Um destes dias preenchi um questionário feito por dois amigos meus, Sara Almeida e Eduardo Costa, que têm como objetivo entender como os Portugueses mudaram os seus comportamentos depois da pandemia Covid-19. À medida que fui preenchendo o questionário, fui recebendo resultados estatísticos muito interessantes sobre os temas para os quais tinha acabado de responder. Porque fiquei algo surpreso com os resultados de uma dessas perguntas decidi analisá-los aqui neste artigo.
A pergunta mostrava algumas atividades e pedia que o respondente classificasse a sua reabertura como adequada, prematura ou atrasada. Qual não foi a minha surpresa quando verifiquei que o regresso do futebol era de longe o que mais preocupava os inquiridos, com 63% de quem respondeu a considerar o regresso prematuro. Eu sei que estarei nesta surpresa sozinho, afinal quase dois terços da população concordam com o resultado. Mas a minha surpresa deve-se ao facto de que até dentro dessa maioria, as pessoas com certeza entenderão que ter meia dúzia de jogos à porta fechada a cada semana implica menos contato social que ter lojas abertas, ou cresces, ou cerimónias religiosas ou outros espetáculos em que o público realmente pode comparecer ao espetáculo. Então porque é que as pessoas se preocupam mais com o futebol. E porque é que eu não?
A questão é que eu, que sou economista, me esqueci de ter em conta uma ferramenta simples do pensamento económico. Eu surpreendi-me porque pensei apenas no risco, que no caso do futebol é baixíssimo quando comparado com todas as outras atividades (pelo menos enquanto for à porta fechada). Mas o que as pessoas fizeram quando responderam não foi uma análise de risco, foi uma análise custo-benefício.
Sim, pode-se argumentar que os vândalos das claques vão na mesma para junto dos estádios. Também se pode dizer que há risco de aglomerações nos cafés quando há jogos. Mas isso é uma gota de água no oceano. Até porque só há 3 ou 4 grandes claques em Portugal e se os cafés funcionarem de acordo com as regras estão proibidos de acomodar grandes concentrações de gente.
Então não é uma questão de risco. O que se passa é que para a maioria da população o benefício do regresso do futebol é simplesmente muito baixo. Tão baixo que nem mesmo um risco baixo as leva a querer o regresso do futebol para já.
Olhemos agora à abertura dos serviços de cresces, pré-escolar e ATL. Embora um número alto de pessoas considere a reabertura destes serviços prematura (45%), ela só aparece em 4º lugar nesta lista, bem abaixo do futebol. Mas aqui não vai haver distanciamento social. As regras de higiene são muito mais difíceis de cumprir. Logo, será uma forma fácil de “juntar” várias famílias num possível grupo de contágio. Então porque é que preocupa menos a população?
Novamente, não é uma questão de preocupação. É uma questão de custo-benefício! O custo é alto (muito mais alto que o do futebol), mas o benefício também é enorme. Para mim não, que não sou pai. No meu egoísmo podia voltar o futebol (do qual sou bastante fã => benefício maior) e as cresces permanecerem fechadas. Mas consigo imaginar o drama dos pais e mães a tentarem trabalhar de casa com os filhos ao lado… Ou os pais e mães que lentamente regressam aos seus locais de trabalho e não têm com quem deixar os filhos.
Então no fim de contas as pessoas estão todas a fazer economia na sua cabeça. As atividades e serviços de maior risco podem voltar desde que o seu benefício esperado seja suficientemente alto para compensar o seu custo esperado.
O futebol que ainda há uns meses parecia tão importante caiu agora na lista de preferências da população que se viu privada de outras coisas bem mais importantes. Essas foram para o topo da lista!
Luís Filipe
Nova School of Business and Economics, Nova SBE
Referências do inquérito:
https://novasbe.az1.qualtrics.com/jfe/form/SV_9TcZWXjdAEclWPb?fbclid=IwAR0lkpa5PbOVPX2il3JgWedgMlb_o4UvD4dkyd83kv5ik5mOmLHl6eotq5I