Num breve percurso pela sua carreira profissional e associativa, desde a Associação de Estudantes da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, passando pela presidência da Secção Regional do Sul e Regiões Autónomas da Ordem dos Farmacêuticos e a Federação Internacional Farmacêutica, onde desempenha o cargo de professional secretary, Luís Lourenço afirma que ter a possibilidade de fazer parte da solução «é uma sensação fabulosa». Exorta, assim, os farmacêuticos para que «sejam, façam!» que depois «a vida arranjará maneira de nos fazer sorrir com prémios como este».
Qual foi a influência do seu avô paterno na escolha da carreira de farmacêutico comunitário?
Luís Lourenço – Nasci no Porto e, na altura, todos os meus avós viviam na Invicta. Anos mais tarde, o meu tio-bisavô, proprietário de uma farmácia em Lisboa, faleceu. A minha avó paterna veio para a capital ocupar-se da farmácia seguindo-se o meu avô uns anos mais tarde, após se reformar.
Passei uma parte substancial das minhas férias da juventude com os meus avós na farmácia. Gostava muito de ver tudo a acontecer. E via também como o meu avô desenvolvia o seu trabalho. Penso que “absorvi por osmose” a sua dedicação profissional.
De acordo com os colaboradores da minha farmácia, sou muito parecido com ele, até nos trejeitos.
Como sempre gostei de Química e do que via na farmácia, optei por estudar Ciências Farmacêuticas e, após alguns estágios fora do país depois de concluído o curso, vim trabalhar com o meu avô.
A energia e a boa disposição também vêm do avô?
– Confesso que vem muito mais das minhas avós. Os meus avôs eram, claramente, senhores mais circunspectos e recatados.
E esse traço passou para os meus pais e para a minha irmã: o bom humor e a energia são traços comuns a todos na família.
Desde muito cedo que se distinguiu pela sua faceta de dirigente associativo. Depois de um ano como secretário, seguiu-se a vice-presidência da Associação de Estudantes da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto (AEFFUP) e, em 2001, a presidência. O que recorda do movimento estudantil?
– O curso de Ciências Farmacêuticas estendia-se por seis anos – cinco anos teóricos e um ano de estágio. Hoje talvez seja diferente, mas naquele tempo não era muito habitual que os estudantes se envolvessem na associação de estudantes durante os primeiros anos da faculdade. Contudo, tive a oportunidade e a felicidade de fazer parte da associação de estudantes logo no primeiro ano. Tive dois mandatos de aprendizagem, como secretário e vice-presidente e, por exemplo, logo no primeiro ano tive a possibilidade de participar no congresso de estudantes da International Pharmaceutical Students Federation (IPSF).
O terceiro ano da faculdade foi muito intenso. Além da exigência do curso, do ponto de vista académico, fui eleito presidente da Associação de Estudantes, jogava andebol de forma semiprofissional e foi o meu primeiro ano na IFSF enquanto membro sénior.
A minha ligação a um desporto coletivo como o andebol moldou muito a minha maneira de estar. Hoje em dia, dou comigo a ter alguns hábitos que vêm dessa altura. Por outro lado, o meu percurso associativo expôs-me à realidade internacional e também, desde muito cedo, aos desafios da profissão.
Esses três anos foram realmente importantes para cimentar os alicerces do trabalho em equipa e associativo, com a responsabilidade de representar pessoas e colegas. Foi algo que me marcou tremendamente.
Em 2002, foi eleito diretor do Departamento de Educação e Promoção da Saúde (DEPS) da Associação Portuguesa de Estudantes de Farmácia (APEF). Considera que os estudantes têm hoje uma presença mais forte nas estruturas representativas da classe farmacêutica?
– Penso que sim, e isso deve-se muito a um investimento claro das nossas lideranças nos jovens, desde há mais de 25 anos. No meu tempo de estudante, por exemplo, quer a Ordem dos Farmacêuticos (OF), quer a Associação Nacional das Farmácias (ANF), estimulavam e apoiavam muito os estudantes para participarem em eventos internacionais. Os tempos eram outros. Não havia e-mail, nem a facilidade de viajar como hoje, e os preços das viagens eram diferentes…
Eu e muitos outros colegas desses tempos beneficiámos dessa motivação das lideranças da altura. Fomos expostos a realidades educativas e profissionais diferentes, trouxemos o que de melhor se fazia a nível mundial e iniciámos uma curva de aprendizagem que se estendeu muito para além do período da nossa formação académica. É por isso que hoje muitos dirigentes associativos têm uma visão internacional da profissão e têm (tenho) uma preocupação muito grande em envolver os mais jovens. No fundo, queremos que tenham as mesmas oportunidades que nos facultaram na altura e sabemos que o investimento nas gerações mais novas trará retorno para a profissão no futuro.
Veja-se o exemplo da Concurso de Aconselhamento ao Doente (CAD), uma iniciativa que foi trazida da IPSF e um projeto que marcou toda uma geração. A uma certa altura, os estudantes começaram a aperceber-se de que precisavam de formação na área do aconselhamento. As associações de cada faculdade de Farmácia participaram num congresso da IPSF, onde o CAD era organizado seguindo as orientações do congénere (original) dos Estados Unidos e, quando regressaram a Portugal, começaram a organizar os seus eventos locais.
Quando a APEF foi criada, passou a organizar o concurso a nível nacional através do DEPS. Em 2002, quando dirigi o departamento, tive a oportunidade de coordenar o evento, após ter participado no mesmo durante vários anos. Enchia anfiteatros, era impressionante! As pessoas viviam-no intensamente a apoiar as equipas das suas faculdades.
A ligação internacional é essencial também no desenvolvimento de competências no envolvimento em instituições complementares entre si. Durante o meu percurso associativo, fiz parte de associações locais, nacionais e internacionais. O facto de ter estado em três dimensões associativas, e em cada uma delas com uma responsabilidade diferente, mas complementar, ajuda-me muito no trabalho que desenvolvo atualmente nas várias organizações das quais hoje faço parte.
Em 2002, quando ainda estava na direção da APEF, foi eleito diretor de Saúde Pública da IPSF e, no ano seguinte, diretor de Desenvolvimento Profissional, ambos da IPSF. Esta foi sempre uma vertente importante para si?
– Como já referi, a ligação com o ambiente internacional foi algo que sempre prezei bastante. Nos dias que correm, mais com a FIP, mas curiosamente também com a IPSF! Por exemplo, na Secção Regional estamos a desenvolver um projeto de promoção da profissão farmacêutica, o Pharmacy Profession Awareness Campaign (PAAC) da IPSF, que coordenei no passado enquanto diretor de Desenvolvimento Profissional… Na AEFFUP trouxemos o projeto da IPSF e está agora a ser desenvolvido na Secção Regional do Sul e Regiões Autónomas da Ordem dos Farmacêuticos (SRSRA-OF)!
No fundo, a experiência que tive a nível nacional utilizei-a posteriormente a nível internacional e, mais tarde, a experiência internacional é trazida para o ambiente nacional. Estas ligações à IPSF, que se estenderam pelos seis anos do curso, e os vários contributos dados à Federação, fizeram com que, em 2006, me fosse atribuído o estatuto de honorary life member da IPSF.
Estas experiências também marcaram o meu percurso académico. Por exemplo, desde que tive contacto com o trabalho realizado no Reino Unido na área do desenvolvimento da prática profissional, pensei em realizar um estágio no país. A oportunidade surgiu em 2005, quando realizei um estágio ao abrigo do programa Erasmus, em Londres.
Posteriormente, ainda em 2005, participei num concurso internacional que me permitiu estagiar na Organização Mundial de Saúde durante alguns meses. Isso deu-me a oportunidade de estar exposto à questão da Saúde Pública num palco privilegiado, o que me facultou uma perspetiva que ainda hoje tenho de interligação dos países nestas questões.
Já que falo de estágios, não posso deixar de referir que, fruto do trabalho muito próximo com a Dra. Manuela Teixeira durante a organização do CAD a nível nacional, tive o grato prazer de poder estagiar na sua farmácia. Foi uma experiência extraordinária! Costumo dizer que as minhas bases profissionais enquanto farmacêutico vêm desta minha experiência, e que a farmácia onde estagiei será sempre uma inspiração para a excelência profissional e humana.
Em 2006 começou a trabalhar na farmácia do seu avô. Nos anos seguintes, o seu envolvimento com as associações profissionais foi mais moderado…
– Sim, foram anos muito intensos de prática profissional. Em 2006, e após os estágios referidos, vim para Lisboa ajudar o meu avô. Na altura, o enquadramento do setor das farmácias comunitárias começou a sofrer uma alteração substancial, não só na questão da exclusividade da propriedade, mas também na permissão de dispensa de medicamentos não sujeitos a receita médica fora das farmácias, entre outras alterações. Houve mais mudanças em dois anos no setor do que durante as décadas anteriores, e vivenciei muito de perto a adaptação das farmácias a estas novas realidades.
Estive muito dedicado à minha atividade profissional durante alguns anos, e isso ajudou-me a ter uma perspetiva muito prática daquilo que é o exercício profissional. Curiosamente, esta dedicação intensa às questões profissionais, deram-me as bases para que, muitos anos mais tarde (2018) a farmácia [Central do Cacém] tenha recebido o Prémio Almofariz Farmácia do Ano.
Voltando aos primeiros anos de atividade profissional: na área internacional, devido a todos estes desafios, o meu envolvimento esteve restrito à participação nos congressos da FIP (onde fui voluntário na sua organização) até que, em 2010, assumi as funções de project coordinator no Young Pharmacists’ Group – International Pharmaceutical Federation (YPG-FIP) e, no ano seguinte, fui eleito chairperson da mesma estrutura.
E assim reiniciei um envolvimento muito ativo com organizações farmacêuticas. Em 2013 fui eleito secretary da Community Pharmacy Section (CPS) da Federação, cargo para o qual fui reeleito em 2017.
Após oito anos nesta posição, surgiu a oportunidade de assumir funções mais abrangentes na FIP e, em 2021, assumi as funções de professional secretary.
Nesta posição, o foco são as várias áreas de exercício profissional (e não só a da Farmácia Comunitária, mas também a área das Ciências Farmacêuticas e da Educação Farmacêutica). Faço ainda parte do executivo geral da FIP, que tem um papel mais de gestão da estrutura.
Como se processou a sua candidatura à SRSRA-OF?
– Ainda antes de assumir a candidatura, fui convidado pela Direção Nacional da Ordem dos Farmacêuticos para fazer parte do Grupo Profissional de Farmácia Comunitária. Com o Grupo criado, foi decidido reativar a especialidade de Farmácia Comunitária. Tinha havido uma tentativa de criar o Colégio de Especialidade uns anos antes, após a atribuição de alguns títulos de especialistas, mas nunca se efetivou…
A Direção Nacional decide então convidar colegas a quem reconhece um conhecimento muito capaz na área da Farmácia Comunitária, atribuindo-lhes a responsabilidade de criar um sistema de avaliação de especialistas, para mais tarde se constituir o Colégio. É assim que são criadas as Especialidades.
Fui então convidado para assumir a presidência da Comissão de Atribuição do Título de Especialidade em Farmácia Comunitária e sinto uma enorme satisfação por ter estado envolvido neste processo, que conduziu à constituição do Colégio de Especialidade em Farmácia Comunitária.
É no ano seguinte (2019) que surge o desafio para apresentar uma candidatura à presidência da SRSRA-OF.
Já tinha liderado equipas enquanto estudante, na farmácia e na FIP, mas nunca numa estrutura como a da Ordem. E nunca senti tanto a responsabilidade (e a capacidade) de contribuição para o desenvolvimento profissional da profissão.
Desde o primeiro dia em que assumi funções considerei importante ajudar a estrutura a evoluir, através da utilização dos meus conhecimentos e competências, assim como os dos restantes elementos dos Órgãos Sociais.
E fomos colocados à prova durante a pandemia de covid-19, tendo conseguido ajudar a Secção a dar não só resposta às necessidades dos farmacêuticos e da sociedade durante este período, mas também a adaptar-se para continuar a dar resposta à profissão.
O segundo mandato está a ser mais calmo?
– Os mandatos são sempre diferentes. No primeiro ano do primeiro mandato precisei de conhecer em pormenor a estrutura, investigar o histórico dos projetos, desenhar uma estratégia para a Ordem. Depois, veio a pandemia, que praticamente ocupou o resto do mandato.
Nas eleições seguintes há uma renovação da confiança dos colegas quando reelegem a lista que liderava. Na Secção Regional não só se regula a profissão como temos a oportunidade de interagir com várias organizações, não só da área da Saúde Pública, mas também da Administração Pública e da Sociedade Civil. Nessa interação, estamos sempre a ter ideias novas, a identificar novas necessidades e desafios. É um privilégio poder estar nesta posição e conseguir contribuir para o futuro da profissão. Estou grato aos farmacêuticos por me terem permitido viver esta experiência e a melhor maneira que tenho de retribuir é colocar a minha capacidade de trabalho e as minhas competências a bem da causa farmacêutica.
Já que estamos na fase dos agradecimentos, também tenho de agradecer à família por me apoiar neste (e em todos os outros) projetos, às equipas com quem tenho trabalhado (e aprendido), assim como a todos os meus amigos. Estive (e estou) rodeado de pessoas extraordinárias.
Voltando ao trabalho na Secção: estamos agora a robustecer a estrutura do ponto de vista de recursos humanos e de eficiência operacional. Tenho sempre uma preocupação em mente: só seremos bem-sucedidos se quem vier depois de nós conseguir fazer melhor do que foi feito.
Em 2006 tirou o Curso Geral de Gestão da Porto Business School e, em 2010, fez o Programa Avançado em Estudos Políticos, do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica. A gestão e a política sempre lhe interessaram?
– A formação é algo que me é muito caro e considero que esses cursos foram fundamentais para o meu percurso associativo e profissional. Em 2006, recém-chegado à Farmácia, apercebi-me que as minhas competências técnicas estavam lá, mas faltavam os conhecimentos e as competências em gestão. No Curso Geral de Gestão adquiri o que procurava, e ainda hoje utilizo muito do que aprendi no curso.
Por outro lado, sempre gostei da área política e desde os tempos da Associação de Estudantes que era frequentemente questionado sobre questões relacionadas com o governo das instituições e do país. O curso deu-me bases sobre os fundamentos da ciência política e tive oportunidade de aprender com um vasto conjunto de especialistas, de diferentes quadrantes. Hoje, muitas das minhas opiniões e decisões têm como base o que aprendi no curso, não só na vida pessoal como na vida profissional e associativa.
Antes do Prémio Almofariz Figura do Ano, recebeu vários outros prémios. A AEFFUP atribuiu-lhe o Prémio Carreira em 2005, a IPSF designou-o honorary life member em 2006 e, em 2017, recebeu a Fellowship da International Pharmaceutical Federation (FIP). O que representaram estes prémios para si?
– Penso que foram uma maneira muito singela de os meus pares reconhecerem o trabalho que desenvolvi, juntamente com as equipas com quem trabalhei nestas estruturas.
Como já referi, fiz parte da direção da Associação de Estudantes durante os meus três primeiros anos do curso e depois estive mais três anos envolvido, embora mais afastado, até completar o sexto ano da faculdade. Tive oportunidade de acompanhar a Associação e as suas direções durante vários mandatos.
Estive também, durante os seis anos da minha vida académica, sempre ligado à International Pharmaceutical Students Federation. Penso que o trabalho realizado a nível internacional, em estreita colaboração com as organizações nacionais e locais, foi reconhecido no prémio.
Finalmente, na FIP, após 10 anos de envolvimento crescente na estrutura, a atribuição entrega da Fellowship foi uma maneira de reconhecer essa dedicação à causa internacional dos farmacêuticos.
Foram todos muito simpáticos em atribuir este reconhecimento que, embora individual, é coletivo.
– Que questões gostaria de deixar fechadas, no âmbito do seu mandato como presidente da SRSRA da OF?
– Gostaria de deixar finalizado o projeto de construção da nova sede nacional e regional da Ordem dos Farmacêuticos. É importante que os próximos Órgãos Sociais da Ordem não se tivessem de preocupar com este projeto e conseguissem focar-se noutros que considerem importantes para a profissão.
Gostaria também de deixar uma Secção Regional que atrai e desenvolve novas lideranças. É essencial conseguir captar os melhores na profissão para os ajudar a serem a sua melhor versão, não só por uma questão pessoal, mas porque podem contribuir grandemente para a causa farmacêutica.
Por último, estamos dedicados a deixar uma Secção Regional mais sustentável. Queremos que quem vier depois desta equipa tenha reunidas as condições para fazer mais e melhor.
Por último, o que representa para si o Prémio Almofariz Figura do Ano?
– A atribuição do Prémio Almofariz foi algo fabuloso. Quando olho para ele sinto, por breves momentos, o que senti na cerimónia de entrega do galardão: uma enorme satisfação e muita vontade de continuar a contribuir para a profissão!
Relembro também o passado e todas as pessoas e projetos em que estive envolvido, é uma sensação fabulosa! Daí o meu repto aos colegas: sejam, façam! Contribuam para uma causa que é superior a nós próprios – cada um à sua medida, como é óbvio – que depois a vida arranjará maneira de nos fazer sorrir com prémios como este.
Entrevista publicada originalmente na Farmácia Distribuição #371 (dezembro de 2023)