Qual idade?* 705

O reconhecimento das consequências de uma população cada vez mais envelhecida tem sido foco de atenção na construção de políticas públicas sustentáveis na luta por evitar um potencial declínio da economia e a desordem social. Os princípios subjacentes estão já estabelecidos: prolongar a vida útil da população, conseguir mais anos de vida com mais saúde e garantir a capacidade de resposta dos sistemas de saúde e de apoio social e fiscal.

Face a uma população envelhecida, os sistemas de saúde têm de lidar com um aumento da carga de doenças geriátricas como a insuficiência cardíaca, artrite, cancro ou a doença de Alzheimer. Mas já é claro que o envelhecimento da população não deve ser visto como uma “bomba relógio” nem como uma ameaça para a despesa pública em cuidados de saúde.

É necessário proceder com uma gestão de recursos inteligente e apostar na provisão de cuidados primários e medidas de prevenção. Por outro lado a combinação de uma população envelhecida com um aumento de doenças crónicas pode levar a uma distribuição desigual dos acessos aos cuidados de saúde onde só os mais ricos terão acesso às condições necessárias para envelhecer de acordo com os novos padrões.

No caso Português, numa recente publicação da Fundação Francisco Manuel dos Santos, intitulada “Dinâmicas demográficas e o envelhecimento da população Portuguesa”, os autores permitem-nos ter uma noção das diferentes características demográficas da população envelhecida no país. O estudo visa descrever e analisar a evolução das estruturas etárias da população portuguesa entre 1950 e 2011, encontrar as causas demográficas e formular potenciais perspectivas para o futuro. Para além das grandes diferenças entre regiões, aquando da minha leitura não pude deixar de notar que as diferenças entre homens e mulheres já conhecidas em termos de longevidade se estendem ao modo como se envelhece. Em particular em relação ao estado de saúde, as mulheres tendem a auto-avaliar a sua saúde em patamares inferiores à dos homens. Enquanto que esta diferença pode simplesmente indicar uma maior preocupação com o estado de saúde que leva a uma auto-avaliação mais negativa, existem outros indícios que nos fazem acreditar que o processo de envelhecimento é mais longo mas também mais pesaroso para as mulheres. Desde o seu papel no mercado de trabalho e no lar, às características físicas, são diversos os factores que contribuem para a fragilidade da mulher idosa. Para além disso, os valores tradicionais que levaram muitas mulheres a ficar em casa a cuidar da família e a falta de oportunidade de estudos aumentam as probabilidades do seu empobrecimento e dependência económica.

São várias as iniciativas tomadas a nível Europeu para responder às necessidades deste fenómeno demográfico. Do lado da Comissão Europeia existem estratégias e parcerias com os estados-membros nomeadamente no domínio da inovação aplicada ao envelhecimento activo e saudável. No passado dia 3 de Maio foi publicado o Relatório sobre o Envelhecimento de 2015 que aborda os desafios económicos, orçamentais e sociais que os decisores políticos Europeus terão de enfrentar no futuro.

Mas será esta a melhor forma de responder às necessidades dos mais idosos? Pergunto-me qual é o verdadeiro impacto de medidas tomadas ao mais alto nível face a um desafio tão diversificado. Para além do envelhecimento produzir efeitos diferentes de pessoa para pessoa, os desequilíbrios populacionais sociais e económicos regionais reflectem-se em desequilíbrios no estado de saúde das populações em geral. Em Portugal, como no resto do mundo, as diferentes características da população levam a uma distribuição heterogénea do envelhecimento ao longo do território, resultante também das diferentes dinâmicas de migração. Neste sentido, o alcance de uma distribuição de saúde equitativa entre géneros, idades e territórios será possível uma vez que que as iniciativas tomadas ao mais alto nível incluam a transmissão de mecanismos de e recursos em cadeia e um acompanhamento da implementação de medidas a nível local.

Com isto quero dizer que, apesar de toda a preocupação que se vive com o futuro, neste momento existem necessidades particulares que continuam por ser atendidas. Mesmo reconhecendo que algumas Câmaras Municipais ao longo do país tenham vindo progressivamente a tomar iniciativas de apoio aos idosos, não existem mecanismos de monitorização nem estratégias centralizadas de acompanhamento da implementação de medidas eficientes ou controlo de padrões de qualidade. A assistência nos cuidados de saúde prestados aos idosos de hoje que se encontram em lares, centros de dia ou no domicílio e que deveriam ter acesso a serviços especializados, não necessariamente por serem idosos, mulheres ou homens de regiões menos desenvolvidas, mas por estarem em situações de fragilidade extrema.

É necessário acabar com os estereótipos associados ao envelhecimento, e aumentar a qualidade dos cuidados fornecidos de uma forma transversal às pessoas com maiores dificuldades independentemente da etapa de vida em que se encontram. A assistência a lares de idosos e centros de dia deveria contar com o apoio de profissionais de saúde motivados e em condições de prevenir internamentos e processos dispendiosos para o Estado e para o indivíduo.

É importante aumentar o valor e as condições de trabalho dos enfermeiros e de outros profissionais desta área para que a saúde e o envelhecimento saudável não se tornem bens de luxo devido à falta de gerência ou à má alocação de recursos públicos.

Embora estes casos possam, à primeira vista, não se apresentar como uma prioridade no actual contexto económico, uma análise mais cuidada e detalhada permite antever que, apostando nos cuidados de saúde primários, não só se melhora a qualidade de vida dos nossos cidadãos, mas também se reduz largamente os gastos em transportes de emergência, internamentos hospitalares e medicamentos de fase aguda, bem mais dispendiosos que a terapêutica de fase crónica. Esta aposta no presente representa assim um avanço imprescindível para a humanidade e para os cuidados de saúde de uma sociedade que se diz moderna.

Referências:
Bandeira M. L., Azevedo A. B., Gomes, C. S., Tomé, L. P., Mendes, M. F., Baptista M. I., Moreira, M. G. e Cabral, M. V. (2014), Dinâmicas demográficas e o envelhecimento da população Portuguesa (1950-2011): evolução e perspectivas. Fundação Francisco Manuel dos Santos;
World Health Organization, (2007), Women, Ageing and Health: A Framework for Action. UNFPA;
Santos, P. (2015) Descentralização ou Desresponsabilização? Trocando em miúdos. Expresso.

Sara Valente de Almeida

(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores.)

* Texto escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico