O Conselho de Ministros deverá aprovar na quinta-feira o novo Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (SNS), um documento com “soluções estratégicas” para um setor sob pressão devido à pandemia de covid-19 e à organização da resposta aos utentes.
Cerca de 30 anos depois do atual ter sido publicado, em 1993, a proposta de estatuto do SNS foi aprovada em Conselho de Ministros em outubro, seguindo depois para consulta pública e audição de várias entidades, com o Governo a prever inicialmente que entrasse em vigor com o Orçamento do Estado para 2022, que entretanto foi “chumbado” no parlamento no final de 2021.
Na quarta-feira, a ministra da saúde, Marta Temido, anunciou no parlamento que o novo estatuto vai ser aprovado esta semana em Conselho de Ministros.
O Programa do Governo salienta que o estatuto, a par dos investimentos previstos no Plano de Recuperação e Resiliência, vai contribuir com os “instrumentos necessários para a mudança efetiva do SNS”, explica a Lusa.
O documento, que vai permitir regulamentar aspetos específicos da Lei de Bases da Saúde aprovada em 2019, surge numa altura em que o SNS ainda está a recuperar a atividade assistencial aos utentes prejudicada pela pandemia de covid-19.
Nas últimas semanas, alguns hospitais públicos confrontaram-se também com dificuldades em assegurar as escalas completas de médicos especialistas em obstetrícia e ginecologia para as urgências e bloco de partos, resultando em constrangimentos e no encerramento temporário desses serviços, com o reencaminhamento das utentes para outras unidades.
Essa situação tem levado os representantes dos médicos a denunciar a saída de especialistas do SNS para o setor privado, por falta de atratividade dos hospitais públicos, com o Governo a garantir que, desde 2015, entraram no SNS mais 32.000 profissionais – 15.000 nos últimos dois anos, 4.000 dos quais especialistas.
A este contexto a ministra Marta Temido tem respondido com as “soluções estratégicas” previstas no novo Estatuto do SNS, alegando que vai concretizar uma visão em termos de recursos humanos com a autonomia das contratações, com incentivos aos profissionais de saúde e com pactos de permanência nos serviços públicos.
Na área da gestão, uma das principais inovações do documento é a criação de uma nova Direção Executiva ao nível central, a quem vai competir coordenar a resposta assistencial das unidades de saúde e assegurar o funcionamento em rede do SNS.
O Governo alega que esta nova entidade vai assumir uma função de coordenação operacional do SNS que se revelou necessária na resposta à pandemia e que deve ser agora reforçada, mas a Ordem dos Médicos considera que é um “disparate” por já existirem estruturas que podem desempenhar as mesmas tarefas.
Em matéria de recursos humanos, o novo Estatuto prevê a dedicação plena de aplicação progressiva aos médicos do SNS, numa base voluntária, contemplando um acréscimo remuneratório a negociar, um novo regime incompatível com funções de direção técnica, coordenação e chefia em instituições privadas de saúde.
A proposta que foi aprovada em Conselho de Ministros indicava que o regime de dedicação plena é obrigatoriamente aplicável aos médicos que venham a exercer funções de direção de departamentos ou serviços do SNS, implicando ainda uma limitação ao número de horas de trabalho que podem ser exercidas noutras instituições de saúde, também a negociar com as estruturas sindicais.
Ainda na área do trabalho, está previsto um regime excecional de contratação – os órgãos máximos de gestão dos estabelecimentos e serviços do SNS recuperam a autonomia para a contratação de trabalhadores -, assim como um regime excecional de realização de trabalho suplementar.
Ao nível da organização, o estatuto contempla os Sistemas Locais de Saúde (SLS), previstos desde 1999 na lei mas nunca implementados, que serão estruturas de participação e colaboração das instituições que, numa determinada área geográfica, realizam atividades que contribuem para a melhoria da saúde das populações.
De acordo com o documento, os SLS integram os estabelecimentos e serviços do SNS e outros organismos públicos com intervenção direta ou indireta na saúde em áreas como a segurança social, a educação, a proteção civil e as autarquias locais, podendo ainda integrar instituições privadas e do setor social do setor.
No relacionamento direto com os utentes, o Estatuto do SNS refere que serão chamados a intervir nos processos de tomada de decisão que afetem a prestação de cuidados de saúde à população, nos termos da Carta para a Participação Pública em Saúde.
Além disso, os estabelecimentos e serviços do SNS vão implementar sistemas de avaliação sistemática e periódica, que incluem a realização de inquéritos de satisfação aos respetivos ou utentes e profissionais de saúde.
O novo Estatuto do SNS necessita de alterações legislativas e regulamentares, que deverão ser aprovadas no prazo de 180 dias a contar da data da sua entrada em vigor.