Sexta-feira, 20h30, a reunião de trabalho terminou. É hora de voltar a casa. Porém, antes de iniciar aquela longa viagem, é necessário encher o depósito de combustível. Enquanto aguardo para efetuar o pagamento, lembro-me das terríveis dores de dentes que atormentaram o meu dia e que teimam em não desaparecer. Numa olhada rápida pelas prateleiras da loja da estação de serviço, vejo aquele analgésico poderoso que, com grande probabilidade, resolverá o meu problema. Mas será aquele medicamento o mais adequado? Será incompatível com aqueloutro que ando a tomar? Pois bem, o debate sobre a venda de medicamentos não sujeitos a receita médica, fora das farmácias, já se instalou há algum tempo. Porém, recentemente, a Associação Nacional das Farmácias (ANF) reavivou a discussão. Com uma sugestão de alargamento dos locais de venda deste tipo de medicamentos, o mercado tradicional estremeceu. Será este mais um sinal de (necessidade de) mudança? Estaremos a precisar de implementar um novo mercado mais liberalizado? A dúvida persiste. A venda deste tipo de medicamentos foi já alvo de regulamentação, não obstante o (ainda?) grande ceticismo de algumas entidades, pelo que assistimos à criação de vários locais de venda de medicamentos não sujeitos a receita médica – nos supermercados, nas parafarmácias, etc. A sugestão a que nos reportamos coloca-se ao nível do alargamento dos locais de venda aos sítios que possam ser de conveniência e de maior proximidade para o consumidor – postos de correio, gasolineiras, restaurantes, quiosques (…). Em alguns países, como sejam Reino Unido, Holanda e Dinamarca, a venda deste tipo de medicamentos fora das farmácias encontra-se já liberalizada. Inclusivamente, nestes países, o leque de medicamentos autorizados para venda livre são definidos em função de substâncias, doses e embalagens. No entanto, estes são, ainda, uma minoria. Pois, à semelhança de Portugal, a Grécia, a Espanha, a França, ou até mesmo a Finlândia e a Alemanha são ainda tradicionalistas no que a este assunto diz respeito. Vejamos contudo as vantagens e as desvantagens associadas a este modelo. Em primeiro lugar, é apontada a evidente proximidade e a facilidade com que o consumidor poderá adquirir este tipo de produtos. O facto de se alargar os pontos de venda destes medicamentos parece, igualmente, ser um elemento de relevo, ao permitir o acesso, em, praticamente, qualquer local, ao tratamento de situações de saúde sem gravidade. Por outro lado, apontam os defensores da liberalização, com este alargamento e com o fomento da concorrência, para uma expectável descida dos preços dos medicamentos. Contudo, alguns estudos (apresentados pelo Infarmed) apontam para um afastamento significativo dos objetivos visados com a implementação do regime. Desde logo, a questão da maior acessibilidade ficou comprometida com a predominante localização dos pontos de acesso a estes medicamentos nos grandes centros urbanos. Por sua vez, ao contrário do esperado, o preço dos medicamentos também sofreu alterações, em sentido ascendente. Coloca-se, assim, a questão de saber quais são, na prática, os efeitos deste tipo de medidas. Promover a concorrência? Fomentar a diminuição dos preços? Facilitar o acesso? Estimular o consumo? Estaremos a contribuir para um aumento (significativo?) da automedicação – perigo para qual os especialistas têm, fortemente, alertado? Mas as dúvidas não ficam por aqui. Estarão os locais de venda munidos de todas as condições necessárias para a venda destes medicamentos? Terão estes condições de acondicionamento adequados? E pessoas instruídas capazes de fornecer um correto esclarecimento? A resposta mais ou menos concreta, mais ou menos acertada a estas questões poderá passar por um aprofundamento da legislação, e quiçá da sensibilização. Mas, então, o que fazer? O meu carro está lá fora a estorvar aqueles que aguardam para abastecer. Está quase a chegar a minha vez e ainda não decidi. Compro ou não o medicamento? Nem sei… Tiago Branco Costa |