Na idade média, os cientistas da época, denominados alquimistas, tinham como objetivo maior a produção da tão famosa Pedra Filosofal, que não só permitiria transmutar qualquer metal inferior em ouro, mas também obter o elixir da vida, capaz de adiar a morte indefinidamente. Numa mais recente etapa da história da humanidade, os alquimistas contemporâneos, designados cientistas, encontraram, sobretudo na forma de novos hábitos de vida e avanços tecnológicos, uma fórmula que, à semelhança da mítica Pedra, possibilita estender a vida humana por períodos de tempo outrora inimagináveis. Contudo, longe estavam eles de prever os desafios que tamanhas descobertas viriam a comportar. Viver mais tempo pressupõe viver em etapas mais avançadas da vida, nas quais a deterioração do estado de saúde das pessoas é mais acentuada. Muitos idosos nos dias de hoje veem as suas capacidades consideravelmente diminuídas e confiam no cuidado de terceiros, normalmente filhos ou outros familiares, para manterem uma vida digna. Particularmente em Portugal, país com altíssima esperança média de vida mas desapontantes valores para os anos de vida saudável (apenas 6 anos para mulheres com 65 anos), cuidar dos idosos assume um papel preponderante no dia a dia das gerações mais novas. Talvez por essa razão o Governo Português tenha anunciado pretender, até final do ano, estabelecer o estatuto do cuidador informal, em linha com o que já acontece no Reino Unido. A ideia é que os familiares que elegem cuidar dos seus idosos tenham benefícios semelhantes aos de pais com filhos recém-nascidos, com flexibilidade de horários e benefícios fiscais. Numa ótica puramente numérica, do lado do SNS espera-se uma redução de custos por via da diminuição do número de idosos que se mantêm hospitalizados após receberem alta e da quantidade de urgências com origem na falta de cuidados básicos de saúde. Alternativamente, no setor empresarial prevê-se um aumento de custos uma vez que as empresas terão que se adaptar à flexibilização dos horários dos trabalhadores abrangidos pelo estatuto. Logicamente, o SNS vê esta possibilidade com bons olhos ao passo que as empresas apresentam algumas reticências… No entanto, o que mais importa é a componente de justiça social. A criação de um estatuto deste tipo tem implicações estruturais sobre os temas de justiça intergeracional e intrageracional. Com flexibilidade de horários espera-se que o número de horas gastas pelos familiares nos cuidados dos seus parentes idosos aumente. Isto representa uma transmissão de recursos das gerações mais novas para as mais velhas. Por outro lado, os cuidadores vão ter também melhores condições para desempenhar as suas funções enquanto tal, o que será pago pelo resto da sociedade. Mas olhando bem, esta é uma politica semelhante a outras medidas do estado social. Tal como a saúde e a educação pública, é uma medida que aponta baterias ao combate do destino. Ter um familiar idoso debilitado, algo que ninguém escolhe, é um golpe de sorte, que afeta o idoso e o respetivo cuidador. Ter um mecanismo que ajuda as pessoas que se encontram nesta situação é semelhante a ter um regime de saúde pública que se compromete a não ignorar quem por azar adoece. É ter um sistema que distribui o custo de uma infortuna, que para um individuo isolado é demasiado elevado, pelo resto da sociedade. Ademais, se for tido em conta que a prevalência da fragilidade em idosos está diretamente relacionada com o rendimento das famílias, então, este tipo de medidas é também decisivo no combate às desigualdades sociais. Em alguns dos mitos, a produção da Pedra Filosofal obedece ao princípio da troca equivalente, pelo que para uma pessoa viver uma vida mais, outra tem que ser sacrificada. Atualmente observa-se uma situação semelhante, pois por vezes, idosos vivem mais a custo do tempo de vida que uma geração mais nova lhes dedica. No entanto, para que um idoso viva uma melhor velhice não é necessário colocar em causa a qualidade de vida de uma pessoa mais jovem. Políticas, como o estatuto do cuidador informal, podem permitir contornar este princípio e melhorar a vida de todos. Luís Filipe (A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores)
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