Lições para a Saúde de 2022 1099

2021 foi um ano exigente e atípico, que colocou à prova todos os setores da sociedade. Assistimos a um colapso do Sistema Nacional de Saúde no início do ano, com uma explosão de casos COVID-19 no período pós-Natal e Ano Novo, e consequente confinamento nacional que apenas viria a aliviar em abril. Timidamente, fomos assistindo a diversas fases de desconfinamento, impulsionadas pelo sucesso do Programa de Vacinação. O retorno a uma aparente normalidade deveu-se, adicionalmente, à massiva disponibilização de testes de antigénio à população. Nesta questão, os Farmacêuticos desempenharam um papel crucial. Não obstante, a pandemia mantém-se determinada a acompanhar-nos, e novos desafios se avizinham, com o receio do escalar de uma crise socioeconómica. Deste modo, e numa perspetiva de Saúde Pública, importa refletir sobre as lições que devemos levar para o setor da saúde do ano de 2022.

A Saúde Mental foi, sem dúvida, uma temática mediática de 2020 e 2021. A pandemia ensinou-nos a importância do bem-estar da mente, e tornou transparente a vulnerabilidade dos serviços de apoio psicológico do país. Nas últimas semanas, o Governo tem comunicado medidas no âmbito de uma reforma da Saúde Mental face aos desígnios do seu Plano Nacional, tendo sido alocados 85 milhões de euros do PRR a esta questão. Importa assegurar que esta problemática será mantida como uma das bandeiras da saúde nos próximos anos e que não se volte a desvalorizar este que tem sido um problema crónico da sociedade portuguesa. Adicionalmente, é fundamental garantir que todos os portugueses consigam ter acesso a cuidados de saúde adequados, que tenham profissionais de proximidade e que não sejam penalizados pelas suas condições socioeconómicas. As farmácias, que têm sido um ponto de contacto privilegiado para uma interação intimista entre os seus utentes e os farmacêuticos, devem ser valorizadas neste âmbito, não só pelo acompanhamento próximo que proporcionam, mas também por poderem constituir-se como um importante portal de triagem para cuidados mais especializados na vertente da saúde mental.

A Saúde deve ser centralizada no Doente. Este tem sido um mote entre os profissionais de saúde, mas é crucial que signifique mais do que meras palavras. Para que qualquer português possa ser um player ativo na gestão da sua terapêutica, deve ser consciencializado em Literacia da Saúde. Esta é uma intervenção holística e multidisciplinar direcionada para uma estratégia de prevenção, e deve ser priorizada numa lógica de retenção de custos e de promoção de bem-estar social. Uma vez mais, as farmácias têm desempenhado um papel absolutamente louvável na sua abordagem educacional aos seus utentes. Esta metodologia conduz, de facto, a uma melhoria nos indicadores de adesão à terapêutica, pelo que os farmacêuticos devem continuar a apostar numa intervenção diferenciada de índole pedagógica.

Na mesma lógica de ideias, 2021 mostrou-nos o perigo da transmissão de falsos conhecimentos aos portugueses. Os movimentos anti-vacinas e anti-ciência ganharam força no espaço social, face à visibilidade e relevância que foram ganhando em todas as redes de comunicação. Uma lição crucial a retirar para 2022 é a necessidade de reforma da Comunicação em Saúde e na Ciência. Adicionalmente, esta deve ser integrada nos fóruns de discussão política, de modo a assegurar que os decisores nacionais estão efetivamente capacitados face não só às decisões de Saúde Pública que tomam, mas também à forma como as comunicam à população. Importa apostar numa aproximação de todos os portugueses à Ciência, independentemente do seu background social. Esta medida implica uma estratégia multidisciplinar que envolve a mobilização de todos os setores da sociedade e deve ser uma prioridade para 2022. Deve-se, assim, reforçar a importância da comunicação em Saúde nas farmácias portuguesas, enquanto matriz para um aconselhamento farmacêutico de sucesso.

A Integração de Cuidados no Sistema de Saúde deve ser vista como uma bandeira para a Saúde. Nos últimos anos, temos assistido a um aumento da despesa em Saúde, perspetivando uma melhoria dos seus indicadores. No entanto, continuamos a assistir a uma forte dicotomia entre o SNS e os demais agentes do setor, como a rede de farmácias portuguesas. A eficiência destas no programa de testagem massiva e nos programas de vacinas contra a gripe comprovam o seu valor para o Sistema de Saúde. Importa apostar na transdisciplinaridade e intercolaboração profissional entre os vários stakeholders da Saúde, com o objetivo de melhorar consistentemente os seus indicadores. Esta abordagem começa no Ensino, onde os estudantes devem ser educados para uma consciência colaborativa com as demais áreas do setor e da sociedade. Adicionalmente, é necessário dar visibilidade política à discussão do acesso e comunicação dos dados clínicos, por parte dos profissionais de saúde, nas variadas componentes do sistema nacional, garantindo todas as medidas de proteção à privacidade e o respeito pela autoridade individual dos cidadãos sobre os seus próprios dados. Este é um importante passo para uma melhoria transversal da qualidade dos cuidados de saúde.

A quinta e última lição parte dos próprios Farmacêuticos. Enquanto classe profissional, mobilizaram-se em prol dos Portugueses, na linha da frente contra a pandemia, nas mais variadas etapas do Ciclo do Medicamento. Estes são profissionais multidisciplinares e especializados para um vasto leque de intervenções de valor para a sociedade, e importa que sejam estrategicamente utilizados como tal. Adicionalmente, as farmácias têm adotado uma postura de autodiferenciação constante, modernizando-se em prol da melhoria contínua dos seus serviços à população. No entanto, é fulcral assegurar que em momento algum seja permitido que estas percam a sua essência, enquanto importante mecanismo para a dispensa racional e segura dos medicamentos, de aconselhamento e de monitorização da terapêutica. Porém, tornou-se evidente, nos últimos meses, que a adesão massiva da população aos programas de testagem COVID-19 sobrecarregou ao máximo a rede de farmácias, pelo que importa refletir se a comparticipação deste importante serviço, assim como das demais intervenções, é suficiente para assegurar o importante papel das mesmas na sociedade.

2022 será um ano de desafios, mas acredito que será também um ano de conquistas no setor da Saúde, se todas as lições dos últimos meses forem devidamente valorizadas pelos decisores. No entanto, não tenho dúvidas que, independentemente de qualquer que seja a adversidade que esteja reservada para o próximo ano, os portugueses poderão continuar a contar com os Farmacêuticos.

Bruno Alves
Presidente da Associação Portuguesa de Estudantes de Farmácia (APEF)