Médicos acham “profundamente preocupante” que ministro da Agricultura veicule desinformação sobre álcool 153

A Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública (ANMSP) considerou hoje “profundamente preocupante” que o ministro da Agricultura veicule desinformação sobre o impacto do álcool na saúde, alertando que contribui para a normalização do seu consumo.

Numa carta aberta dirigida aos ministros da Agricultura e da Educação, a associação expressa, segundo a Lusa, a sua discordância face às recentes declarações do ministro da Agricultura e Pescas, José Manuel Fernandes, à rádio TSF a respeito do impacto do consumo de álcool na saúde, em que defendeu a posição do Governo de não aumentar os impostos sobre as bebidas alcoólicas, os refrigerantes e o tabaco.

Afirmações como ‘a longevidade é maior onde bebem tinto verde’ e comparações com os efeitos da água (‘água em excesso faz mal’) não têm qualquer fundamento científico e desvalorizam os riscos conhecidos do álcool para a saúde, contribuindo para a normalização do seu consumo”, salientam os médicos de saúde pública.

Recordam que, em Portugal, o consumo de álcool constitui um grave problema de saúde pública, tendo sido responsável por 157.289 anos de vida perdidos por incapacidade e morte prematura e cerca de 45,37 óbitos por 100.000 habitantes em 2021.

“Atualmente, a evidência científica é clara ao demonstrar que não existe um nível seguro de consumo de álcool, sendo qualquer quantidade prejudicial para a saúde, tal como ocorre com o tabaco”, vinca a associação.

Deste modo, afirma a associação, “é profundamente preocupante que o Sr. Ministro da Agricultura e Pescas, cuja voz é naturalmente tida como credível pela população, veicule desinformação sobre um tema tão relevante para a saúde da população portuguesa”.

“Infelizmente, esta não é a primeira vez que governos constitucionais de Portugal se associam aos interesses comerciais da indústria do álcool”, lamenta.

 

Iniciativa “que, paradoxalmente, está mais alinhada com os interesses da indústria do álcool”

Os médicos de saúde pública recordam que, através dos ministérios da Agricultura e da Educação do último governo de António Costa, foi lançado um projeto do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto (IVDP) intitulado ‘Saber Beber, Viver Melhor — Educar, Informar e Prevenir’, com o objetivo declarado de prevenir o alcoolismo entre jovens, valorizando, simultaneamente, a cultura da vinha e da produção de vinho.

Em 27 de novembro de 2023, a ANMSP emitiu uma carta aberta à Associação Portuguesa de Bioética a criticar o projeto, direcionado a alunos do Ensino Secundário, abrangendo escolas dos 21 concelhos da Região Demarcada do Douro e dos municípios de Vila Nova de Gaia e do Porto.

É incompreensível que o Ministério da Educação tenha autorizado uma organização como o IVDP, cujas funções e atribuições se concentram na proteção dos interesses da indústria do álcool, a promover uma iniciativa educacional que visa combater o ‘alcoolismo’”, lamenta.

Para os especialistas, este envolvimento do IVDP representa “um claro conflito de interesses” e cria uma “situação ambígua que expõe a população escolar a riscos potenciais para a saúde e ao perigo de futuras dependências”.

Acrescenta que a parceria com o Ministério de Educação “confere credibilidade e legitimidade a uma iniciativa que, paradoxalmente, está mais alinhada com os interesses da indústria do álcool do que com a promoção de políticas públicas de saúde”.

“Tal decisão contrasta com a falta de investimento em programas de proteção e promoção da saúde no contexto escolar desenvolvidos por instituições credíveis, independentes e idóneas”, critica, acrescentando estar demonstrado que “ações educacionais promovidas ou financiadas pela indústria do álcool raramente são ‘neutras’, podendo servir como extensões da atividade política e marketing da indústria”.

A associação pede que sejam revistos os pressupostos de apoio a este e outros projetos semelhantes, presentes ou futuros, salientando que é responsabilidade partilhada destes ministérios “a definição de políticas que, embora considerando interesses vários, contribuam efetivamente para a redução e não agravamento da normalização do consumo do álcool em Portugal”.