei do PS que não foram adiante quando diante da Comissão Nacional de Proteção de Dados e do Conselho Superior de Magistratura. Em causa estavam situações que envolviam estudantes de medicina e observações clínicas.
Destacou que “há uma necessidade de aumentar aquilo que já está a acontecer em algumas regiões do país, quer do acompanhamento da doença crónica, quer do ponto de vista da prescrição e do acompanhamento da prescrição”. “E entendemos que as farmácias comunitárias têm que passar a ser não apenas recetáculos de informação, e isso é desejável numa lógica de partilha de registo clínico, mas também produtoras de informação e de referenciação para dentro do Serviço Nacional de Saúde, sempre que a sintomatologia indicar ou paciente necessitar”, disse ainda.
As eleições legislativas acontecem no próximo domingo, dia 10 de março. Já mais de 200 mil pessoas efetuaram o seu voto antecipado em mobilidade, no passado dia 3 de fevereiro.