Saúde e Inovação caminham de mãos dadas há muito tempo. Dos esforços de Hipócrates na Grécia Antiga aos estudos para tratamentos do cancro, todas as descobertas que trouxeram mais qualidade de vida aos cidadãos dependeram de pessoas capazes de usar a melhor tecnologia disponível para antecipar cenários, fazer experiências e evoluir rumo à cura. Hoje, somos capazes de testemunhar essa combinação, observando de perto os estudos para o combate ao coronavírus.
O mundo acompanha os esforços da comunidade científica e dos hospitais para lidar com a pandemia. A procura por equipamentos cada vez mais eficazes para salvar vidas é observada dentro dos nossos lares, equipados com TVs, computadores e dispositivos móveis, na melhor das hipóteses. É possível saber o que acontece no mundo todo à distância de um clique – bem como trabalhar, consumir e interagir através dos ecrãs.
Se anteriormente grande parte das interações era baseada no contacto direto, no olho-a-olho, hoje a tecnologia é a base das relações que mantemos. Dentro desse convívio virtual, estão as visitas à família, happy-hours com amigos, vídeo chamadas… e, cada vez mais, também as consultas médicas.
Neste último caso, a telemedicina é um recurso extremamente eficaz e com claro potencial de ganho financeiro e qualidade de vida – principalmente no período atual, mas essencialmente a médio e longo prazo.
Neste momento, plataformas deste tipo são procuradas pela sua capacidade de aproximar os médicos aos pacientes. No entanto, há muito mais capacidades que podem ser exploradas futuramente: a troca de informações e a aprendizagem entre profissionais de saúde, eliminando barreiras de distância, por exemplo.
Para se ter uma ideia, há cinco anos, uma cirurgia pioneira de joelho foi transmitida ao vivo, de Espanha para cerca de 300 universidades e hospitais dos cinco continentes, com o objetivo de formar profissionais neste novo tipo de procedimento. Essa “Master Class” contribuiu para que o uso da técnica cirúrgica estivesse disponível em novos âmbitos e zonas de recursos escassos: centros de saúde, ambulatórios, zonas rurais, hospitais de campanhas em missões de paz e clínicas veterinárias.
Há dois anos em Portugal o Centro Materno Infantil do Norte transmitiu em direto uma cirurgia microlaparascopia extraperitoneal para 200 médicos, num processo considerado pioneiro no nosso país. Este ano, 88 países acompanharam uma cirurgia complexa a três hérnias no abdómen, realizada no Hospital Pedro Hispano (Matosinhos).
Recentemente, a plataforma TELEA do Serviço Galego de Saúde (SARGAS) monitorizou em tempo real, quase quatro mil pacientes isolados com COVID-19, ajudando a detetar casos graves e reduzindo imediatamente a saturação nos hospitais e centros de saúde na comunidade espanhola. A única condição necessária para funcionar era que o paciente tivesse um dispositivo móvel ou um computador com ligação à Internet para registar as informações diariamente.
Há aqui um custo de implantação associado, é claro, mas o payback vem rapidamente e numa escala que merece ser analisada. Estudos do setor de saúde já demonstram que é possível reduzir internamentos de pacientes crónicos para metade e diminuir urgências em 40%, a partir do uso da telemedicina. Ao mesmo tempo, pesquisas da Market Research Future apontavam que este pode ser um mercado capaz de crescer 29,8% até 2023 (num levantamento pré-pandemia).
Em Portugal há cerca de meia centena de hospitais e centros de saúde de todo o país a recorrem à Telemedicina. Um cenário plausível, na medida que o país está envolvido com a Telesaúde desde o início dos anos 90. O PENTS (Plano Estratégico Nacional para a Telesaúde) lançado pelo Governo em 2019 foi um dos primeiros do mundo. De acordo com dados do Serviço Nacional de Saúde, até ao mês de maio contabilizaram-se 18.800 consultas de telemedicina em todo o país. Se analisarmos os meses após a quarentena, verifica-se um aumento significativo deste tipo de consultas. Em março registaram-se 3.397 consultas, mais 1077 do que no mesmo período de 2019. Em abril, o número de consultas por telemedicina subiu para 3941, mais 1295 do que no período homólogo.
Sem dúvida, esta situação já representa um avanço significativo. Mas ainda é necessário lembrar que hoje reconhecemos a telemedicina apenas associada ao atendimento remoto (Skype por exemplo) e estamos longe de ter plataformas e ferramentas adequadas, que permitam a expansão dos serviços prestados à distância, com eficácia. É necessário investir nos sistemas de saúde para que possam contar com tecnologia avançada para uma prática ampla e eficaz, atingindo benefícios úteis como o acesso a um histórico único do paciente.
Um projeto desenvolvido pela Minsait, na Colômbia, salta aos olhos em questão de interoperabilidade. Recentemente, a capital do país, Bogotá, implantou um projeto para integrar informações de pacientes em 22 hospitais públicos da região. A solução empregada é baseada em FHIR (Fast Healthcare Interoperability Resources), o último padrão de interoperabilidade desenvolvido e promovido pela organização internacional HL7 (Health Level Seven), empresa responsável por alguns dos protocolos de comunicação mais utilizados na área da saúde. A partir desta iniciativa, os profissionais da assistência médica obtêm respostas rápidas e precisas que os apoiam nos processos de tomadas de decisão clínicas, além de outras ferramentas que auxiliam em projetos de pesquisa clínica e trabalhos científicos.
Aproximar as pessoas, melhorar o atendimento a comunidades mais desprotegidas e facilitar diagnósticos são tarefas muito procuradas de momento, mas continuarão a ser cada vez mais importantes no futuro. Cumpri-las é o próximo passo para evoluir no tratamento de saúde global. Se hoje estas parecem representar um fim em si mesmas, nos próximos anos observaremos que são apenas uma primeira fase de tarefas que podem ser impulsionadas com o auxílio da telemedicina. A popularização e o desenvolvimento de novas tecnologias ganharão cada vez mais força, a um ritmo acelerado, nos próximos anos.
Se um dia acreditámos que o avanço do setor de saúde seria lento e gradual, rumo às novas descobertas, hoje temos a certeza de que a inovação é essencial para manter a saúde de cada vez mais cidadãos. Viver a história e ver esse processo acontecer na prática está longe de ser fácil, mas se existe algo que não muda desde o início dos estudos sobre a medicina é que avançar exige fundamentalmente um atributo: coragem. A telemedicina é mais um passo rumo ao futuro, e temos de estar preparados para encorajá-lo e recebê-lo.
Joana Miranda
Directora das áreas de Administração Pública e Saúde da Minsait, uma empresa da Indra