Ministério admite alterar projeto de “lei da rolha” dos profissionais de saúde
21-Maio-2014
Ordem dos Médicos fala em «revolta de indignação» e ameaça romper toda a colaboração com o Ministério da Saúde. Uma das hipóteses de protesto passa pelo regresso, temporário, às receitas médicas passadas à mão, abandonando a prescrição eletrónica.
A Ordem dos Médicos (OM) está em guerra aberta com o Ministério da Saúde por causa da proposta de um código de ética para os funcionários do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Proibir os profissionais de «denunciarem as insuficiências do SNS» justifica «uma revolta de indignação», defende o bastonário José Manuel Silva, enquanto os responsáveis da OM/Norte querem avançar com medidas radicais, que implicam a «rutura» com a tutela e que podem passar pelo regresso, temporário, às receitas médicas passadas à mão e por conferências de imprensa diárias para denunciar «tudo o que corre mal no SNS».
Sem querer pronunciar-se sobre «uma matéria que não é definitiva», uma fonte do Ministério da Saúde recusou-se a comentar estas ameaças. Lembrou apenas que a proposta em causa «não está fechada», vai ser alvo de avaliação e pode entretanto sofrer alterações. Ou seja: os pontos polémicos da proposta podem ser adaptados ou até eliminados.
A confusão instalou-se depois de o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) ter divulgado, na semana passada, o parecer sobre um projeto de despacho, do gabinete do ministro da Saúde, que institui a obrigatoriedade de códigos de ética em todas as instituições do SNS e inclui uma proposta do modelo a seguir. O CNECV validou a proposta, apesar de ter sugerido algumas alterações.
O ponto que tem estado a desencadear maior controvérsia estipula que os funcionários do SNS «devem abster-se de emitir declarações públicas, por sua iniciativa ou mediante solicitação de terceiros, nomeadamente quando possam pôr em causa a imagem [do serviço ou organismo], em especial fazendo uso dos meios de comunicação social». É o regresso da “lei da rolha”, classificaram na sexta-feira vários responsáveis da OM, que se desmultiplicaram em críticas veementes ao projeto.
Agora, o presidente do Conselho Regional do Norte da OM, Miguel Guimarães, quer que a Ordem vá mais longe e passe «às ações, porque não pode fazer só comunicados». Por isso, vai levar a votação, na reunião do Conselho Nacional Executivo (CNE) do próximo dia 29, uma série de propostas que implicam a suspensão de todo o tipo de colaboração com o Ministério da Saúde. Além do abandono temporário da PEM (Prescrição Electrónica de Medicamentos), vai ser posta a discussão a possibilidade de os médicos deixarem de colaborar na elaboração de Normas de Orientação Clínica e de participarem na Comissão Nacional de Farmácia e Terapêutica. «Se o ministério não corrigir a proposta, é preciso ir mais longe, pedindo aos médicos para denunciarem à OM todas as situações irregulares e falhas que detetem, que posteriormente serão divulgadas em conferências de imprensa pela Ordem», acrescenta, citado pelo “Público”.
Esta posição resulta não só do projeto de código de ética, mas também da «ausência de respostas» do Ministério da Saúde a várias propostas que têm sido apresentadas pela Ordem dos Médicos para a resolução de vários problemas, explica. Um exemplo: «Já há alguns meses propusemos que a PEM, que está a funcionar com muitos problemas, fosse substituída pelo sistema anterior, mas o ministério não fez nada. Por isso vamos propor que os médicos deixem de usar a PEM durante 15 dias».
Sem querer antecipar aquilo que vai ou não ser aprovado no próximo Conselho Nacional Executivo, mas mostrando-se aberto para todos os cenários, o bastonário José Manuel Silva acrescenta que este «regulamento de censura» para os profissionais de saúde visa apenas «preservar a imagem do ministério e esconder insuficiências e deficiências graves que atualmente existem no SNS». «O dever de confidencialidade já existe e os médicos já estão proibidos de receber ofertas de valor superior a 25 euros, lembra o bastonário, referindo-se a outro ponto polémico da proposta, que prevê que todos os presentes sejam remetidos para a secretaria-geral do MS e depois oferecidos a instituições de solidariedade.
Sobre a possibilidade de uma nova greve dos médicos, avançada pelo ”Jornal de Notícias” na edição de terça-feira, Miguel Guimarães lembra que esta é «uma matéria de âmbito sindical», admitindo apenas que a hipótese tem sido «veiculada nas redes sociais».
As críticas ao projeto de despacho do ministério multiplicam-se, entretanto. A Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais contestou terça-feira o projeto de despacho, que classificou como «um verdadeiro instrumento de intromissão na vida das associações sindicais e profissionais do setor». Também o Fórum Saúde, federação que reúne mais de 30 associações de doentes, repudiou «frontalmente» o projeto, sublinhando em comunicado que «os doentes estão ao lado dos profissionais de saúde que os tratam e os ajudam a ultrapassar todos os infortúnios».