No seu novo filme, “Where to Invade Next”, o realizador Michael Moore (vencedor do Óscar e do César para Melhor Documentário em 2002 com “Bowling for Columbine” e da Palma de Ouro do Festival de Cannes em 2004 com “Fahrenheit 9/11”) analisa diversas políticas internacionais que deveriam ser, na sua opinião, importadas pelos norte-americanos. Nesta lista, Portugal é apresentado como um exemplo a seguir no que toca à descriminalização do consumo de drogas ilícitas. O documentário apresenta uma entrevista a três polícias portugueses que sublinham a importância de tratar os pacientes com dignidade – um dos aspetos principais da formação a que as autoridades estão sujeitas. Há cerca de quinze anos, o governo português implementou uma reforma (lei 30/2000) que, apesar de descriminalizar a aquisição, posse e o consumo de drogas ilícitas, não os legalizou. Assim sendo, estes atos continuam a ser legalmente proibidos, mas as violações desses impedimentos são consideradas como exclusivamente administrativas e são removidas da esfera criminal. Como tal, estes comportamentos deixaram de ser tratados nos tribunais e passaram a constituir uma contraordenação social. Ao mesmo tempo, o tráfico de droga continua a ser processado como uma ofensa criminal. Na prática, quem for apanhado pela PSP ou pela GNR a comprar, na posse ou a consumir substâncias ilícitas, em quantidades inferiores às previstas por lei, é conduzido à Comissão para a Dissuasão da Toxicodependência (CDT) mais próxima. Estas comissões são constituídas por equipas multidisciplinares de intervenção social, que avaliam a situação e decidem se devem encaminhar os indiciados por contraordenação para serviços de apoio especializado. Para além disso, podem ainda aplicar penas de trabalho a favor da comunidade, pagamento de sanções ou a obrigação de apresentação periódica em determinado lugar. Estes serviços assumem uma particular relevância uma vez que constituem a “porta de entrada” no sistema de saúde e na reinserção social para indivíduos que, dificilmente, procurariam ajuda por sua própria iniciativa. O modelo português é hoje apontado internacionalmente como um caso de sucesso. A revista britânica “The Economist”, por exemplo, defende que a reforma «foi benéfica e não teve efeitos secundários negativos». O mesmo é mencionado pelos jornais “Der Spiegel”, “Independent” e “The Washington Post”. Mas nem sempre foi assim. Em 2001, Paulo Portas, então líder do Partido Popular, advertiu em entrevista ao “The Times”: «Haverá aviões cheios de estudantes, dirigindo-se ao Algarve, para fumar marijuana e coisas piores, sabendo que não os colocaremos na cadeia. Prometemos sol, praias e qualquer droga de que se goste». Vamos analisar os números. Em Portugal morrem 3 pessoas em um milhão por overdose por ano – em claro contraste com a média da União Europeia que se situa nos 17,3 (ver gráfico em baixo).
Fonte: “The Washington Post” Segundo João Goulão, um dos autores da lei e o primeiro português a dirigir o Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência, verificou-se «uma descida do consumo de substâncias ilícitas [estupefacientes como canábis, cocaína, heroína, LSD] nos jovens com idades entre os 15 e os 19 anos». «Há uma evolução quase vertiginosa na queda da percentagem de pessoas infetadas com o vírus da sida entre os toxicodependentes», acrescentou o atual responsável pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (ver gráfico em baixo).
Fonte: Casimiro Balsa, Clara Vital, and Cláudia Urbano, “Ao Consumo De Substâncias Psicoativas Na População Portuguesa, 2012: Relatório Preliminar,” (Lisbon: CESNOVA – Centro de Estudos de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa, 2013). No entanto, tal como o próprio afirma: «Não é possível estabelecer uma relação causa-efeito entre a evolução destes indicadores e a descriminalização. Há um pacote completo de políticas que têm vindo a ser prosseguidas e eu penso que é o resultado desse pacote que nos tem levado a uma evolução positiva». De qualquer forma, parece seguro afirmar que o apocalipse previsto não aconteceu. Outra questão importante que deve interessar aos investigadores é a da validade externa – a de saber se os resultados são dependentes da situação particular do contexto português ou se as suas conclusões são verdadeiras e generalizáveis a outros países. João Pereira dos Santos, (A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores)
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