Uma das iniciativas mais recentes – da também recente – Associação Portuguesa de Farmacêuticos Residentes é a criação do Livro Branco da Residência Farmacêutica. Em entrevista ao NETFARMA, a comissão instaladora da associação explicou quais os objetivos da obra e destacou alguns dos temas a serem abordados, como o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal.
A APFR
A Associação Portuguesa de Farmacêuticos Residentes (APFR) foi oficialmente constituída a 25 de setembro de 2023, com a finalidade de ser uma entidade representativa dos internos de residência farmacêutica (IRF), de todas as especialidades envolvidas: análises clínicas, farmácia hospitalar, genética humana, e outras que possam vir a integrar a Residência Farmacêutica (RF), com o objetivo primordial da sua valorização no sistema de saúde.
Pretende assumir um papel de provedoria dos IRF, através do acompanhamento contínuo do funcionamento da Residência Farmacêutica, facilitando a resolução dos seus problemas concretos.
Abrir novos caminhos
O Livro Branco da Residência Farmacêutica (LBRF) está ainda numa fase muito inicial de desenvolvimento, estando-se a proceder à “recolha aberta de contributos através do formulário disponível publicamente, de resposta aberta, sobre vários tópicos que foram surgindo da experiência dos últimos 18 meses”. Esta recolha vai decorrer até final de setembro. “Depois, haverá um trabalho mais específico de focus group para análise e sistematização da informação”, revela a comissão instaladora da APFR.
Porém, prevê-se que o LBRF seja lançado “na primeira quinzena de dezembro, coincidindo com o final do trabalho da comissão instaladora da APFR”, referem os responsáveis, esclarecendo que “por imperativo estatutário, deverá realizar-se o ato eleitoral até final do ano, para que sejam eleitos os primeiros corpos sociais, para o biénio 2025-2026”.
Assim o LBRF seria uma forma” de fechar este ciclo de dois anos de RF, abrindo novos caminhos para os tempos que se seguem”.
Uma base de trabalho
Um dos objetivos do LBRF é “tentar dar resposta ao que poderíamos chamar de vazio, por um lado, em relação à existência de boas-práticas (soft law) que complementem o regime jurídico da RF e ajudem à sua aplicabilidade na prática das instituições, e, por outro, à visibilidade pública da RF no sistema de saúde e na própria profissão farmacêutica, fazendo um balanço dos primeiros dois anos e apontando caminhos para garantir a sustentabilidade futura do processo”.
Deste modo, de acordo com “o mecanismo participativo que escolhemos, a sua organização final estará dependente dos contributos recebidos ao longo destes meses”, explica a comissão instaladora. Para quem, o principal desafio de concretizar este projeto é, “de facto, deixar constante uma identidade pública e reconhecível para a RF, legando uma base de trabalho aos que venham a continuar este processo”.
Passar a ter um “GPS”
O LBRF pode ser uma ferramenta útil para “todos aqueles que queiram encarar a residência farmacêutica como uma nova trave-mestra do sistema de saúde português”.
Neste sentido, em primeiro lugar, é útil para os IRF, “por passarem a ter o que poderíamos chamar de “GPS” no seu itinerário formativo e profissional. Depois, para os orientadores e responsáveis de formação, que passam a ter mais um apoio na sua tarefa essencial de formação dos IRF”.
Mas poderá ainda ser um apoio para as “escolas farmacêuticas, como um instrumento para ajudar a construir o seu referencial formativo, de modo que os seus estudantes possam ter êxito na prova de ingresso na RF e seguir este percurso de especialização, aproximando-se da realidade profissional”.
Já para os farmacêuticos de outras especialidades, pode ser visto como uma “inspiração para lutarem pela sua diferenciação e por modelos de especialização e de organização de carreira congruentes com as melhores práticas internacionais. Podemos pensar no exemplo dos assuntos regulamentares ou até na farmácia de comunidade: não seria interessante discutir a atribuição de idoneidade formativa a farmácias de comunidade como se discute neste momento em França?”
Mas a comissão instaladora aponta ainda a importância do LBRF para os gestores hospitalares, “para os elucidar sobre a importância de desenvolverem funcionalmente a carteira de serviços farmacêuticos e para os sensibilizar sobre a importância de terem equipas farmacêuticas diferenciadas nas instituições, que vão além da mera gestão logística corrente”.
Por fim, poderá ser uma ferramenta para os decisores políticos, “explicando com clareza que é um caminho em que muito está por fazer, que os discursos de valorização do farmacêutico têm de passar à prática e que o investimento que o país está a realizar na formação destes profissionais tem de ter uma retribuição adequada para poder ter o retorno esperado”.
Redes de referenciação de serviços farmacêuticos
A RF, como internato de formação específica que é, “implica previamente um processo de avaliação e atribuição de idoneidade e capacidade formativa, que está em boa parte dependente da carteira de serviços que é oferecida em cada uma das especialidades envolvidas pelas instituições”.
Assim sendo, para a comissão instaladora, “é natural que o LBRF possa refletir sobre este tema, uma vez que a existência de um internato deve incentivar as instituições a repensar a carteira de serviços farmacêuticos, diferenciando-a funcionalmente, de modo a criar condições para a formação de especialistas que assegurem a prestação de cuidados farmacêuticos ao longo do tempo de forma sustentável”.
Além disso, poderá ainda “ajudar a uma melhor articulação entre instituições de maior e menor dimensão, criando o que poderíamos chamar redes de referenciação de serviços farmacêuticos, que já vão existindo em alguns casos, de forma informal, mas que importa institucionalizar e consolidar”. Esta experiência, ainda segundo a comissão instaladora, é aliás “a prática dos países mais avançados no que respeita à especialização farmacêutica, como Espanha, França, Itália ou Estados Unidos da América, e que foi a base da diferenciação e valorização das carreiras e internatos médicos em Portugal, ou seja, não estamos a inventar a roda”.
Equilíbrio entre a vida profissional e pessoal
É outro dos temas a abordar no livro branco. Isto porque, hoje em dia, segundo a comissão instaladora, “a gestão de carreira é muito diferente do que era há cinquenta, vinte ou mesmo dez anos”. No caso dos profissionais de saúde de maior diferenciação técnico-científica, como os farmacêuticos, existem particularidades que exigem um olhar diferente para este tema.
Deste modo, “no aspeto profissional propriamente dito, a inovação terapêutica, nos dispositivos médicos e nos meios de diagnósticos obriga a uma atualização constante, que exige tempo para estudo autónomo e condições de organização de trabalho para poder participar em ações de desenvolvimento profissional contínuo de modo a manter um perfil de intervenção relevante e diferenciado para o cidadão no sistema de saúde, onde tantos intervenientes procuram o seu espaço, e permitindo a afirmação de uma cultura de produção e divulgação científica”.
Por outro lado, “são necessários novos modelos de organização do trabalho não apenas voltados para a produção numérica, mas para que essa produção e prestação de cuidados seja efetiva – e tal não se consegue com horários burocráticos e rígidos, tabelas salariais desajustadas, ritmo lento da automatização de processos meramente mecânicos, desaproveitamento das experiências do teletrabalho na pandemia, entre outros aspetos”.
Por fim, a comissão instaladora chama a atenção para a “conciliação com a vida familiar, é em particular um aspeto muito importante nas decisões profissionais a tomar por cada um e deve estar assegurado esse equilíbrio, até como fator de salvaguarda da saúde mental”.