Medicamentos: Na saúde e na doença, na abundância e na rutura 990

Dezembro é uma altura do ano propícia a balanços e definição de desejos para o ano que se segue. Este artigo pretende contribuir para a reflexão daqueles que situam a sua área de atuação na saúde e políticas públicas associadas.

Um dos acontecimentos que quero salientar deste ano diz respeito à dificuldade de as cadeias de abastecimento manterem os stocks de medicamentos nas farmácias. A rutura de medicamentos no mercado não é um evento anormal. Todos os anos existem ruturas em determinados fármacos, sendo permitida a sua troca por uma alternativa pela existência de substitutos perfeitos. No entanto, este acontecimento difere pela sua componente generalizada e pelo fator que a origina. Falamos da escassez de matérias-primas, que contribuem para a formulação principal (princípio-ativo) ou secundária (excipientes) dos fármacos existentes no mercado.

A escassez de matérias-primas não traz apenas rutura nos stocks e consequentemente quebras na procura destes medicamentos. Ela é também responsável por uma subida dos custos de produção que pode ser refletida num aumento do preço a pagar. Ora, uma “política de redução de preços” de medicamentos pode tornar-se insustentável num contexto de crescente inflação e aumento do custo de produção.

Vamos por partes.

As limitações na disponibilidade de matérias-primas são reais, quer por escassez efetiva do produto na sua origem ou por dificuldades associadas à cadeia logística, nomeadamente no transporte. Como exemplo temos o caso do amido (proveniente dos cereais), matéria-prima utilizada como excipiente na maioria dos comprimidos. Sendo primariamente produzido na Ucrânia, a sua disponibilidade foi reduzida, dando origem a um aumento “excessivo” do preço.

Uma limitação na sua disponibilidade origina uma redução significativa da quantidade produzida que irá estar disponível ao consumidor final. Desta forma, vemos que uma redução significativa da produção resulta na limitação da quantidade disponível ao consumidor final.

Para além disso, a escassez da quantidade de matérias-primas disponíveis é sinónimo de subida de preços, que consequentemente originam um aumento nos custos de produção também de forma generalizada, o que se pode traduzir num possível incremento do preço de venda dos medicamentos.

Em Portugal, o sistema de preços de referência estabelece um valor máximo a ser comparticipado, correspondendo ao escalão ou regime de comparticipação aplicável calculado sobre o preço de referência ou igual ao Preço de Venda ao Público (PVP) do medicamento, conforme o que for inferior. A possibilidade de uma alteração no preço de venda ao público poderá introduzir alterações na definição do preço de referência e, consequentemente, no valor comparticipado.

As consequências práticas deste fenómeno são tanto financeiras quanto em termos do estado de saúde da população. Em termos financeiros, tanto o Estado como o utente acabariam por pagar mais pelo mesmo produto. Em termos do estado de saúde, o utente veria o seu estado de saúde

agravado, para os casos de não cumprimento do regime terapêutico, por dificuldades de acesso. O Estado, por outra, veria a sua despesa aumentar pela introdução de custos com aumento da utilização do sistema de saúde com situações mais agravadas da doença.

Por este motivo, um dos desejos que faço para 2023 é que se considerem medidas que limitem o agravamento dos preços dos medicamentos de forma a não introduzir mais instabilidade económica no bolso dos utilizadores – especialmente numa população já tão pressionada do ponto de vista dos seus pagamentos diretos em saúde.

Joana Gomes da Costa
Economista da Saúde – Institute of Health Economics
Professora Auxiliar Convidada – Universidade de Aveiro