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Médicos cubanos já custaram 12 milhões de euros

19 de Agosto de 2014

A contratação de médicos cubanos custou nos últimos seis anos cerca de 12 milhões de euros ao Serviço Nacional de Saúde. Acordos entre os dois países a que o “i” teve acesso, até aqui nunca divulgados, permitem pela primeira vez estimar o custo da medida lançada em 2009 pelo governo socialista para resolver as carências de médicos de família e que até à data não foi alvo de um balanço público sobre gastos e impacto.

Os documentos revelam também que, no início do protocolo, Portugal pagava mensalmente por cada médico 5900 euros, valor que o Estado não paga a nenhum médico no SNS como salário base. No final de 2011, o atual governo reviu o valor para 4230 euros.

Após uma queixa do “i” junto da Comissão de Acesso a Documentos Administrativos, a tutela forneceu o acordo de cooperação para a prestação de serviços médicos entre a Administração Central dos Sistemas de Saúde e os Serviços Médicos Cubanos. Este acordo foi assinado pela primeira vez pelo governo de José Sócrates em junho de 2009. Entretanto foi alvo de dois aditamentos pelo atual governo, o primeiro em dezembro de 2011 e o mais recente este ano.

Entre agosto de 2009 e 2011, no âmbito do primeiro acordo, Portugal pagou 259 600 euros/mês por um contingente de 44 médicos com horários de 40 horas nos centros de saúde mais 24 horas nas urgências. Este montante passou, em 2012 e 2013, a 164.970 euros mensais por 39 clínicos, sendo o tempo nas urgências reduzido para 12 horas. No passado mês de Abril, o acordo foi novamente modificado e o Estado subscreveu desta feita o pagamento de 4230 euros/mês por médico sem ficar à partida definido um montante mensal, que vai variar em função dos médicos destacados para o país e sem horas fixas nas urgências. Tendo em conta que a tutela anunciou a chegada de 52 médicos cubanos em maio, a despesa mensal será atualmente de 219.960 euros.

Cubanos só recebem uma parte

Estas quantias são depositadas trimestralmente pelas entidades onde estão a trabalhar os médicos numa conta da empresa de Cuba – Serviços Médicos Cubanos -, que paga aos profissionais destacados para Portugal menos de um quarto do que recebe do Estado Português.

Inicialmente, o pagamento aos clínicos era de 300 euros/mês e outros 300 numa conta em Cuba, sendo hoje de 900 euros. As restantes receitas destas missões, como já explicaram as autoridades cubanas, servem para financiar formação e o serviço de saúde cubano. O facto de os profissionais receberem apenas parte e menos do que os colegas que exercem a mesma atividade nos países onde são destacados tem sido alvo de contestação, sobretudo desde que em 2013 o Brasil assinou um protocolo idêntico.

O triplo por hora

Segundo o último aditamento, de abril de 2014, os médicos cubanos em Portugal contratados à empresa estatal de Cuba têm uma carga horária de 44 horas semanais. Dá 96 euros por hora, três vezes o teto de 30 euros que a lei portuguesa admite nas contratações a empresas fornecedoras de serviços médicos. Já em contratos com o SNS, o Estado só tem gastos desta ordem com assistentes graduados com exclusividade ou chefes de serviço. Um médico de família com a experiência exigida aos cubanos, atualmente de cinco anos, recebe 2.800 euros por 40 horas.

Segundo os acordos, Portugal chegou também a ser responsável pelo pagamento das viagens de e para Cuba, incluindo para férias, que os clínicos só podem gozar uma vez por ano e na ilha. Atualmente esta é uma obrigação de ambas as partes. O aditamento explicitou também que os profissionais ao abrigo deste protocolo não podem exercer outras funções nem frequentar formações que interfiram com a sua atividade assistencial. Além disso, determina que Cuba está obrigada a substituir os médicos que cessem funções por abandono da missão por causa injustificada ou indisciplina. Ao que o ”i” apurou, desde 2009 mais de uma dezena de clínicos deixou o SNS sem regressar a Cuba antes do fim da missão.

Este último acordo vigora até 2016 e revela que poderão ser contratados no máximo 100 médicos. O ”i” tentou perceber junto da tutela como se enquadra o pagamento destes médicos tendo em conta legislação que determina o teto de 30 euros por hora e se foi ponderada uma medida semelhante para fixar médicos nacionais em zonas carenciadas como alternativa a este protocolo, já que uma parte das verbas visa o financiamento do serviço de saúde de outro país.

Até à hora de fecho não houve resposta.

Acordo chapéu

Assinado o acordo bilateral, a empresa estatal Serviços Médicos Cubanos recruta profissionais de saúde na ilha em função do pretendido – em Portugal, atualmente o protocolo obriga a experiência de cinco anos em medicina familiar e domínio suficiente da língua portuguesa. Ao serem destacados, os profissionais têm um contrato com a empresa cubana e não com as instituições do país para onde vão.

Código de ética

Os colaboradores nas missões no estrangeiro estão sujeitos ao Regulamento Disciplinar para os Trabalhadores Civis Cubanos, revisto pela última vez em 2010. Este regulamento proíbe declarações a órgãos de comunicação e obriga os profissionais a informar os seus superiores de relações amorosas e da intenção de contrair matrimónio. Proíbe a participação em eventos de carácter político ou social sem autorização e obriga os profissionais a comunicarem aos superiores deslocações para fora das freguesias onde vivem. Não podem manter relações de amizade com nacionais ou estrangeiros cuja conduta não esteja de acordo com os princípios e valores da sociedade cubana ou assumam posições hostis ou contrárias à revolução cubana. Não podem também fazer declarações a órgãos de comunicação social sem instruções ou autorização prévia. As penas disciplinares vão de admoestação a multa e podem culminar na expulsão da missão.

Oito anos de interdição

Em caso de abandono da missão, uma violação do contrato, os profissionais ficam impedidos de regressar a Cuba por oito anos. Segundo a imprensa brasileira, mais de 30 médicos desertaram do programa Mais Médicos lançado em 2013. Na Venezuela, a imprensa dá conta de 3000 desertores durante todo o ano passado, mais 60% do que em 2012.