Lucas Chambel foi eleito no fim do passado mês de fevereiro, aos 26 anos, como o novo presidente da Associação Portuguesa de Jovens Farmacêuticos (APJF). Natural da Guarda, veio para Lisboa, ou do “interior para a cidade”, como o próprio afirmou em conversa com o Netfarma, de modo a ingressar no Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas. Terminou o curso em 2021 e continuou a residir na capital, sendo que enveredou pelo associativismo de forma “normal, porque ao vir de outro contexto e tendo mais tempo, acabei por ter mais tempo e desenvolver outros aspetos”. Assim, acabou por passar por associações de estudantes e pela Associação Portuguesa de Estudantes de Farmácia (APEF), onde foi vice-presidente, cargo que viria a desempenhar também no órgão que agora preside.
Na entrevista concedida ao Netfarma, frisou inicialmente que “participar em algo mais do que a própria profissão sempre foi um dado adquirido”. “Na altura [APEF], já fizemos algumas campanhas de advocacy, que é um dos desígnios que eu mais gosto de trazer para o movimento associativo, ou seja, mais a questão do impacto no percurso dos estudantes, do que as atividades em si”. Depois de sentir que “gostava de participar em mais do que apenas a área da farmácia e da saúde”, Lucas Chambel passou pelo Conselho Nacional da Juventude (CNJ), onde ficou responsável pelo segmento da saúde. Tendo isto coincidido com o período pandémico de covid-19 que assolou o mundo, “houve a oportunidade de trabalhar com a Presidência da República e o Governo em campanhas para os jovens”.
Por conseguinte, o presidente da APJF teve a oportunidade de falar com o movimento jovem em Portugal, seja ele partidário ou associativo, e “ser a pessoa que fazia estas pontes e racionalizava qual era o papel dos jovens, o que foi bastante interessante”. Passando depois para a pasta das Relações Internacionais no CNJ, durante a presidência portuguesa da União Europeia, foi também representante dos jovens no contexto do Velho Continente, não só na área da saúde. Acabaria por chegar também à RTP, onde ainda se mantém no Conselho de Opinião para os jovens.
Lucas Chambel disse que o despertar para “a política, com destaque para as políticas de saúde” foi algo de que gostou bastante, o que só viria a ser solidificado com outros projetos, nomeadamente “com um deputado da Assembleia da República, o que reforçou este foco nas políticas de saúde, principalmente durante a pandemia”. “Acabei por liderar um departamento de comunicação e parcerias de uma rede internacional de deputados de saúde global. Não tinha a nada a ver com o setor farmacêutico, mas com a saúde em geral. Foi uma experiência muito interessante, até porque trabalhei, além de outras estruturas, com a Organização Mundial de Saúde”.
O extenso percurso, pelo menos tendo em conta a idade, acabou por redundar no “precisar de voltar ao setor”. “Agora estou na Indústria Farmacêutica e dá-me um pouco esta visão de saúde, setor farmacêutico e política ao mesmo tempo, porque trabalho em assuntos governamentais”, explicou.
Lucas Chambel foi, antes das eleições legislativas de 10 de março, orador no “Debate Legislativas – Prioridades para o ecossistema farmacêutico e da saúde”, evento da APJF realizado no final de fevereiro, que promoveu discussão entre elementos dos partidos políticos que tinham, antes das eleições legislativas, assento parlamentar. Aproveitou o espaço para falar do Livro Branco da APJF, intitulado “A Visão dos Jovens Farmacêuticos Portugueses para a Década”. Apesar de “parecer que foi lançado agora, pelo palco que está a ter”, o documento foi lançado em 2021, com uma visão até ao ano de 2030. Feito com o apoio de 100 profissionais da área, dividiu 40 propostas em 6 capítulos, com o propósito de ser “um farol da existência da APJF”.
“Sabíamos que teríamos de criar e avaliar várias milestones ao longo do tempo, para perceber o que já tinha sido, ou não, feito, e onde é que podíamos reforçar a nossa ação. Esse era o objetivo e acabámos por perceber que tínhamos um documento que colocava a APJF no centro da discussão”, explicou, acrescentando que o documento foi apresentado “à Ordem dos Farmacêuticos, ANF, a vários secretários de Estado das diferentes legislaturas e outros órgãos como os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS)”. O objetivo é “ligar os pontos” entre a perspetiva da APJF e estas instituições.
“Partindo do exemplo do ecossistema de dados em saúde, a SPMS tem aqui um papel fundamental. Se acho que foi alguma reunião com a APJF que mudou contextos? Não conseguimos fazer essas associações na política e na saúde. O que sabemos é que este tipo de sensibilização muitas vezes coloca os temas na ordem do dia. E são estas ações que podem possibilitar algumas mudanças setoriais, que nos fizeram chegar ao ponto atual”, garantiu.
Lucas Chambel afirmou, em muitos momentos da conversa, que é um “grande defensor de consensos dentro do setor”. “É preciso independência, mas saber que o Livro Branco da APJF está alinhado com muitas coisas que a OF defende, ou a ANF e a APFH, entre outros, é um garante de que quando nos têm à frente, entendem que não é só a voz da APJF, mas uma voz setorial”, disse.
Terminando este tema, o presidente da APJF frisou “ser uma boa altura para rever cada proposta do Livro Branco e mapear o que foi, ou não, feito”.
Sendo profissional da indústria farmacêutica mas, ao mesmo tempo, representante dos jovens farmacêuticos, não se coibiu de comentar temas como a dispensa em proximidade ou a renovação da terapêutica crónica. Para o responsável da APJF, a situação da dispensa em proximidade “é um assunto mais bem resolvido”. “Se vai facilitar a vida de quem vive um doença, os profissionais terão de se adaptar. Mas é também uma mudança na integração de cuidados de saúde, ao perceber-se que não há razão nenhuma para que muitas pessoas tenham de deslocar-se ao hospital, quando podem ir à farmácia da sua comunidade”, garantiu.
Sobre a renovação da terapêutica destacou um lado menos positivo, ao referir que é uma medida ilustrativa de soluções de recurso que deveriam ser antecipadas. “A medida nasceu numa altura em que o objetivo era libertar o esforço do SNS, porque havia uma sobrecarga muito grande das pessoas que frequentavam os serviços de saúde. Entendeu-se que as farmácias podiam prestar este serviço para que as pessoas não terem de recorrer novamente ao médico de família, até porque há pessoas que nem têm acesso a estes cuidados de saúde”, frisou.
“Acho que se pode continuar a pensar como é que se pode ir mais além, relativamente a outras situações clínicas onde o farmacêutico possa ter uma intervenção, mas porque é estratégico e não simplesmente porque o nosso sistema não consegue dar conta por si”, alertou.
Questionado acerca das dores dos farmacêuticos acabados de chegar ao mercado, a residência farmacêutica foi assunto em destaque, sendo algo em que “a APJF trabalhou desde o início, no acompanhamento e clarificação destes jovens”.
“Quando temos uma carreira nova, ou pelo menos uma reformulação em si, existe sempre apreensão. Há coisas que não correm bem e os próprios jovens não estão a par do que têm de fazer. Parece-me que estamos a ultrapassar esse período e que alguém que esteja na academia, ou um jovem farmacêutico, já consegue reconhecer e procurar informação sobre a residência”, explicou, não deixando de lado a importância que a criação desta carreira tem: “É um avanço do que é a profissão farmacêutica. Era há muito pedido e reivindicado, portanto a aplicação será sempre boa. O que nós vemos e que nos causa apreensão é que o facto de existirem guidelines próprias para a residência farmacêutica, o que não significa que elas estejam a ser cumpridas ao longo do país. Há uma grande disparidade entre a experiência de cada jovem, consoante onde está”.
Explicou que, assim, farmacêuticos que estão a entrar no contexto hospitalar podem estar “sem acesso ao nível de formação que de facto merecem”. “É urgente clarificar esta situação e acompanhar este jovens, o que está planeado pela APJF que, na medida dos seus recursos, vai fazer um roteiro pelo país e falar com os jovens para perceber qual é a sua realidade”, revelou, não deixando de por dizer que “a farmácia hospitalar em Portugal não tem o investimento que lhe é merecido, a nível dos profissionais e dos meios à disposição”.
“Não podemos querer apenas aplicar a carreira sem garantir que existe uma mudança de paradigma e temos profissionais cada vez melhor preparados”, finalizou sobre o tema.
Acerca da vacinação nas farmácias, cuja efetividade tem sido questionada por alguns quadrantes da sociedade, Lucas Chambel, afirmando à priori que não é seu “o papel de defender as farmácias”, elogiou os efeitos práticos da mesma, mas não sem referir a fragmentação entre os profissionais de saúde. “Muitos portugueses decidiram que era mais conveniente e gostavam de ser vacinados na farmácia, confiando nos farmacêuticos para realizar esse ato. É uma medida que beneficia a saúde pública e o acesso à saúde. Mas, de facto, existe uma visão completamente sectarista do assunto. A partir do momento em que, usando o exemplo, não vejo um enfermeiro a defender a vacinação nas farmácias, podendo ser erro meu, parece-me que estamos numa situação de pleno sectarismo, onde só olhamos para a nossa prática profissional. O nosso papel é ouvir as pessoas, por um lado, e depois perceber se a qualidade de vida melhorou ou não”, afirmou, dizendo ainda que estão a ser “comparadas coisas que não podem ser comparáveis”. Referia-se à questão da cobertura vacinal e como é preciso ter em conta o papel da “hesitação vacinal e como a pandemia afetou esta questão”.
“Os dados a que temos acesso revelam que resultou bem”, disse, ao garantir que tem como “papel e desígnio” o tentar promover e acrescentar ao diálogo entre as classes profissionais, “que discutem entre si uma visão muito sectarista”. “Precisamos de uma nova geração de profissionais de saúde que tem uma identidade: eu sou farmacêutico e profissional de saúde. E é este papel que nos une e temos de perceber o que os utentes precisam de nós”, referiu.
Com a experiência já referida, dentro de portas e internacional, questionámos Lucas Chambel sobre a sua insistência em convergência, diálogo e trabalho na área da saúde. Afinal, onde estão os entraves? O presidente da APJF começou por referir questões legislativas, não só do lado do legislador, mas sim de um “profissional de saúde que queira influenciar, num bom sentido, o ambiente político e o contexto onde se insere”. “É preciso conhecer quais são as ferramentas, ou seja, como é que a política funciona em Portugal, o que é um projeto de lei, o que é um projeto de resolução, que mecanismos é que existem a nível governamental para aplicar certos programas em si”, começou por dizer. “A outra perspetiva, do lado político, é que temos de compreender que os políticos só vão tomar uma decisão sentindo-se fundamentados e informados sobre o tema a tratar ou legislar. E esse é um papel dos técnicos e dos profissionais. Têm de perceber este mundo e dar ferramentas a quem decide”, garantiu.
“Se na mesma semana um deputado, que até está na Comissão de Saúde, tiver de legislar ou de fazer uma intervenção pública sobre uma matéria de importância na saúde, e na mesma semana recebe os representantes dos médicos, dos farmacêuticos, dos enfermeiros, dos nutricionistas… todos lhe apresentam um caderno de encargos, muitas vezes extenso, e que muitas vezes se baseia naquilo que é a sua interpretação sobre o setor da saúde. E dizem-lhe que isto é tudo prioritário. Como é que alguém consegue decidir desta forma?”, questionou.
Olhando para o futuro do seu mandato, destacou o facto de APJF “ser uma estrutura que consegue reunir gente à mesa, até porque por vezes é muito difícil dizer ‘não’ aos jovens”. “Seja a valorização do farmacêutico comunitário ou a implementação da residência farmacêutica”, a associação está “empoderada para lançar discussões”. “A minha intenção é reunirmos com a Ordem, a ANF e outras estruturas, para garantir que existem compromissos dirigidos aos jovens profissionais, como na questão da retenção do talento, a título de exemplo. É uma das nossas prioridades”, frisou.
Elencou ainda a “modalidade sócio-observador da APJF”, em que “pessoas que tenham complementado o Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas podem inscrever-se desse modo, ou seja, sem estarem inscritos na Ordem”. “E isso traz uma oportunidade muito interessante, que é termos a capacidade de perceber porque é que estes colegas, depois de terminado o mestrado, não tomaram a decisão de se inscreverem na Ordem dos Farmacêuticos. Queremos aproximar estes jovens da prática profissional”, acrescentou.
Sobre o que preocupa atualmente os jovens farmacêuticos de forma mais premente, Lucas Chambel referiu que existe a “perceção do lado da APJF, pelo contacto com os colegas, que faz falta as pessoas sentirem-se mais valorizadas na sua prática profissional, terem melhores condições de vida e de trabalho na prática farmacêutica, e verem clarificado o seu processo de melhoria em termos de carreira”.
“Se queremos reter talento temos de resolver muito rapidamente estas questões, porque se não começamos a ver pessoas que estão muitas vezes em farmácia comunitária ou em farmácia hospitalar, mas simplesmente têm o objetivo depois de transitar para outras áreas onde sintam que a sua condição possa ser melhor e valorizada, com acesso a melhores recursos. Parece-me que isso é uma matéria importantíssima. Tudo o que possa ajudar a que a vertente técnica ou científica, que tanto é valorizada no percurso académico, possa ser aplicada depois a nível do seu contexto profissional, parece-me que é algo que todos nós gostávamos de ver cada vez mais reconhecida na nossa população e nos serviços que oferecemos à população”, alertou a finalizar.