“Não olho para a emigração qualificada como um desperdício, mas sim como uma oportunidade” 825

Daniel Guedelha é o primeiro orador confirmado do Rethinking Pharma 2024, onde vai falar sobre “Novos modelos de negócio: Há futuro para a IF em Portugal?”. Com mais de 15 anos de experiência na indústria farmacêutica (IF), o português reside em Basileia (Suíça), um dos maiores hubs mundiais do cluster farmacêutico. É atualmente chief of staff do presidente de Saúde Global e Sustentabilidade de uma das maiores cinco empresas farmacêuticas a nível mundial.

Em entrevista exclusiva ao Netfarma, Daniel Guedelha explicou que este percurso de vida fez com que “desempenhasse diversas funções em várias áreas ao longo da cadeia de valor do medicamento”. Isto torna a sua carreira “bastante única”, contemplando esta passagens por Investigação e Desenvolvimento, Produção, “Global Supply Chain”, e até funções mais comerciais como “Global Key Account Management”, “Merger & Acquisitions”, “Business Development” e “Corporate Strategy”. O que significam todas estas posições? “Conhecer a fundo o que a IF faz e pôr as mãos na massa praticamente em todas as áreas da big pharma“, refere.

Numa altura em que cada vez mais se fala da emigração portuguesa qualificada, Daniel Guedelha admite ter uma “visão diferente da maioria das pessoas”. “Eu não olho para a situação como um desperdício. Muitos lamentam, diz-se que os talentos estão todos a ir para fora, mas para mim não é um desperdício, é uma enorme oportunidade”, garante. E explana: “Um ponto muito importante é que temos de conseguir materializar este talento que não está em Portugal e, de alguma forma, capturá-lo. Existe imenso talento português no mundo. Esta é uma realidade que eu conheço muito bem”.

“Estou há mais de 15 anos em Basileia e saí de Portugal porque quis ter mundo e horizontes. Estou num dos maiores clusters globais da indústria farmacêutica. É comparável com Boston, nos EUA. Só a Novartis e a Roche, que têm lá as suas sedes, têm facilmente nos seus quadros mais de 200 portugueses de topo, altamente qualificados, talentosos e diferenciados”, garante.

Posto isto, o facto de o talento nacional ganhar, fora de Portugal, “outras competências, trabalhar com outras culturas, absorver o que se faz lá fora, e errar, porque erra-se muito, é uma enorme mais-valia”, e uma vantagem a explorar. O catch, segundo Daniel Guedelha, é que “temos de garantir que este talento contribua para o nosso país”.

“A palavra contribuir é muito importante. E esta contribuição pode ser um regresso físico a Portugal, mas um contributo intelectual acrescenta tanto valor ou, muitas vezes, ainda mais. E este contributo intelectual pode passar por troca de ideias, entre os nossos talentos que estão lá fora e os que estão em Portugal. Existem muitas formas de podermos absorver este talento, que é importantíssimo. Temos de fazer um esforço, com caráter de urgência, para perceber como capturar este talento. Não precisam voltar todos, mas precisamos garantir que estes cérebros contribuam para o nosso país”, frisa.

O português residente na Suíça explica ainda, de forma simples, que algo “muito português” é existirem “casinhas e quintinhas, sendo necessário quebrar isso e ter curiosidade na troca de informação, de talento, de cérebros”. “Precisamos de catalisadores e não tem necessariamente de passar pelo Governo. Se alguma iniciativa precisa de ser feita, então vamos fazer nós, a sociedade civil, o cluster farmacêutico. Por exemplo, vamos fazer o Rethinking Pharma”, diz ainda.

“Nos mais de 15 anos em que tenho trabalhado fora de Portugal, constato que existe um número muito elevado de portugueses altamente qualificados com uma enorme vontade de partilhar o fantástico conhecimento adquirido ao longo destes anos”, continua. “Temos de aproveitar esta oportunidade: as instituições portuguesas (incluindo as universidade) têm de aproveitar este manancial de conhecimento absolutamente incalculável. Deixo aqui o apelo a todos os leitores, se for uma dessas pessoas, que gosta de partilhar o seu conhecimento, por favor entre em contacto comigo”, pede.

Sobre Basileia, uma cidade com cerca de 178 mil habitantes, Daniel Guedelha adjetiva-a como sendo uma cidade “ao estilo de Coimbra”. Contudo, não deixa de ser um dos maiores hubs do planeta ao nível da IF. E “quando falamos em hubs, falamos sempre em ecossistema”. “É importante, em Portugal, pensarmos em ecossistema. E isso implica derrubar alguns muros”, explica, referindo ainda o facto de em Basel estarem as sedes de empresas multinacionais como a Novartis, Roche, Syngenta, Lonza, Davidoff e Dufry, sendo que “numa comparação grosseira”, o PIB desta cidade é comparável ao de Portugal [para referência, em 2021 foi de cerca de 216 mil milhões de euros]. “É uma coisa absolutamente extraordinária”, remata.

“E quando falamos de ecossistema, falamos de um conjunto de elementos existentes na cidade, como as cerca de 30 mil pessoas a trabalhar na área da saúde, o que é extremamente diferenciador e um fator impressionante. E além de instituições académicas fortes, há grupos privados e grandes empresas farmacêuticas – só a Roche e a Novartis têm cada uma vendas globais de mais de 50 mil milhões de euros -, o que resulta numa âncora gigante. E, depois, além de fundos ligados a estas empresas farmacêuticas, existe investimento em startups, muitas a gravitar em torno destas gigantes”, refere.

Rethinking Pharma 2024: Entre já em modo Fast Forward

Para terminar, e deixar ainda com mais ansiosos os que pretendem ouvi-lo no próximo dia 6 de junho, no Rethinking Pharma 2024, Daniel Guedelha conclui: “Tudo se resume a ecossistema e às pessoas falarem e articularem-se umas com as outras, derrubando barreiras e a cruzando informação. O essencial é ecossistema, ecossistema e ecossistema”.