Medicamentos inovadores: quais critérios de decisão?* 822

Numa declaração após o muito aguardado acordo para o financiamento do Sovaldi (tratamento inovador para a hepatite C), o presidente do INFARMED, Eurico Castro Alves, mencionou que «este será o início do inferno», em consideração da lista de medicamentos inovadores e caros que vêm aí. Entretanto soubemos que a despesa com medicamentos inovadores tinha mais do que duplicado desde 2011. O “processo hepatite C” foi longo e complexo; é urgente encontrar rapidamente processos que permitam atingir facilmente soluções socialmente aceitáveis.

Dadas as características únicas dos medicamentos inovadores e os seus benefícios para a saúde, não existe forma óbvia de calcular o seu preço (ao contrário, por exemplo, da aspirina, para a qual podemos observar os preços dos substitutos e concorrentes). Por isso, a definição do preço resultará sempre de um processo político, que deverá considerar a equidade, as prioridades sociais, e a sustentabilidade económica. Faz todo o sentido falar em “preços justos”, porque resultam das nossas preferências enquanto sociedade, e não de um qualquer mecanismo concorrencial. Para atingir um preço justo de forma transparente, sugiro que se explicitem claramente os critérios sociais da sua definição, através de uma fase de apreciação dos pedidos de comparticipação.

Seguem, de forma muito resumida, alguns elementos que poderão fazer parte desta fase, inspirados de experiências estrangeiras.

1.    Explicitar o critério de eficiência económica
Informalmente, admite-se em Portugal que um tratamento é custo-efectivo quando o seu valor é inferior a 30.000€/QALY. Este critério deveria ser explícito. Deverá ser adoptado um limiar inferior aos 30.000€, mais adequado à nossa capacidade de pagar, o que justificará preços inferiores.

2.    Explicitar o critério de impacto orçamental
Preços elevados podem ameaçar a sustentabilidade do SNS – implicando aumento de impostos ou renuncia a outras despesas indispensáveis. Sugiro que seja estabelecido um tecto anual de crescimento da despesa com medicamentos inovadores, absoluto ou relativo, tendo em conta a evolução esperada do orçamento do SNS.

3.    Explicitar o critério de necessidade terapêutica
As nossas prioridades em termos clínicos e terapêuticos não são claras. A ausência de alternativa terapêutica e o risco de morte poderão ser os critérios para priorizar as terapêuticas inovadoras.

4.    Explicitar o critério de necessidade social
As doenças prioritárias também não são claras. A carga da doença é melhor critério do que a prevalência. Sugiro priorizar os tratamentos inovadores para doenças mais incapacitantes durante mais anos, medido através das perdas em termos de DALYs em relação a um nível “expectável” de anos de vida saudáveis.

5.    Explicitar o critério de equidade
A diminuição das desigualdades em saúde é um objectivo central dos sistemas de saúde. Sugiro que sejam prioritários os tratamentos inovadores para doenças que afectam de forma desproporcionada e injusta os mais desfavorecidos.

6.    Ter em conta a incerteza
Deverão ser priorizados os tratamentos cuja incerteza em relação à eficácia é menor.

7.    Envolver os actores interessados
Todos os intervenientes devem poder compreender os critérios expostos acima, integrá-los na sua reflexão, e comprometer-se com eles. O debate da hepatite C foi confuso e pouco transparente, essencialmente marcado por pressões diversas através da comunicação social. A fase de apreciação, onde os critérios expostos acima deverão ser debatidos e ponderados, deveria ser a competência de uma Comissão de Comparticipação incluindo representantes dos médicos, da academia, dos administradores hospitalares, da indústria farmacêutica, e de associações de doentes, desde que todos compreendam que se trata de finalizar um acordo socialmente justo, e não de defender interesses particulares. Diferentes modalidades podem ser consideradas sobre a participação no voto de cada representante, e sobre a forma como chegar a um parecer final, que poderá ser vinculativo ou não.

Leituras:

Why Drugs Cost So Much, “The New York Times”;

Drug reimbursement systems: international comparison and policy recommendations, Belgian Health Care Knowledge Centre (KCE).

Julian Perelman,

Escola Nacional de Saúde Pública, Universidade Nova de Lisboa

(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores.)

* Texto escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico