Médicos exigem reformas ao ministro 19-Mar-2014 Médicos e administradores hospitalares acusam o Ministério da Saúde de não ter avançado com a prometida reforma hospitalar para definir o papel e o perfil de cada unidade de saúde do país. E garantem que a falta de medidas está a limitar o acesso dos doentes aos serviços. Isto por permitir que muitos hospitais se recusem a receber doentes ou, quando são transferidos, cobrem indevidamente o valor ao estabelecimento da área de residência dos utentes. «Este ministro não fez reforma nenhuma. Só cortes e controlo orçamental. Não fez a reforma hospitalar que prometeu e isso está a prejudicar os doentes», avisa o bastonário da Ordem dos Médicos (OM), José Manuel Silva, lembrando que Paulo Macedo ainda não clarificou as redes de referenciação nem definiu que especialidades são necessárias em cada unidade de saúde. «Apenas mexeu na área dos medicamentos e fez uma reforma dos cuidados primários, que na realidade bloqueou os centros de saúde», critica o bastonário. A verdade é que o ministro tem já entre mãos vários estudos e relatórios de peritos sobre a reforma hospitalar, mas ainda não há decisões. Neste momento, as Administrações Regionais de Saúde ainda estão ainda a realizar o levantamento da carteira de serviços de cada hospital do país. Aliás, as medidas recomendadas num relatório concluído em dezembro de 2011 pelo Grupo Técnico para a Reforma Hospitalar, coordenado por Mendes Ribeiro, praticamente não foram aplicadas. «De facto, tem havido poucas alterações nas redes de referenciação», admite aquele especialista em Saúde, que no documento defendia a criação de uma malha hospitalar mais coerente e a necessidade de definir uma articulação entre os hospitais para as 41 especialidades existentes, sublinhando que apenas havia 19 aprovadas. «Das poucas redes aprovadas, umas estão desactualizadas e outras não são cumpridas», garante o bastonário, dizendo que isso permite que as unidades recusem constantemente os doentes. «Esta indefinição das redes cria constrangimentos que dificultam o acesso dos doentes», alerta, acrescentando que prova disso mesmo é ninguém ter acesso a essa informação. «Se alguém quiser saber, no âmbito de uma especialidade onde deve ser tratado, onde pode ver isso?», questiona José Manuel Silva.
Hospitais centrais cobram aos da periferia
A situação tem-se agravado nos hospitais da periferia. «Muitas vezes, encaminhamos doentes para Lisboa porque não temos capacidade, por falta de equipamento adequado, e querem que seja o nosso hospital a pagar o tratamento por ser a área de residência do doente» – conta um responsável de uma unidade periférica, lembrando que, se fosse assim em épocas sazonais onde estas zonas têm mais procura, a conta teria de ser enviada para os hospitais do local onde moram os doentes. Por outro lado, a falta de reforma hospitalar leva a que na capital se continue a ter, em certas especialidades, uma oferta excessiva, com custos elevados. «Abriram hospitais em Loures, Vila Franca de Xira e Cascais e é preciso reequacionar a oferta nos grandes hospitais, para não se gastar dinheiro em vão e depois não haver para tratar outros doentes», defende aquele administrador, de acordo com o “Sol”. O problema, segundo várias fontes, é que há uma confusão instalada que permite que muitos hospitais não cumpram as normas definidas, sendo depois difícil atribuir responsabilidades. «Neste momento, não há um comando único para os hospitais. As Administrações Regionais de Saúde (ARS) e a Administração Central dos Sistema em Saúde (ACSS) dão orientações ao mesmo tempo, atropelam-se e só criam confusão», avisa um outro profissional, considerando que as ARS deviam deixar de tratar dos assuntos dos hospitais e «dedicar-se apenas aos centros de saúde». A ideia de um comando único para os hospitais agrada à maioria dos peritos. «Há comando duplo das ARS e da ACSS e isso leva a que não haja uniformização de decisões», defende o bastonário. Mendes Ribeiro concorda: «É preciso repensar o modelo de gestão porque não está a produzir os melhores resultados. Deve existir um comando único para todos os hospitais do país». Tanto mais que as novas regras orçamentais impostas pela troika obrigam a um conjunto de procedimentos que levam os hospitais a depender ainda mais de acções e autorizações das ARS e ACSS. «E demoram meses para responderem aos pedidos», diz um diretor hospitalar, revelando que chega a demorar quase um ano para contratar um assistente.
«Internistas só por cunhas»
Uma das áreas mais afetadas com a falta de reforma da rede hospitalar é a dos cuidados intensivos. Segundo o Coordenador da Região Sul de Medicina Intensiva da Ordem, Rui Moreno, não há profissionais suficientes e não se estão a formar novos internistas por falta de vagas: «No ano passado, a tutela não abriu nenhuma vaga para internistas». Aliás, a OM há muito exige ao Ministério que os internistas tenham um mapa de vagas próprio, nacional ou regional. É que nos últimos anos os especialistas em cuidados intensivos que se formaram «tiveram sorte ou uma cunha», denuncia Rui Moreno. «Como não há lugares especificamente para eles, entram como anestesistas ou para Medicina Interna. Depois, já dentro dos hospitais, por cunha ou por sorte, conseguem ir para a um serviço de cuidados intensivos» – explica, acrescentando que isso «é injusto para os outros todos, que também querem seguir essa subespecialidade». Aliás, o ministro tem entre mãos um estudo sobre cuidados intensivos que aponta falhas nos recursos humanos e propõe alterações na reorganização e formação dos novos médicos – documentos que terão levado a ACSS a anunciar, na passada quinta-feira, a abertura de vagas («até 15») para esta subespecialidade. No país, dos cerca de 55 serviços de cuidados intensivos, 27 têm idoneidade científica e podem formar. «Como a formação dura 24 meses, podíamos formar 30 por ano», contabiliza Moreno, dizendo que na realidade se fica por metade. Na próxima segunda-feira, 16 médicos que concluíram a formação irão fazer o exame de acesso. Mas não chega: «A situação é preocupante. Temos um rácio de 4,2 por camas para 100 mil habitantes, quando a média europeia é de 11,1», alerta o responsável da OM, lembrando que «é por isso que acontecem casos como os que têm sido noticiados», em que os doentes não têm acesso ao tratamento de que precisam. «Mas o ministro parece apenas focado em tratar das fraudes dos médicos e não em fazer reformas», resume um outro profissional. |